Seja quem você quiser: como 2018 se tornou o Carnaval da fantasia

De unicórnios a heróis, o que valeu foi se transformar

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  • Thais Borges

Publicado em 13 de fevereiro de 2018 às 07:20

- Atualizado há um ano

Antes de tudo, preciso alertá-los de algo: sou a louca das fantasias. Me dê um pretexto e lá vou eu em busca de tecidos, vídeos de ‘faça você mesmo’ no YouTube e tutoriais de maquiagem. Em meu último aniversário, fui a princesa Bela, de A Bela e a Fera. Nos últimos Carnavais, encarnei a Branca de Neve, Alice – a do país das Maravilhas mesmo –, Mulher Maravilha e Arlequina. 

Agora, em 2018, não tive vontade de ser nada. Não me programei para ser ninguém. Não me animei nem para tentar reviver uma vontade que tenho desde que Anitta lançou Bang: me transformar na popstar carioca. Pois, se eu fosse só um pouquinho menos pé no chão, seria capaz de dizer que o universo está contra mim. Afinal, por que justamente no ano em que eu não estou no clima parece que o mundo decidiu que era hora de se montar e cair numa piscina de glitter no meio do Carnaval?

Ninguém soube me dizer, ao certo, qual foi o motivo para tanta gente ter despertado para as fantasias este ano. Houve, porém, quem arriscasse alguns palpites. Quando encontrei a técnica em radiologia Emilly Lima, 18, e a mãe dela, a auxiliar de classe Evanir Rodrigues, 52, no Campo Grande, no domingo (11), as duas me disseram que acreditavam que o sumiço das cordas ajudou a fazer com que as fantasias se multiplicassem. 

“Esse ano tem muita pipoca. Quase não tem abadá, né?”, apontou Evanir. De fato, não tinha como negar. No domingo, a lista de trios sem corda incluía nomes como Claudia Leitte, Saulo, Banda Eva, Aviões, Duas Medidas e La Fúria. Evanir não tinha se fantasiado – para acompanhar tanta pipoca, ela disse que não queria se preocupar em reorganizar o modelito a cada dois minutos.  Mãe e filha, Evanir e Emilly foram curtir as atrações do Campo Grande (Foto: Thais Borges/CORREIO) Emilly, por outro lado, preparou a própria fantasia de policial. Para ela, se fantasiar no período momesco não é novidade. Na sexta-feira (9), ela tinha sido uma coelhinha. Na segunda, prometia uma gatinha. Ela é das minhas, pensei, sem dizer em voz alta. “Só ando assim, mas esse ano teve a moda da sainha de filó, né?”. Olhei em volta e constatei o óbvio: era mesmo uma febre. 

E pior que foi essa a palavra – febre – que a artesã Micheline de Souza, 44, usou para definir esse momento do nosso Carnaval. As fantasias viraram um frisson. “Minha filha menor já saía fantasiada. Esse ano, as duas vieram de unicórnio e eu vim de Rainha Mãe”, disse, aos risos, referindo-se a Maria Luísa, 5, e a Ingrid, 27. Para completar o grupo, o netinho Pedro Henrique, 2, estava vestido de Homem-Aranha.  A família de Micheline foi toda fantasiada (Foto: Thais Borges/CORREIO) Micheline exaltou o Carnaval das antigas. A hipótese dela também era de que o pessoal trocou os abadás pela chance de ser quem não são durante o resto do ano – ou quem querem ser. Para ela, que trabalhou produzindo tiaras para quem queria ir para a folia a mudança foi ótima. O próprio look das três moças tinha sido feito por ela. “Eu não sei dizer o que houve esse ano, só sei dizer que foi algo muito bom. Foi quase um toque de mágica”. 

Tempo de unicórnios Talvez tenha sido justamente essa mágica que fez com que os unicórnios brotassem de todos os cantos do circuito. Cor de rosa, lilás, verde, branco, azul... Era unicórnio de todas as cores e para todos os gostos. Engraçado foi que, antes do Carnaval, me perguntaram qual eu achava que era a fantasia da vez. A pessoa chutou que fossem os unicórnios. Eu resisti. 

“Unicórnio foi em 2017. Agora, quer apostar quanto que vamos ver mais sereias do que tudo?”, disse, na ocasião. Pois, ainda bem que não aceitaram minha aposta. Teria perdido, com certeza. Vi muita sereia, não há como negar. Mas, se em 2017 já tinha muito unicórnio, agora então... 

Quase morri quando vi a fofura das pequenas ‘unicórnias’ gêmeas: Malu e Clara, 2. Uma vestia rosa, a outra vestia amarelo. Para completar a fantasia, receberam uma máscara do Bob Esponja ao chegar no circuito. Como não amar? As mini foliãs me conquistaram.  As gêmeas Malu (de rosa) e Clara combinam as fantasias (Foto: Thais Borges/CORREIO) Quando a mãe delas, a assistente executiva Alba Dumas, 38, disse que, no dia anterior, tinha sido a vez da Batgirl e da Mulher Maravilha, eu fui ao céu dos fãs de HQs e voltei. “Está sendo muito legal ver tanta gente fantasiada. Acho que as pessoas estão lembrando de como era antigamente. Amanhã, as meninas vêm de borboleta”, contou Alba. 

Apesar disso, o vendedor ambulante Nildo de Andrade, 48, me disse que o que ele mais estava vendendo não eram nem os chifres de unicórnio. Pelo contrário: eram os véus de noiva e as auréolas de anjinho, cada um por R$ 10. “Algumas pessoas querem casar e outras querem ser as santinhas do gigante da Bahia, Léo Santana”, brincou Nildo. Ele, que é de Recife (PE), vem para o Carnaval de Salvador há oito anos vender adereços. Está aqui desde a festa de Iemanjá, no dia 2.  Nildo vence acessórios na folia (Foto: Thais Borges/CORREIO) Novidade e experiência Mais à frente, encontrei uma novata no mundo das fantasias. Vestida de princesa, a auxiliar de administração Gabriela Marinho, 17, fez a própria fantasia na noite de sábado (10). Com o tule branco que sobrou da saia, ainda fez uma ‘mistura’ para a cunhada, a pequena Amanda Sales, 11. Ela me disse que, quando viu todo mundo se fantasiando, bateu a vontade também.  Gabriela, de branco, quis ser uma princesa (Foto: Thais Borges/CORREIO) “Acho que é mais pela diversão, né? Eu não sou uma princesa, sou o contrário disso, por isso decidi ser o que não sou hoje”. Oi? Como assim, mulher? Ela deu risada e explicou melhor. Disse que, no resto do ano, era um tanto ‘grossa’... No Carnaval, quis ser mais delicada. Achei justo e segui em frente.  

Depois da estreante, parece até brincadeira, mas fui parar com um casal que deveria ser o mais experiente nesse mundo de plumas, cetins e filós. Fiquei encantada com a alegria dos aposentados José Benedito, 75, e Célia Lemos, 67. Casados há mais de 25 anos, eles fazem parte de um grupo de teatro. Só que, mesmo entre os companheiros de grupo, não costumam encontrar quem esteja disposto a ser um novo personagem. 

“O pessoal não tem coragem! Por isso, nosso bloco é um bloco de dois: Ele e Eu, Eu e Ele, Venha Conosco”, me explicou dona Célia. Preciso dizer que quase larguei o bloquinho e a caneta e encarei a viagem com eles? Preciso. (À minha editora, um adendo: foi só uma vontade rápida, viu? Continuei aqui, firme e forte).  Dona Célia e Seu José: o casal mais fofo que você vai encontrar na folia (Foto: Thais Borges/CORREIO) Vestidos de pierrô e colombina, os dois já tinham sido um casal de ciganos na sexta-feira (9) e, na terça, prometeram representar um casal do frevo pernambucano. Todo ano, mandam fazer as fantasias. “A gente vem assim para mostrar como era antes, porque ninguém mais resgata esse Carnaval. A inspiração é da nossa cabeça mesmo, do nosso tempo de marchinhas”, contou seu José. 

Quando eu achei que não tinha como aquilo ficar melhor, eles me surpreenderam. Dentro da fantasia de seu José, ele trazia um radiozinho acoplado. De lá, saíam marchinhas antigas da folia. Daí, mesmo no intervalo entre um trio e outro, dava para ouvir uma musiquinha gostosa. Mas eles usam a tecnologia ao seu favor, claro. “A gente baixa no computador e coloca no pendrive aqui”, disse dona Célia. Simplesmente genial. 

A saideira  Estava indo embora quando me deparei com um ser humano completamente pintado de corações vermelhos, que arrematou o look com glitter e um short da mesma cor, além de uma flor na cabeça. Era o administrador Jefferson Santos, 25, acompanhado de dois amigos. Ele me deu logo a real. “Brilho é brilho, né?”, justificou, no momento em que o abordei.  Jefferson (de vermelho) foi com os amigos para mostrar seu amor pelo Carnaval (Foto: Thais Borges/CORREIO) A ideia, segundo Jefferson, era mostrar todo o sentimento pelo Carnaval de Salvador. Tinha até nome: Pomba-gira do Amor. “Isso aqui ficou pronto em 15 minutos. Lambeu aqui, lambeu ali e fuicou pronto”, contou o moço, que já tinha sido um coelhinho ‘quase pelado’ (em suas palavras, não minhas). Para a segunda e a terça-feira, prometeu fantasias de ‘mistura de timbaleiro’ e bailarina. “O legal é você interagir com as pessoas, mas acho que já teve anos melhores. Esse ano, o povo está sem criatividade”, me alertou. 

Com aquelas palavras, lembrei da minha noite anterior, o sábado na Barra. Também na hora de ir embora, tive uma grata surpresa. Fui conversar com um moço vestido de Thor, recém-saído do portal de abordagem da Polícia Militar. O farmacêutico Rafael Jabar, 31, então, me disse que não era só ele. 

“Tem 12 pessoas aqui. Todos amigos, todos vestidos de heróis desde 2013”, contou, pouco antes do resto do pessoal sair da fila da revista da polícia. De lá, surgiram Superman, Batman, Robin, Mulher Maravilha, Supergirl, Flash, Batgirl... Era a Liga da Justiça em peso e bem representada.  Para completar, um grupo de agregados como o Capitão América, o Homem-Aranha e até os Power Rangers. A única coisa que eu conseguia pensar era: por que nunca consegui convencer meus amigos a fazer o mesmo? Vou anotar como resolução para 2019.  O grupo de 12 amigos se transformou num esquadrão de heróis (Foto: Thais Borges/CORREIO) Eles continuaram narrando a história para mim. “A gente escolheu o sábado para sair com a galera da Faculdade de Farmácia da Ufba (Universidade Federal da Bahia). Tinha um vídeo do Trem da Alegria e queríamos sair assim, mas não achamos os personagens. Ficaram só os heróis mesmo”, explicou o também farmacêutico Jonatas Rodrigues, 33. 

Na época, os meninos saíam sozinhos. Eram solteiros. Hoje, saem com as namoradas. “Não vamos deixar eles saírem sozinhos, né?”, brinca a Mulher Maravilha – ops, a enfermeira Itaiana Torres. De lá para cá, será que eles acharam que mudou muita coisa? “Muito! No primeiro ano que a gente saiu, era só a gente fantasiado. Agora, está lotado”, disse o engenheiro civil Heberth Rodrigues, 31, o Superman. 

Pois, só podemos desejar que lote ainda mais, não é? Por mim, vai ficar ainda mais cheio de gente fantasiada andando para lá e para cá. Como eu disse, eu só preciso que me deem um pretexto. No meu caso, escrever esse texto já está servindo. Já estou aqui agoniada pensando no que vou fazer para tentar correr atrás do prejuízo...