Seca prolongada afeta setor agropecuário baiano

PIB não deve ser afetado, mas produção familiar ainda vai sofrer com a falta de água

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  • Saulo Miguez

Publicado em 10 de maio de 2017 às 06:00

- Atualizado há um ano

A seca no estado da Bahia já é sentida por mais de quatro milhões de pessoas e, no início deste ano, o problema meteorológico atingiu 219 municípios em todo o território baiano, segundo dados da Superintendência de Estudos Econômicos (SEI). A questão é que, apesar de não afetar o PIB agropecuário da Bahia, a  seca e a estiagem já atingem grande parte da agricultura familiar do estado.

O mesmo estudo da SEI aponta que os efeitos da falta de chuvas são ainda mais contundentes nos municípios com participação superior a 40% do setor agropecuário na composição do PIB municipal - nessas cidades,  a agricultura familiar é a principal atividade econômica, diz o estudo.

Os municípios afetados estão distribuídos em 22 territórios de identidade, que se estendem por cerca de 307,4 mil quilômetros quadrados, correspondendo a 54,4% da área total do estado da Bahia.

O Território de Identidade Sudoeste Baiano é o mais castigado, com 20 cidades em estado de emergência. Em seguida vêm os territórios de Irecê (com 19 municípios atingidos), Chapada Diamantina (18) e Semiárido Nordeste II, Sertão Produtivo e Sisal, todos com 17 municípios afetados. (Foto: Mauro Akin Nassor/Arquivo CORREIO)Queda constanteDe acordo com o levantamento realizado pela SEI, entre os anos de 2010 a 2015 houve uma nítida redução na quantidade produzida das principais culturas dos municípios que se encontram em estado de emergência.

Em 2012, quando teve início o ciclo de seca, a produção nas cidades que decretaram situação de emergência atingiu o menor patamar. Apenas a laranja e o cacau não integram a lista dessas produções mais afetadas em 2012: a primeira teve uma queda mais acentuada em 2015, enquanto o segundo apresentou menor produção em 2013.

A situação tem sido ainda mais grave para quem depende do plantio da mandioca. A produção da raiz sofreu maior variação no período e ainda não conseguiu voltar ao patamar de produção alcançado em 2010. O impacto disso na agricultura familiar da Bahia é muito grande, uma vez que esses pequenos produtores são responsáveis pelo cultivo de 90% do tubérculo cultivado no estado.

Monocultura Mesmo em menor escala, as grandes propriedades rurais também vêm sofrendo os efeitos da seca. De acordo com a Associação de Irrigantes da Bahia (Aiba), a estiagem do final de dezembro de 2016 e início de janeiro deste ano foi a principal causa da queda de produtividade da lavoura de milho e responsável pela produção de aquém das expectativas de soja.

O terceiro levantamento para a safra 2016/17, realizado anteontem pelo Conselho Técnico da Aiba, com 100% da soja colhida, mostra que a produção da região Oeste do estado alcançou uma média de 54 sacas por hectare plantado, em uma área total de 1,580 milhão de hectares. Os dados ainda contratariam a expectativa de colheita de 56 sacas de soja por hectare plantado, informada no levantamento anterior.

Já na cultura do milho, cuja área plantada no Oeste é de 180 mil hectares, a projeção de produtividade média caiu de 163 sacas para 130 por hectare - ou seja, houve uma diminuição de aproximadamente 20% na produção do grão. (Foto: Mauro Akin Nassor/Arquivo CORREIO)Perda O produtor rural e membro do Conselho Técnico da Aiba, Antônio Grespan, usou 90% da área cultivável da sua propriedade em Formosa do Rio Preto, no Extremo-Oeste baiano, para plantar soja. Os outros 10% foram destinados para o cultivo de milho. Segundo ele, cerca de 35% da lavoura deste último foi perdida.

“O milho é uma cultura mais sensível que a soja, então, com esses períodos de estiagem, ele acaba sentindo mais”, explica o produtor. A perda do grão, por sua vez, acaba sendo minimizada pela área pequena que é destinada ao cultivo dele - cerca de 10% do total.

Grespan, por sua vez, ressalta que o plantio do milho é necessário para haver a rotação de culturas e, com isso, garantir uma produção mais equilibrada ecologicamente. “O ideal seria plantarmos até 25% da área de milho, mas as dificuldades ocasionadas pelas perdas acabam tornando isso difícil”, afirma.

O Oeste e o PIBA Superintendência de Estudos Econômicos (SEI) garante que, apesar da estiagem, o PIB agropecuário de 2017 não deverá sofrer grandes alterações. Isso porque o Oeste baiano, que possui o maior peso na composição do Valor Acrescentado Bruto (VAB) agropecuário, ainda que diante do período crítico que atingiu a região nos últimos meses de dezembro e janeiro, já apresenta produção de grãos satisfatória.

A reversão do quadro meteorológico se deve, principalmente, aos investimentos em irrigação e à retomada das chuvas na região. O relatório da SEI, no entanto, frisa que, caso não ocorra mudanças do clima no semiárido, lavouras de segunda safra, como a de milho e feijão, além da mandioca, deverão ser afetadas.

Sem gado no pastoO problema da seca que atinge a Bahia não afeta apenas as lavouras. Com a escassez de água, consequentemente, a produção de carne, leite e derivados também é afetada, uma vez que muitos animais acabam morrendo de sede ou têm seu desempenho comprometido.

De acordo com o presidente do Sindicato da Indústria de Carnes e Derivados do Estado da Bahia (Sincar), Julio César Melo de Farias, houve uma redução de cerca de 40% da mão de obra na indústria de processamento de carne no último ano, em virtude, principalmente, da seca.

“Estamos com um sério problema de unidades fechando na Bahia. Tivemos matadouros encerrando as atividades em Jequié, Simões Filho e isso gera desemprego”, aponta Farias, se referindo a problemas tanto na Região Metropolitana de Salvador como, também, no Centro-Sul do estado.

Segundo ele, o número de abates caiu cerca de 20% em toda a Bahia. “Não temos bois no campo, daí não há o que abater”, lamenta.

Ainda de acordo com o presidente, o rebanho bovino baiano tem ficado pra trás ao longo dos anos. “Já tivemos o terceiro maior rebanho do país e hoje somos apenas o nono”, diz. Além disso, segundo Farias, o custo de produção do boi na Bahia é alto em comparação ao valor de venda, o que acaba desestimulando os produtores.