Sem isenção em Portugal, estudante baiana passa dificuldades e faz apelo

Rogilene viajou após vaquinha; universidade não dispensou taxa de R$ 50 mil

  • Foto do(a) author(a) Amanda Palma
  • Amanda Palma

Publicado em 24 de novembro de 2017 às 06:00

- Atualizado há 10 meses

. Crédito: Foto: Marina Silva/Arquivo CORREIO

Depois de campanhas na internet para conseguir realizar o sonho de fazer intercâmbio, a estudante de Direito Rogilene Bispo, 28 anos, voltou a ficar angustiada nos últimos dias. Agora que está em Portugal, fazendo a dupla titulação em um convênio entre a Universidade Federal da Bahia (Ufba) e a Universidade de Coimbra, ela não sabe como vai custear as taxas cobradas pela instituição estrangeira.

Antes de embarcar para a Europa, em setembro, ela teve a esperança de conseguir a isenção do valor - cerca de R$ 50 mil pelos dois anos de estudo -, por meio de uma negociação entre as instituições de ensino. Mas até o momento ela não teve uma resposta positiva sobre a sua situação. Por causa disso, já teve que pagar cinco parcelas de 700 euros (cerca de R$ 13 mil). A próxima parcela das taxas vence no dia 30 deste mês, no valor de 700 euros. Ao todo, são 20 parcelas do mesmo valor."Tô tão aflita de ter de voltar para casa e não conseguir concluir os estudos aqui. Até para me concentrar para estudar é difícil com esse problemão na minha cabeça", contou a estudante ao CORREIO. Para custear a viagem, ela fez duas vaquinhas online, que tiveram repercussão internacional após a divulgação da sua história de vida. Mas todo o dinheiro arrecadado está sendo usado para arcar com os custos de alimentação e moradia da estudante. Ao todo, Rogilene arrecadou cerca de R$ 25 mil.

Ela já procurou a Ufba e também a UC, mas não teve respostas. "Eles se comprometeram a dialogar com a Universidade de Coimbra em busca na minha isenção aqui, ou uma outra alternativa, mas até agora nada foi concretizado", explica.

[[publicidade]]

Carta aberta Para chamar atenção de seu caso, ela resolveu fazer uma carta aberta ao reitor da instituição portuguesa. No texto, ela pede uma alternativa para resolver sua situação. "Hoje em Coimbra, entusiasmada com os estudos, mas preocupada ao ver esgotar os fundos de manutenção arrecadados, gostaria de saber se é possível encontrar uma alternativa para o meu caso. Gostaria ainda, em caso de não ser possível atender ao meu pedido, que pudesse ser contemplada por outros serviços assistenciais da UC que amenizassem os custos de minha manutenção, tudo em nome da não interrupção deste sonho que me trouxe até Coimbra", escreveu a estudante de Direito.

Rogilene tem medo de ter o sonho interrompido, depois de tanto tempo aguardando para conseguir concretizá-lo. Segundo ela, é preciso manter as taxas em dias para conseguir qualquer coisa no país, desde a renovação do visto até materiais da faculdade. "Como sou estudante aqui, às vezes preciso da comprovação, porque para gerar documentos tem que estar pago. Na tela já aparece que a prestação não está paga", explica. 

Auxílios Em nota enviada ao CORREIO, a Ufba informou que Rogilene recebeu R$ 5 mil em parcela única, para ajudar nas despesas prévias do intercâmbio, como passaporte, seguro saúde, visto e passagens. Além disso, desde setembro, ela recebe um auxílio mensal de R$ 2.249,70 - que, no câmbio desta quinta-feira (23), fica em torno de 567 euros. Esse auxílio tem a finalidade de ajudar com despesas de manutenção, como alimentação, estadia, transporte e outros eventuais gastos no período. 

Fora isso, segundo a Ufba, o Programa de Mobilidade Acadêmica Internacional não prevê a concessão de outros auxílios financeiros e que isto é previsto no edital de seleção. A instituição reiterou que, mesmo sem o compromisso ou possibilidade de arcar com as taxas obrigatórias da Universidade de Coimbra, a Ufba e a direção da Faculdade de Direito “têm, por iniciativa própria, feito gestões junto à Coimbra no sentido de buscar alternativas que mantenham a estudante Rogilene neste programa” (leia a nota na íntegra no fim do texto). 

Rogilene confirmou que a bolsa é paga mensalmente, sem problemas. É com esse dinheiro que ela paga o aluguel (só para isso são 180 euros para um quarto em um pensionato) e as outras despesas.

“Minhas economias para pagar as taxas já estão se esgotando. Eles devem achar que o valor mensal da bolsa dá para pagar 700 euros e me manter. Eu ainda tenho minha mãe em Salvador e irmã desempregada que tento ajudar quando posso, porque, em Salvador, eu que pagava as contas”, explica a jovem, cuja mãe trabalha como diarista.

Em nota, o professor Joaquim Ramos de Carvalho, vice-reitor responsável pela internacionalização da Universidade de Coimbra explicou que disponibiliza três vagas sem custos à Ufba e que as vagas adicionais são para pagar os custos, nas quais Rogilene foi aprovada.

"Nós confiamos totalmente na capacidade da Universidade Federal da Bahia de selecionar quais os estudantes que podem usufruir das vagas sem custo e os que podem vir pelas vagas adicionais. A Universidade de Coimbra não interfere nesse processo de decisão da Ufba", informou o professor em nota. 

Veja a nota da UC na íntegra:

"A Universidade de Coimbra facultou à Universidade Federal da Bahia 3 vagas sem custos de taxas académicas para estudantes do curso de direito que desejem obter a dupla titulação com a Universidade de Coimbra.    A Universidade Federal da Bahia pediu à UC vagas adicionais para estudantes que estivessem disponíveis para pagar os custos, informando que havia apoios adicionais que os estudantes conseguiam angariar para suportar os seus estudos. Foi dentro dessas vagas adicionais que a estudante Rogilene dos Santos foi aceite.    Nós confiamos totalmente na capacidade da Universidade Federal da Bahia de selecionar quais os estudantes que podem usufruir das vagas sem custo e os que podem vir pelas vagas adicionais. A Universidade de Coimbra não interfere nesse processo de decisão da UFBA.   Adicionalmente a Universidade de Coimbra tem outras formas de apoio a estudantes, que estão descritas em: http://www.uc.pt/brasil/financiamento   Por muito que o caso pessoal da estudante mereça a nossa atenção, não podemos alterar as regras de concessão de apoios para acudir a um caso específico, em especial quando, como neste caso, existia um processo a cargo do nosso parceiro brasileiro para escolher quem podia usufruir de apoio e quem deve vir fora do apoio que concedemos".  Rogilene ajudava a mãe, que ficou em Salvador (Foto: Marina Silva/Arquivo CORREIO) Relembre a história Moradora do Lobato, no Subúrbio Ferroviário, Rogilene Bispo teve dificuldades desde a época da escola. Teve ainda que conciliar estudo e trabalho e, muitas vezes, para ajudar nas despesas de casa, ia com as irmãs e a mãe trabalhar na Feira do Rolo, na Baixa do Fiscal. Tudo isso para não cair na “vida mais fácil” do crime, como ela chama.

Mesmo com a trajetória difícil, Rogilene e as duas irmãs conseguiram ingressar no ensino superior. A irmã mais velha, Rogiene Batista dos Santos, 32, conseguiu uma bolsa do Prouni e se formou em Administração. Hoje, ela é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Controladoria e Contabilidade da Universidade de São Paulo (USP).

Para conseguir estudar, as irmãs iam pedalando do Subúrbio Ferroviário até a Biblioteca dos Barris, no Centro. Rogilene dividia a bicicleta com as irmãs Rogiene e Rosângela. Como não tinham livros para conseguir estudar, se revezavam para ir até o centro da cidade estudar com os livros que estavam disponíveis.

Leia a carta aberta de Rogilene na íntegra:"Magnífico Senhor Doutor Reitor João Gabriel Silva,

Na condição de aluna universitária venho perante Vossa Excelência manifestar a minha atual situação, desculpando-me de antemão pelo atrevimento da abordagem e ao mesmo tempo a justificando pela necessidade imperiosa de fazê-la, sou Rogilene Bispo Batista dos Santos, aluna da Faculdade de Direito da UC oriunda da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (UFBA) por via do convênio de dupla titulação entre as duas universidades.

Minha trajetória, desde a graduação até minha chegada em Coimbra, foi repleta de lutas e sofrimentos. Ingressei numa instituição de ensino superior federal através de muita dedicação, no qual contei também com auxílios da assistência social, pois venho de uma família desestruturada e com graves problemas financeiros. E como todos ali sabem, até minha passagem para Portugal foi custeada por doações de campanhas na internet, as quais mobilizaram um público grande que se sensibilizou com minha história.

A motivação para meu contato por esta carta, sem prejuízo de conversar pessoalmente caso o Senhor Doutor assim deseje, vem da crença de que a UC sempre fez tudo no exercício das suas funções; como é sabido, ao longo de sua história não mediu esforços para tornar a Universidade mais acessível e a vida de estudantes como eu mais digna. Classificada no edital de seleção de 2017 entre as vagas pagas e além de me lançar na campanha de arrecadação de fundos apoio, solicitei apoio da instituição de ensino na qual estou vinculada FD-UFBA, que já tentou diálogo com a UC sobre a possibilidade de uma excepcional isenção das propinas neste meu caso, mas sem êxito e agora a responsabilidade e aflição recai toda sobre mim.

Hoje em Coimbra, entusiasmada com os estudos, mas preocupada ao ver esgotar os fundos de manutenção arrecadados, gostaria de saber se é possível encontrar uma alternativa para o meu caso. Gostaria ainda, em caso de não ser possível atender ao meu pedido, que pudesse ser contemplada por outros serviços assistenciais da UC que amenizassem os custos de minha manutenção, tudo em nome da não interrupção deste sonho que me trouxe até Coimbra.

Com os maiores cumprimentos, Rogilene Bispo Batista dos Santos   As ajudas podem ser feitas através dos seguintes contatos: Telemovel: +351 911194224   E-mail [email protected] Banco do Brasil Agência: 3457-6 Conta corrente: 63.716-5 Rogilene Bispo Batista dos Santos Activobanck.pt (Portugal) NIB 0023 0000 45514864189 94 IBAN PT50 0023 0000 45514864189 94 Facebook / Instagram: rogilenebispo"

Confira a nota da Ufba na íntegra:Em 31 de julho de 2017 a estudante da Universidade Federal da Bahia Rogilene Bispo Batista dos Santos, comprovando aprovação em Programa de Mobilidade Acadêmica em Regime de Dupla Titulação de Graduação em Direito – Faculdade de Direito da UFBA e Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (Edital 01/2017), solicitou à Pró-reitoria de Ações Afirmativas e Assistência Estudantil (PROAE) auxílio mensal para manutenção durante o período de intercâmbio e auxílio para despesas prévias.

A solicitação foi aprovada, e Rogilene recebeu o valor de R$5.000,00 (cinco mil reais), em parcela única, destinado às despesas prévias do intercâmbio, tais como: seguro saúde, passaporte, visto, passagens e outros. Também foi aprovado auxílio mensal no valor de R$2.249,70 (dois mil, duzentos e quarenta e nove reais e setenta centavos), equivalente ao câmbio de hoje a 567 euros. O auxílio mensal começou a ser pago em setembro de 2017, com a finalidade de auxiliar despesas com a manutenção do discente (alimentação, estadia, transporte e outros) no exterior durante o período da mobilidade.

O Programa de Mobilidade Acadêmica Internacional não prevê a concessão de auxílios financeiros além destes. O Programa de mobilidade acadêmica internacional da UFBA, gerido pela PROAE, em parceria com a Assessoria Internacional, teve início em 2015 e, até hoje, já atendeu 43 discentes em situação semelhante. Alguns dos convênios de intercâmbio oferecem bolsa, mas outros não, e este era um fato que aparecia como limitador do acesso a esta oportunidade/direito pelos discentes cadastrados na PROAE.

O Edital de seleção do programa é claro ao colocar, no item 2.1, que “o programa não dispõe de bolsas de custeio de qualquer natureza, sendo de inteira responsabilidade do aluno as despesas [...] além da taxa de inscrição na Universidade de Coimbra que é obrigatória para todos os seus alunos”, tal informação é reiterada pelo item 6.3 do mesmo documento, que coloca como obrigação dos estudantes “suportar as despesas decorrentes do programa de mobilidade acadêmica para o qual se inscreveu [...]”. 

Mesmo assim, não tendo a UFBA o compromisso ou, ainda que por exceção, a possibilidade de arcar com taxas obrigatórias da Universidade de Coimbra, membros da administração central da UFBA e da direção da Faculdade de Direito têm, por iniciativa própria, feito gestões junto à Coimbra no sentido de buscar alternativas que mantenham a estudante Rogilene neste programa, fato de muita relevância, não só para a sua trajetória acadêmica e pessoal, mas para a UFBA enquanto instituição que vê a Internacionalização como pilar de suma importância.

*Colaborou Thais Borges