Segredos do Carnaval: 10 fatos sobre a folia que você não sabia

Tudo começou com uma guerra de limões de cera

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  • Giuliana Mancini

Publicado em 26 de fevereiro de 2019 às 13:00

- Atualizado há um ano

Oficialmente, o Carnaval de Salvador  completa, em 2019, 135 anos. Oficialmente. Isso porque, apesar de levar o ano de 1884 como marco do seu início, a festa tem algumas semelhanças com uma outra celebração, trazida pelos portugueses ainda no período de colonização do Brasil - o entrudo. Sabia disso?Siga o Bazar nas redes sociais e saiba das novidades de gastronomia, turismo, moda, beleza, decoração, tecnologia, pets, bem-estar e as melhores coisas de Salvador e da Bahia: E a Mudança do Garcia, você tem noção de como começou? É possível que tenha relações com a expulsão de uma prostituta que morava no bairro. Tem mais: o Ilê Aiyê, que faz 45 anos, poderia ter se chamado Black Power - imagine!

Se você gostou dessas curiosidades, reunimos elas e outras sete. Confira.

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Limões de Portugal Apesar de ser oficializado só no ano de 1884, há registros que contam que o Carnaval de Salvador começou muito antes - sua origem surge ainda no período colonial, com os portugueses, no entrudo. Limões de cera e perfumados eram jogados no entrudo (Foto: Shutterstock/Reprodução) “Até a segunda metade do Século XIX havia um conjunto de combates de laranjas e limões (de cera e perfumados), em que as pessoas jogavam umas nas outras, pela janela. Podemos perceber traços, aí, do Carnaval”, fala Paulo Miguez, vice-reitor da Universidade Federal da Bahia (Ufba),  doutor em Comunicação e Culturas Contemporâneas e estudioso do Carnaval.

Isso de arremessar coisas uns nos outros te lembra alguma coisa? Que tal espuma, confete, serpentina, água...?! E as semelhanças com a folia não ficam por aí: o entrudo se dava nos três dias que precediam a Quaresma - que começa na Quarta-Feira de Cinzas.

Tradição francesa A partir da segunda metade do século XIX, o entrudo tradicional foi sumindo. Muito por conta de uma série de proibições pelas suas práticas. Há até um registro, de 1842, em que se estabelecia, aos infratores dessa regra, uma pena que chegava a seis dias de prisão!

“Em um país que queria ter a imagem de civilizado, ficar jogando coisas nos outros não caía bem. E esse modelo de festa civilizada vem importado de Nice, na França - a mesma origem de vários Carnavais pelo mundo, como o de Nova Orleans (nos Estados Unidos)”, aponta Miguez. O Carnaval de Nova Orleans, o Mardi Gras, tem as mesmas origens que o brasileiro (Foto: Shutterstock/Reprodução) Esse estilo de festa trazia bailes e desfiles de máscaras, com fantasias e tecidos caros, que movimentavam a capital baiana. Eram compostos por membros da alta sociedade - principalmente dos clubes Cruz Vermelha (1883), Fantoches da Euterpe (1884) e Inocentes em Progresso (1900).

Filmes de cowboy Entre o fim dos anos 1960 e meados da década de 1970, os blocos de índio começam a ser criados.

“Eles não eram, de fato, compostos por povos indígenas, mas sim pos negros e por pessoas mais pobres - diferente daqueles clubes só com a elite. E também não eram inspirados nos nossos índios, mas sim nos americanos, influenciados pelo cinema western, de cowboys e faroeste”, conta Gringo Cardia, designer e cenógrafo curador da Casa do Carnaval (Praça Ramos de Queiros, s/n, Pelourinho). Os apaches: índios americanos viraram inspiração na folia (Foto: Shutterstock/Reprodução) Por isso, um dos mais tradicionais, o Apaches do Tororó, leva o nome de um povo nativo americano, os apaches, que habitam atualmente as reservas indígenas no sudoeste dos Estados Unidos.

Literalmente, uma mudança Você já parou para pensar como  surgiu a Mudança do Garcia (que sai do bairro em direção ao Campo Grande toda segunda-feira de Carnaval)? Pois sua história pode estar ligada a uma mudança, de fato. A Mudança do Garcia pode ter começado com a expulsão de uma prostituta (Foto: Claudionor Junior/Arquivo CORREIO) “Existem várias narrativas que dão conta desse movimento, que tem sua origem nos anos 1930. Uma das histórias, contada pelo sambista Riachão, narra que o preço do aluguel, na região, era muito alto. Por isso, as pessoas acabavam sendo obrigadas a se mudar. Outra versão fala que havia uma mulher que morava lá, mas era do desagrado dos vizinhos (leia-se: era prostituta). Ela foi obrigada a sair da região - e, naquela época, as mudanças eram feitas com carroças, que levavam os pertences das pessoas”, explica Paulo Miguez.

Ilê Aiyê rebatizado Um dos blocos afros mais tradicionais e admirados da Bahia, o Ilê Aiyê quase foi chamado de outra forma.

“Eu queria que o nome fosse Black Power, inspirado no movimento homônimo dos Estados Unidos (campanha contra a  segregação racial e a favor da igualdade e dos  direitos civis dos negros no país). Nós curtíamos a música negra americana e toda aquela estética do cabelo black power, da calça boca de sino...”, conta Antônio Carlos dos Santos, o Vovô do Ilê, que fundou a entidade em 1974. O estilo Black Power dos anos 70 inspirou o Ilê (Foto: Shutterstock/Reprodução) A ideia de ser batizado assim, porém, foi descartada depois de receber conselhos de algumas pessoas próximas, como sua matriarca, Mãe Hilda. “Fiz então  uma pesquisa pelas ruas e o nome Ilê Aiyê foi o escolhido”. O significado literal é “casa mundo”, mas dentro do universo do Ilê é “mundo negro”.

Início de Brown “Na década de 1980, a banda Salamanca era quem tocava no Camaleão. Nessa época, a percussão ficava na parte de baixo do trio, em uma área intermediária, enquanto o resto do grupo ficava em cima. Tinha um garoto no batuque, com 15 anos.  Ele sugeriu que a percussão ficasse no topo do trio, junto com a banda. E falou: ‘tio, você compra para mim timbales, agogô e mais uns dois instrumentos, e eu faço tudo que esses caras do batuque fazem. Mas me bota em cima do trio e me paga quanto o guitarrista ganha’. Pensamos: ‘será que isso vai dar certo? Que a gente pode confiar?’. Mas topamos apostar. Quem era esse menino? Carlinhos Brown”. Assim conta Joaquim Nery, sócio da Central do Carnaval e diretor do Camaleão. Carlinhos Brown se ofereceu, aos 15 anos, para fazer toda a percussão do Camaleão (Foto: Claudionor Junior/Arquivo CORREIO) Som poderoso Outra história que Joaquim Nery recorda é sobre o som dos trios elétricos.

“Os amplificadores eram de válvula, assim como os usados nos circos, por exemplo. Com a evolução dos blocos, no início dos anos 1980, precisava-se que essas caixas fossem especiais: o som tinha que percorrer longas distâncias, mas sem incomodar quem estivesse próximo a elas. E isso foi projetado aqui mesmo na Bahia, por Carlos Correia, que trabalhava, na época, no Eva. Foi tão revolucionário que engenheiros de som do mundo inteiro vieram para cá, para entender como aquilo funcionava”, fala. Um integrante da equipe do Eva projetou um amplificador especial para o Carnaval (Foto: Marina Silva/Arquivo CORREIO) Testes na Barra Por causa dessa evolução tecnológica e sonora - principalmente no começo dos anos 1980 -, os trios  tinham sempre uma novidade. Para não fazer feio no Campo Grande, onde os blocos saíam de domingo a terça-feira de Carnaval, era indicado fazer algumas verificações.

“Houve o momento, em 1983, que fizemos esse teste no sentido Ondina-Barra, com o Camaleão e o Eva, no sábado anterior. Fizemos até camisetas. E, como achávamos que era um percusso muito longo, botamos alguns caminhões para levar a galera”, lembra Joaquim Nery. Hoje puxado por Bell Marques, o Camaleão esteve no primeiro Carnaval da Barra (Foto: Robson Mendes/Arquivo CORREIO) Além dos dois, as equipes do Traz os Montes e do Pinel também comandaram esse movimento, que ficou conhecido como o primeiro Carnaval da Barra.

Visionária Hoje  é difícil achar um camarote que não tenha atrações musicais. Isso começou com Daniela Mercury.

“Domingo, segunda e terça  eram os dias oficiais do Carnaval. Quando eu decidi descer para a Barra (com o Crocodilo), em 1996, não acontecia nenhum desfile de trio elétrico lá embaixo - talvez um ou outro sem corda, mas não de bloco. Eu convidei (as produtoras) Licia Fabio e Nil Pereira para fazer um camarote em que a imprensa pudesse documentar minha passagem e para convidar artistas e amigos”, comentou a própria cantora. O camarote de Daniela Mercury foi o primeiro a ter atrações musicais (Foto: Raimundo Silva/Divulgação) Ela segue: "Só que, como nos primeiros anos poucos trios passavam na Barra, o desfile não preenchia o tempo das pessoas para ficarem lá. Aí, a gente botava música ambiente. Então o conceito de camarote, que veio a trazer esses todos para a Barra, fazendo essa revolução no Carnaval começou com o camarote de Daniela Mercury”, comentou a própria cantora.

Números de 2019 Neste ano, o Carnaval de Salvador receberá mais de 300 blocos em seus cinco circuitos - Dodô (Barra-Ondina), Osmar (Campo Grande), Batatinha (Pelourinho), Mestre Bimba (Nordeste de Amaralina) e Sérgio Bezerra (entre o Farol e o Morro do Cristo, na Barra, antecedendo a abertura oficial da folia). Somando com shows em camarotes e palcos, fanfarras e trios independentes, este ano são esperadas mais de 700 apresentações.

Segundo o Conselho Municipal do Carnaval (Comcar), isso significa o trabalho de 12 a 13 mil profissionais da música - entre cantores, membros da banda, produtores... Isso tudo para receber os mais de 800 mil turistas esperados para todos os dias de folia. Desses, 670 mil são de cidades da Bahia e do resto do Brasil, que se somam a outros 130 mil de países como Argentina, França, Itália, Portugal e Alemanha.