Seca na maior lagoa do Rio São Francisco afeta 5 mil famílias

Sem fiscalização, área tem virado pasto e prejudicado ribeirinhos; MP-BA convocou reunião e distribuiu responsabilidades

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  • Mario Bitencourt

Publicado em 1 de setembro de 2017 às 02:00

- Atualizado há um ano

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A baixa vazão do Rio São Francisco, aliado ao assoreamento provocado pela derrubada de mata nativa no leito do rio, fez com que a lagoa de Itaparica, a maior da Bacia do São Francisco, situada entre as cidades de Xique-Xique e Gentio do Ouro, no semiárido baiano, secasse a ponto de prejudicar a pesca no local, afetando a vida de cerca de 5 mil famílias - aproximadamente 25 mil pessoas.

O problema tem afetado ainda o abastecimento de comunidades ribeirinhas, localizadas ao longo dos 24 km de extensão da lagoa, e chamou a atenção do Ministério Público Estadual (MP-BA), que convocou uma reunião de emergência e distribuiu responsabilidades para tentar reverter a situação (ver abaixo).

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Segundo fontes locais, a degradação ambiental da Itaparica, que fica dentro de uma Área de Proteção Ambiental (APA), já vem ocorrendo há pelo menos cinco anos, sem que ocorra fiscalização ambiental por parte dos municípios de Xique-Xique e Gentio do Ouro, bem como dos governos estadual e federal.

O problema na lagoa é preocupante porque ela serve, principalmente, como berçário e local de alimento da fauna do rio. A pesca, inclusive, não é recomendada na lagoa - que já foi conhecida como “mãe da pobreza”, na época em que não havia degradação. Ainda assim, devido à falta de peixes no próprio São Francisco, por causa da seca, ela tem ocorrido, com os animais sendo pescados ainda pequenos.

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Virou pasto A situação da lagoa de Itaparica vem sendo acompanhada de perto pelo coordenador da câmara consultiva regional do Comitê das Bacias Hidrográficas do Rio São Francisco (CBHRSF), Ednaldo Santos.

“O canal da lagoa por onde passa a água do rio está totalmente assoreado (tomado por areia), devido à ação degradante de retirada de mata nativa e plantação de capim para criação de boi e porco”, conta Santos.“Muitas famílias estão passando por necessidades por causa da redução do nível da água. Enquanto isso, as atividades de criação de gado avançam sobre a área da lagoa. Ao invés de água, o que temos mais visto é plantação de capim, uma situação que não vem sendo coibida pelos órgãos de fiscalização”, criticou Santos.Para o dirigente da CBHRSF, a ação de fiscalização é a ação mais imediata que tem de ser feita no rio, para que o problema não se agrave mais ainda. Os órgãos ambientais do governo do estado (Inema) e do governo federal (Ibama) já foram notificados sobre o problema há um ano, afirmou nesta quarta (30) a promotora de Justiça Luciana Khoury, do Ministério Público Estadual (MP-BA).“O Ibama chegou a fazer uma ação emergencial, pegando os peixes de balde e colocando-os numa área do rio com mais água, mas foi algo muito artesanal, sem impacto grande na resolução do problema”, comentou a promotora.Procurado, o setor de fiscalização da superintendência do Ibama na Bahia informou que não poderia comentar sobre o assunto em razão de viagem da chefia.

Reunião emergencial Após a reunião emergencial convocada pelo Núcleo de Defesa da Bacia do São Francisco (Nusf), do MP-BA, em conjunto com o CBHSF, a promotora de Justiça Luciana Khoury informou ao CORREIO os tópicos do plano de ação SOS Lagoa de Itaparica, definido após a encontro, ocorrido no campus da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), em Xique-Xique.

Composto por dez itens, o plano também define as responsabilidades de cada ente na resolução do problema. Para o encontro, também foram convocados os prefeitos de Xique-Xique e Gentio do Ouro, além de representantes da Adab, Codevasf, Ibama, Inema, e da comunidade local. Veja a lista completa no final da reportagem.

O Inema confirmou que encaminhou uma equipe de técnicos para participar da reunião, mas “só poderá se pronunciar após o alinhamento das pautas levantadas durante o encontro”, segundo nota enviada ao CORREIO. Os representantes dos demais órgãos não foram localizados.

Baixa vazão Enquanto não tem ações efetivas para o combate à degradação ambiental na área da lagoa, outro problema que interfere no bioma local, a baixa vazão do Rio São Francisco, também vai se agravando.

A Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf), que opera usinas hidrelétricas ao longo do rio, informou que a vazão foi reduzida nesta quarta-feira de 600 metros cúbicos por segundo para 580. A redução ocorre a partir da barragem de Xingó, em Sergipe.

Na barragem de Sobradinho, na Bahia, até o dia 25 de agosto a vazão permanecia em 600 metros cúbicos por segundo. Questionada pelo CORREIO se haveria redução em Sobradinho, a Chesf informou que não poderia responder em razão de reuniões de diretoria, nesta quarta.

Em 29 de agosto de 2017 (terça), o volume útil do reservatório da Bacia do Rio São Francisco era 5.713 hm³, o que equivale a 12,03% do seu volume útil total. Na mesma data do ano passado, o armazenamento era de 19,64%, segundo uma nota da Chesf publicada no site oficial da companhia.

A hidrelétrica de Sobradinho fica a 748 km da foz do São Francisco. Além da geração de energia, o reservatório cumpre o papel de regularização dos recursos hídricos da região, que abrange munícipios como Juazeiro (BA) e Petrolina (PE).

A hidrelétrica tem potência instalada de 1.050.300 kW e seu reservatório tem capacidade de armazenamento de 34.117 hectômetros cúbicos (34,117 trilhões de litros) – a maior da Bacia do São Francisco.

Tópicos do plano de ação SOS Lagoa de Itaparica definido em reunião emergencial convocada pelo Nusf/MP-BA: Mapeamento dos impactos às populações do entorno da lagoa - Responsável: Prefeitura de Xique-Xique  Elaboração de projeto de dragagem do canal do Guaxinim e elaboração de estudo para desobstrução do canal de Itaparica - Responsável: Codevasf. (A companhia irá terminar estudo de terraplenagem para conclusão é implementação)  Trabalho de Educação ambiental para as populações do entorno da lagoa e para a população em geral - Responsáveis: Secretários de Meio Ambiente e Educação de Xique-Xique e Gentio do Ouro e colaboradores da sociedade civil  Diagnóstico socioambiental da lagoa de Itaparica - Responsável: CBHSF Plano de fiscalização de ações impactantes na lagoa: Responsáveis: MP-BA, Secretaria estadual de Meio Ambiente (Sema), Inema, Ibama, municípios de Gentio do Ouro e Xique-Xique  Projeto de monitoramento das lagoas marginais da região - Responsáveis: Prefeituras, Uneb e apoio do CBHSF  Implementação de ações de implantação da APA Lagoa de Itaparica e estudo para identificar possível mudança da Unidade de Conservação para uma Resex - Responsável: gestor da APA, Sema e MP-BA  Retirada dos porcos que estão na lagoa; notificações após orientação dos moradores - MP-BA e Prefeitura  Adotar medidas para coibir lançamento de esgoto sem tratamento - Responsável: MP-BA e órgão ambiental  Criação de comissão permanente para acompanhar o andamento do plano com participação de sociedade civil, municípios, Codevasf, APA, MP-BA e outros.