Se aquele fusca (me) calasse

Por Rogério Menezes

  • D
  • Da Redação

Publicado em 22 de julho de 2018 às 05:00

- Atualizado há um ano

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O epílogo deste narrador poderia ter sido precoce – aos 18 anos, enganchado nas ferragens de fusca azul-claro arrebentado após curva perigosa da Rio-Bahia na altura do sul de Minas Gerais. Não foi assim. O destino não quis. Acabara de passar no vestibular de Administração de Empresas da Universidade Federal da Bahia e sonhava com mundo melhor. Talvez não fosse justo morrer tão jovem, cheio de planos e quimeras. Mas quem disse que a morte é justa ou injusta, dona Augusta? A morte é. Ponto. Saímos de Salvador em manhã de fevereiro de 1972. Pegamos a estrada eu, o primo Amarildo, o amigo dele (não lembro do nome), que dirigia o fusquinha azul-claro, e dois irmãos gêmeos – filhos do motorista:  Ricardo Sérgio e Sérgio Ricardo. Tinham por volta de 10 anos e eram capetas em forma de guris. [Visitaria a capital carioca pela primeira vez, prêmio pela vitória alcançada. Presente bacana, mas a viagem – que  maçada!] O chofer dirigia mal, não tinha noção das armadilhas da Rio-Bahia. As crianças se entupiam de batatas fritas, gritavam nos meus ouvidos, puxavam minha orelha, tagarelavam e, pior, peidavam sem cerimônia. O calor era saariano. Eu suava em bicas. O comitê dos homens do banco da frente (CHBF) mantinha-se enfezado. Quase pedi para descer – mas a vontade de conhecer o Rio era maior que tudo. Ao anoitecer, o CBHF comunicou aos três patetas do banco traseiro: - Não vamos parar em hotel nenhum. Seguiremos para o Rio direto, sem escalas. Ricardo Sérgio e Sérgio Ricardo adoraram a ideia – ‘bacana, painho’, uivaram em coro. Mas dormiram logo em seguida e só acordaram quando o acidente quase fatal se deu no meio da madrugada. Protestei, em pânico: - É perigoso. Então ouvi da boca do primo Amarildo: -Tu é frouxo, hein Roge! Então chorei, engoli o choro, rezei. Escuridão. Breu. Trevas. De repente, do meio do nada, surgiam três, quatro, caminhões em comboio a toda velocidade, e passavam rente ao fusquinha, tirando tinta. O motorista não se intimidava. Acelerava. Olhei o taxímetro: 120 por hora. Então balbuciei: - Nesta velocidade, vamos morrer! Ouvi de novo: - Tu é frouxo, hein, Roge! O fusquinha azul-claro parecia foguete camicase abduzido por voraz bocarra de vulcão. Sergio Ricardo e Ricardo Sergio não amenizavam o drama: peidavam no mesmo ritmo com que roncavam. Tapava o nariz, mas os torpedos fétidos faziam do interior daquele fusquinha azul-claro o mais fétido bólido da galáxia. O CBHF não reclamava, parecia não ter capacidade odorífera alguma. Então veio o pânico – e se eles estivessem dormindo! [Pior que estavam]. Questão de segundos, o fusquinha azul-claro rodopiou na pista feito abelha bêbada, chacoalhou, parou no meio do nada, e inerciou no fundo da mata. O CBHF, atarantado, perguntou em coro: - O que foi? O que houve? Contei. O motorista bradou:  - Sempre durmo ao volante. Para não dormir, preciso conversar. E ordenou: - Amigo aqui do lado! Frouxo daí de trás! Tratem de tagarelar se quiserem chegar vivos ao Rio de Janeiro! [Nunca tagarelei tanto – mas chegamos inteiros].