Santo Antônio: testemunhas acusam PM de descumprir decisão judicial

Solto após morte de gerente, policial não pode se aproximar de parentes de vítima

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  • Milena Hildete

Publicado em 4 de janeiro de 2018 às 17:48

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Reprodução/Arquivo CORREIO

Testemunhas da morte do gerente de lojas André Luís Santos Silva, 32 anos, morto a tiros na manhã do dia 1º, no bairro do Santo Antônio Além do Carmo, acusam o policial militar Sérgio Ricardo Sobral Guerreiro, autor dos disparos, de descumprir decisão do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA). O juiz Edson Souza  liberou o soldado durante a audiência de custódia, no dia seguinte ao crime, sob a condição de que ele não se aproximasse de parentes das vítimas ou testemunhas do incidente, no qual o primo de André, Adriano Santos Santana, 27, também foi baleado.

As câmeras da região da Cruz do Pascoal, na Rua Direita do Santo Antônio, mostram, inclusive, o momento em que o PM, lotado no Batalhão de Choque, mas fora de serviço, se aproxima de Adriano - já ferido e caído ao chão - e atira novamente no rapaz, que tenta proteger o rosto usando uma das mãos (ver abaixo). À direita, esquina onde PM atirou em uma das vítimas desarmada e já caída no chão (Foto: Reprodução/Arquivo CORREIO) O temor de que, após a soltura, o PM voltasse ao local para ameaçar familiares e pessoas que presenciaram o fato, segundo moradores da região, se confirmou. Conforme moradores ouvidos pelo CORREIO, o policial está passando “normalmente” de carro, sem farda, pelo local onde ocorreu o crime, no Centro Histórico de Salvador.“Ele [policial] continua andando por aqui. Ele fica de carro indo pra lá e pra cá e isso está fazendo a gente ficar com medo, porque ele pode estar armado”, denuncia um morador.Medidas cautelares As condições dadas pelo juiz Edson Souza para soltar Sérgio Ricardo foram quatro. Segundo a assessoria do TJ-BA, a primeira é que ele “não deverá se ausentar por mais de dez dias da comarca (de Salvador) sem se apresentar à Justiça”.

A segunda medida cautelar determina que o policial "deverá comparecer a todas as fases dos autos processuais".

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Já a terceira obriga Guerreiro a “manter-se afastado das vítimas e testemunhas do processo, assim como de qualquer pessoa relacionada ao fato”, situação que, segundo as fontes ouvidas pela reportagem, está sendo desobedecida.

A quarta determina que o réu “deverá manter-se em domicílio quando não estiver em serviço”. Ainda conforme as testemunhas e moradores, nas ocasiões em que ele foi visto, estava no próprio carro que usava no dia da confusão que terminou em morte. Caso seja comprovado que ele descumpriu qualquer uma das condições impostas para responder ao processo em liberdade, a Justiça pode pedir novamente a sua prisão.

Antes de ser liberado na audiência, o policial ficou detido por pouco mais de um dia no Complexo Penitenciário da Mata Escura.

Protesto e medo Diante da situação de ameaça, familiares de André e Adriano promotem fazer um protesto para pedir Justiça, na manhã desta sexta-feira (5). A manifestação, marcada para as 9h, vai ser no mesmo local onde ocorreu o crime, próximo à Cruz do Pascoal. “Vamos nos unir para pedir por Justiça”, disse uma familiar das vítimas.

O CORREIO tentou entrar em contato com o Grupo Especial de Atuação para o Controle Externo da Atividade Policial (Gacep), do Ministério Público do Estado (MP-BA), para saber se eles já estão cientes da situação, mas ainda não houve resposta.

Os advogados Dinoermeson Tiago dos Santos Nascimento e Marcos Vinicius dos Santos Ribeiro, que defendem Sérgio Ricardo, não foram localizados para comentar a situação.

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Desde a manhã do dia 1º, a Rua Direta do Santo Antônio está sob tensão. Um vizinho da vítima, que preferiu não se identificar, disse ao CORREIO que o clima está "pesado" após a morte e soltura do autor dos disparos contra os primos, que alegou em depoimento ter agido em legítima defesa (ver abaixo).“Todo mundo está falando sobre isso (a morte e soltura do PM) por aqui. As pessoas ainda estão assustadas”, comentou o vizinho.Relembre o caso André foi morto no início da manhã do dia 1º, quando comemorava a festa de Ano-Novo com os amigos, no Santo Antônio. Seu primo, Adriano, estava no mesmo local e também foi atingido. Ele seguia, até esta quarta, internado no Hospital Geral do Estado (HGE), onde foi submetido a cirurgia. De acordo com informações de familiares, Adriano corria o risco de ter a perna amputada por conta de complicações de um dos tiros que tomou.

Conforme testemunhas, o PM teria ficado com ciúmes da ex-mulher, que estaria na festa junto com as vítimas. Por conta disso, o PM teria "jogado o carro" em cima de um grupo de homens. Neste momento, as vítimas começaram a jogar pedras no veículo do PM. "Só jogaram, porque ele [policial] queria colocar o carro em cima de todo mundo", contou uma testemunha. 

Em seguida, o PM saiu do carro com duas armas e disparou contra as vítimas. Câmeras de segurança registraram o momento em que o militar atirou. No vídeo, é possível ver os primos correndo pela Rua Direita do Santo Antônio, próximo à Cruz do Pascoal, e o PM atirando em uma das vítimas - Adriano, que aparece de camisa branca. Nas imagens, Sérgio Ricardo dispara na direção de Adriano, que já está caído no chão, e depois volta e atira novamente.

No mesmo dia do crime, só que à noite, o policial compareceu no Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), acompanhado de um advogado. Sérgio Ricardo é lotado no Batalhão de Choque e foi autuado em flagrante, segundo a Polícia Civil. Com ele foi apreendida uma pistola 9mm, que teria sido utilizada no crime.

Em depoimento, o PM disse que houve uma discussão com as vítimas e que estas teriam tentado matá-lo atirando uma pedra contra seu veículo, um EcoSport preto.

Investigadores do DHPP estiveram na casa do militar, onde apreenderam outra arma, uma pistola calibre 380. Tanto o veículo quanto as armas foram encaminhados para o Departamento de Polícia Técnica (DPT), onde passarão por perícia. A ex-mulher do PM, que seria pivô da confusão, além de testemunhas e vítimas do crime já foram ouvidas pela Polícia Civil.

Após a realização da audiência da última segunda, o processo será distribuído e posteriormente remetido a uma das Varas de Crimes Contra a Vida da Comarca de Salvador. Depois essa fase, o delegado pode representar pela prisão preventiva ou temporária do réu.