'Sem Carnaval oficial, vão fazer festa na rua sem controle', diz presidente do Comcar

Sem máscara e distanciamento, manifestação com trios contou com a presença de cordeiros, ambulantes, mototaxistas, artistas, músicos, DJs, seguranças e baianas de receptivo

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  • Carolina Cerqueira

Publicado em 21 de novembro de 2021 às 17:11

- Atualizado há 10 meses

. Crédito: Foto: Arisson Marinho/CORREIO

Quem passou pelo Farol da Barra, em Salvador, na manhã deste domingo (21) ficou na dúvida se era novembro ou fevereiro. É que, apesar de não fazer jus aos milhões de foliões que participam do Carnaval todos os anos, uma manifestação organizada pelo Conselho Municipal do Carnaval (Comcar) levou cordeiros, ambulantes, mototaxistas, artistas, músicos, DJs, seguranças e baianas de receptivo às ruas para pedir a confirmação da folia de 2022. Para que isso possa acontecer, o segundo pedido foi para que a população se vacine. Um trio elétrico e dois mini trios participaram do percurso, que se estendeu do Farol até o Morro do Cristo. 

Faixas e cartazes foram carregadas com dizeres como “Os músicos precisam trabalhar”, “Carnaval responsável”, “Baiana, vacinada. Preciso trabalhar e quero meu Carnaval”. As placas também apontavam que cerca de 70 mil cordeiros e 20 mil ambulantes participam da folia anual, que envolve no total cerca de 230 mil trabalhadores. O público estimado para a manifestação era de mil pessoas. Nem o Comcar nem a Polícia Militar soube informar qual foi a estimativa de público presente. Muitos participantes estavam sem máscara ou com o equipamento de proteção cobrindo somente o queixo; não foi estabelecido distanciamento.

Entre turistas e soteropolitanos, muitos foram surpreendidos com a manifestação. Quem passava de bicicleta ou em meio à uma corrida ou caminhada, parou e varreu a aglomeração com olhares curiosos. Alguns se renderam às músicas tradicionais da folia e cantaram e dançaram. “Isso aqui é bom demais! O povo baiano merece um Carnaval depois de tanto tempo de sofrimento. Já está na hora, já estão tendo festas enormes, por que não pode Carnaval?”, disse Joana Rodrigues, de 35 anos. Em meio aos olhares curiosos, os de reprovação. “Já é um Carnaval isso aqui. É um absurdo. Eu amo o Carnaval, mas ainda não é hora disso”, defendeu Maurício Santos, de 50 anos. 

A concentração teve início por volta das 9h. A manifestação saiu do Farol da Barra às 11h e, por volta de 12h, foi encerrada. Além do Comcar, participam entidades como a Associação dos Profissionais de Eventos (APE), a União Das Entidades De Samba Da Bahia em Salvador (Unesamba), a Associação Baiana dos Trios Elétricos Independentes (ABTI), a Associação dos Blocos Alternativos (ABA), além de representantes de camarotes.

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O presidente do Comcar, Flávio Souza, defendeu que o anúncio do Carnaval deve ser feito imediatamente. “Outros estados como Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro já anunciaram seus carnavais. Salvador, nessa indefinição, está perdendo turistas, artistas e patrocinadores. Não é por um Carnaval a qualquer custo, queremos o anúncio do Carnaval e a criação de um comitê para o acompanhamento da evolução da pandemia”, disse.

Souza ainda pediu para que a população se vacine para que um Carnaval seguro possa acontecer. Ele explicou como seria o Carnaval responsável pleiteado pelo Comcar. “As pessoas estão voltando à normalidade e, com certeza, se não tiver Carnaval oficial em 2022, vão fazer festa na rua sem nenhum controle e segurança. Até porque já vemos isso hoje, ruas completamente lotadas, paredões acontecendo. No Carnaval oficial, vamos exibir a vacinação nos portais de acesso ao circuito que já fazem revista regular para controle de armas. Nos camarotes, a vacinação também vai ser exigida, a gente pode estabelecer protocolos”, acrescentou. 

O presidente do Comcar argumentou que outros setores já estão liberados para trabalhar há meses e festas já estão acontecendo em toda a Bahia. “O nosso setor é o mais sacrificado. Músicos chegam para mim pedindo dinheiro para se alimentar. E são essas pessoas que estão sendo vistas como as grandes vilãs da história. Mas as lojas estão abertas, os bares e, inclusive, os estádios de futebol e as festas”. 

Ele ainda comentou sobre as pessoas que participaram da manifestação e estavam sem máscara. “É natural que nem todo mundo use máscara. Uma pessoa ou outra pode tirar a máscara para tomar uma água, uma cerveja ou até para respirar melhor. Isso pode acontecer e não somente no Carnaval, isso já acontece no dia a dia. Infelizmente, as pessoas já estão saturadas e a gente não tem como ter controle sobre isso. O controle que pode ser feito é em relação à vacinação”, finalizou. 

O artista plástico e produtor cultural Adilson Guedes, de 55 anos, fez questão de estar presente. Ele é conhecido por carregar uma escultura grande em formato de seringa de vacinação e espalhar alegria por onde passa. “Estou aqui pedindo uma decisão do poder público porque o Carnaval depende de planejamento. Não queremos que a festa seja feita na correria, de qualquer jeito ou de maneira irresponsável”, defendeu. “Eu fazia shows, tinha uma empresa que faliu. Precisei ir para a rua arrecadar dinheiro para me sustentar. Usei minha criatividade e talento para entreter e animar as pessoas nas filas da vacina”, completou. 

O presidente da APE, Adriano Malvar, defendeu a importância da confirmação e disse que, caso os números da covid-19 aumentem, a festa seja cancelada. “Queremos a sensibilidade dos nossos governantes para anunciar o Carnaval. A gente só pede que seja anunciado. Acreditamos que, até fevereiro, é possível que todo mundo já esteja vacinado, inclusive, com a terceira dose. Se os números aumentarem, se algo acontecer nesse sentido, a gente cancela o Carnaval”, colocou. 

A baiana de receptivo Joelma Bahia, de 35 anos, foi a porta-voz do grupo de cerca de 25 baianas que estavam na manifestação. “As baianas representam a Bahia e o Brasil e são também um símbolo do Carnaval; não podemos deixar isso morrer. O Carnaval é uma festa muito importante para a gente porque traz turistas para cá e movimenta a nossa renda”, disse. Uma outra baiana, que preferiu não se identificar, informou que o grupo foi contratado para estar presente. “Estamos aqui através de um contato que indicou a gente para esse trabalho de receptivo”, afirmou. Questionado sobre o assunto, o Comcar preferiu não comentar. 

A Polícia Militar, através de policiais da 11ª CIPM, Esquadrão Águia e Operação Verão, acompanhou a manifestação. O ato gerou congestionamento na Avenida Centenário e na Rua Afonso Celso. A Transalvador foi acionada para organizar o trânsito e optou por interditar a Rua Airosa Galvão. 

Vai ter ou não vai ter? Eis a questão

Ainda não há definição nem do governo municipal e nem do estadual sobre a folia de 2022. O Comcar chegou a se reunir e convocar uma assembleia no dia 11 de novembro. Na reunião, a maioria dos associados votou a favor de ter Carnaval no ano que vem. A Câmara de Vereadores chegou a exigir uma resposta até o dia 15 de novembro, sem sucesso. Depois, solicitou que o anúncio seja feito pelo menos com 100 dias de antecedência da folia, o que é considerado um tempo necessário para a organização da festa.

Durante a inauguração do Polo da Beleza do Grupo Boticário, em Camaçari, no último dia 18, o governador Rui Costa voltou a criticar a pressão para a realização da festa em 2022. "Os países estão fechando cidades quando aparecem cinco casos. A China, quando aparece um caso, fecha a cidade. Nós temos 2.500 casos e a pergunta que eu tenho que responder todo dia é se teremos Carnaval, se nós vamos botar três milhões de pessoas na rua. Que sociedade é essa? Que o grande anseio das pessoas é saber se vai ter o carnaval de 3 milhões ... ", questionou. 

Sobre a manifestação que aconteceu neste domingo, em nota, o governo informou que “manterá a postura responsável, baseada na ciência, em defesa da vida das pessoas. Qualquer outro posicionamento relacionado ao Carnaval depende, antes de mais nada, de uma definição sobre a realização da festa”. A prefeitura de Salvador foi procurada, mas não respondeu até o fechamento da reportagem. 

De acordo com números da Secretaria de Saúde da Bahia (Sesab), o estado tem 10.945.670 pessoas vacinadas com a primeira dose ou dose única, o que representa 85,97% do público a partir de 12 anos. A taxa de pessoas com a segunda dose é de 61,5%, totalizando 7.836.672 pessoas. Com a terceira dose, são 688.318. Segundo o boletim divulgado neste sábado (20), a Bahia tinha 2.887 casos ativos de covid-19, com um total de 1.255.237 casos confirmados desde o início da pandemia e 27.227 mortes. A Bahia tinha 28% de taxa de ocupação de leitos destinados a pacientes com covid-19. Em Salvador, a taxa é de 38%.  

*Com orientação da subchefe de reportagem Monique Lôbo