Salvador tem 46 taxistas mortos por covid-19; mortalidade é seis vezes maior que taxa geral

Para cada mil taxistas, seis morreram por causa do coronavírus

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  • Daniel Aloísio

Publicado em 22 de janeiro de 2021 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Arquivo pessoal

Salvador já teve 46 taxistas mortos em decorrência da covid-19. Cinco deles não resistiram à doença em 2021. Considerando a população de 7,3 mil profissionais da área, a mortalidade é de seis óbitos para cada mil taxistas, número maior que o da capital baiana, se for considerado o total da população (2,9 milhões) e o número de mortes por covid-19 na cidade (3,3 mil), o que dá um óbito a cada mil soteropolitanos.

A última das 46 vítimas morreu nessa quarta-feira (20). É José Ailton França de Jesus, 53 anos, mais conhecido como Pepita. Ele era morador do Jardim das Margaridas e estava internado há dois meses, segundo Denis Paim, presidente da Associação Geral de Taxistas (AGT).

“Estamos preocupados, pois temos outros profissionais internados. Já tive que levar dois colegas para a UPA neste mês. Eu espero que não morra mais nenhum, mas nessa realidade pode aumentar os dados e possa ser que eu seja o próximo”, lamentou Denis, responsável pelo levantamento. José Ailton é o 46º taxista vítima da covid-19 (Foto: divulgação) A Secretaria Municipal da Saúde de Salvador (SMS) e a Comissão de Taxistas da Bahia foram procuradas, mas informaram que não realizam essa contagem de óbitos.  “Eu acho que a covid-19 não tem pegado só a nossa categoria, mas todas. Só que a gente tem revelado os dados, tornando público a situação para que as pessoas entendam a dimensão do problema. Mas rodoviários e motoristas de aplicativos também estão sendo igualmente afetados”, aponta Paim.  O CORREIO procurou Daniel Mota, diretor de comunicação do sindicato dos rodoviários, que contabilizou a morte de 21 servidores só em 2020 por causa da covid-19. Já o Sindicato dos Motoristas de Aplicativos, Condutores de Cooperativas e Trabalhadores Terceirizados em Geral da Bahia (Simactter) não retornou o contato até o fechamento desta matéria.  

Ainda segundo Paim, dos 7,3 mil taxistas, cerca de 3 mil estão sem trabalhar devido à pandemia. Além disso, outros 500 taxistas de 26 a 70 anos foram contaminados pela covid-19. Trinta e quatro deles estão hospitalizados.  

Saudades  No status do WhatsApp, o taxista Edson dos Santos Alves, 39 anos, expressa seu sentimento frente ao que tem passado nos últimos dias: “Saudades, sim. Tristeza, nunca”, escreveu. Edson perdeu o pai, José Dalmo Alves, que também era taxista, em junho de 2020, vítima da covid-19. Além disso, tem que encarar o medo de exercer a profissão enquanto vários colegas são vitimados pela doença.  “Meu pai tinha 65 anos e alguns problemas de saúde controlados. Outras pessoas da família também pegaram o vírus antes e não sentiram nada. Ele tinha parado de trabalhar por causa do vírus, só ficava em casa. Veio a contrair bem depois, ninguém sabe como. Ele só ia para a rua para comprar pão ou ir no mercado. Seguia as medidas de segurança, mas foi contaminado, internado e 15 dias depois veio a óbito, infelizmente”, descreveu Edson o momento de dor vivido pela família.  Embora tenha o crachá que lhe permite ser taxista, Edson tem preferido nos últimos dias trabalhar também como motorista de aplicativo. Ele tem sentido a dificuldade de exercer a profissão durante a pandemia. “Nós estamos abalados com tanta perda. Eu mesmo lido diariamente com jovens que vão para baladas, vão para aglomeração. Muitos não perceberam que a gente precisa se privar de mais coisas para sair dessa fase”, alerta.  O aniversário de 65 anos foi o último comemorado por Zé Dalmo, como ele era conhecido (Foto: arquivo pessoal) Já Driele Freitas, 30 anos, perdeu o pai de apenas 53 anos vítima da covid-19 em julho de 2020. Marcelo Carvalho dos Santos era taxista há 30 anos e não pôde ficar em casa durante a quarentena. “Ele não tinha renda de nenhum outro lugar a não ser a do taxi, que era alugado. Por isso, tinha que pagar o aluguel semanalmente”, afirma.  

Antes de falecer, Marcelo passou 40 dias internado. “Chegou a apresentar melhoras, mas de uma hora para outra o quadro de saúde piorou e ele não resistiu. Meu pai era meu exemplo, por ser uma boa pessoa, cidadã, que gostava de ajudar a todos”, lembra a filha. Marcelo deixou dois filhos.   

Relembre  O primeiro taxista de Salvador vítima da covid-19 foi Emanuel Tadgue de Almeida, 64 anos. Ele estava internado com coronavírus no Instituto Couto Maia, onde veio a falecer no dia 6 de abril, já no início da pandemia. Sua morte foi apenas a 11ª confirmada em todo o estado, o que mostra como a categoria dos taxistas tem sido exposta à doença. Atualmente, a Bahia já conta com mais de 9 mil mortes.  “Qualquer cidadão que tá indo pra rua tá sendo exposto ao vírus. A gente faz a prevenção, mas não é uma segurança de que não seremos contaminados. O ideal é o isolamento, mas agora que o auxílio emergencial acabou vai ser mais difícil. Teve muita gente também que não conseguiu receber, nem mesmo o Salvador Por Todos, que só beneficia os taxistas com mais de 60 anos”, afirmou Denis Paim, presidente da AGT. Outra morte de taxista por covid-19 que chamou a atenção das pessoas foi de Clebson Pereira da Silva, de apenas 31 anos, ocorrida no dia 8 de maio. Ele atuava nas imediações do supermercado Walmart, na Avenida da Vasco da Gama. Na ocasião, Clebson foi atendido em duas Unidades de Pronto Atendimento (UPA) da cidade, medicado e liberado para que retornasse para casa. Após o quadro se agravar, retornou à UPA de Brotas, vindo a óbito no dia seguinte. 

Em 10 de agosto, foi o taxista Genivaldo Santos Aragão, 54 anos, a vítima da vez. Ele estava no ramo há 27 anos e rodava no ponto da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Brotas. Apenas três dias depois, Moisés Lima Santana, 51 ano, faleceu. Ele trabalhava há cerca de quinze anos na Avenida Paulo VI e Itaigara. Já José Tarcísio Santos de Assis, 52 anos, tinha 20 anos de profissão e atuava na região de Itapuã. Sua morte aconteceu em 14 de outubro.  

Consciência  Para a infectologista Clarissa Cerqueira, do Hospital Cárdio Pulmonar, em Salvador, é importante que os profissionais e os passageiros mantenham alguns cuidados durante a viagem para evitar serem contaminados pela covid-19. “É preciso que o motorista evite deixar o vidro fechado e priorize a realização de corridas com circulação de ar. Se o passageiro exigir que ligue o ar-condicionado, que ele pelo menos deixe uma parte da janela aberta. Essa circulação de ar é muito importante”, garante. 

Além disso, Clarissa afirma que o taxista deve exigir que o passageiro só entre e permaneça no veículo se ele estiver portando uma máscara. Dentro do carro, é bom até evitar conversa, pois a fala ajuda a liberar partículas. “Mesmo com a máscara, a depender de sua qualidade, possa ser que ela não seja eficaz. Por isso também o motorista tem que orientar os passageiros a higienizarem as mãos antes de entrar e sair do veículo”, diz. 

Para evitar a contaminação, alguns motoristas tem instalados em seus veículos placas de proteção entre os bancos traseiros e dianteiros. A médica afirmou que a alternativa é boa, mas não pode ser considerada a única medida. “A placa não faz a vedação completa do ambiente. Eu já ouvi falar de pessoas que decidem tirar a máscara quando veem a placa, pois acham que estão seguras. É preciso manter ainda as outras medidas já citadas”, relata.  

Por fim, a infectologista do Hospital Cárdio Pulmonar pediu que as pessoas tenham consciência ao entrar num taxi e promova um ambiente que seja seguro para o profissional. “Como o taxista tá sempre no carro, ele é o mais exposto, pois ele tem contato com muitas pessoas. Então, se o taxista falar que vai deixar o vidro aberto, ele tem o direito. É bom que o passageiro tenha noção do uso da máscara, evite conversas e higiene sempre as mãos”, conclui. 

*Com orientação da subchefe de reportagem Monique Lôbo