Sem lona, sem alegria: com estrutura danificada, Circo Picolino pede socorro

Picolino perdeu renda e materiais durante a pandemia

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  • Wendel de Novais

Publicado em 12 de agosto de 2020 às 05:15

- Atualizado há um ano

. Crédito: (Wendel de Novais/CORREIO)

Funcionários em casa sem receber remuneração e muitas contas sem pagar fazem parte do novo normal para o Circo Picolino, localizado em Pituaçu. Nestes cinco meses de suspensão de atividades, toda a renda, vindas do valor coletado com o edital do governo, da taxa cobrada das aulas  particulares e da venda de ingressos para apresentações, do circo deixou de existir.

Com a cultura tão atingida pela pandemia do novo coronavírus e a consequente crise financeira, a situação não é muito diferente para o Circo Picolino, que tem 35 anos de história em Salvador e passa por um momento crítico, agravado pela desgaste e, consequente, remoção da lona.

O lugar, interditado desde 18 de março, está completamente diferente. A área, que antes era coberta pela lona, está exposta ao sol e à chuva. De maneira improvisada, lonas foram colocadas nas salas que guardam o acervo para atenuar a umidade. Em um último recurso, os materiais circenses foram cobertos com plástico para impedir que água chegasse até eles, mas muita coisa foi perdida. “Nossos materiais foram danificados e não temos renda para repará-los ou substituí-los. Camas elásticas, colchonetes e coisas que são necessárias para todos os projetos que desenvolvemos por aqui e que precisamos repor. Mas nos falta capital”, lamenta Clóvis dos Santos, 60, coordenador técnico do circo.

A maior perda de verba do Picolino veio com a suspensão do edital Boca de Brasa,  e foi interrompido assim que a pandemia começou, em março. Nina Porto, 38, professora e membro do núcleo gestor do Picolino, lamenta. “Nós paramos de receber essa verba porque nossas atividades foram paralisadas. Foram cinco meses sem verba e de muito aperto. Mas conseguimos viabilizar uma programação digital de atividades e vamos voltar a receber o repasse”, ressaltou. Além da renda do repasse e dos ingressos vendidos para apresentações, o dinheiro das aulas particulares se tornou inconcebível. Clóvis diz que essa receita não deve retornar até que o espaço esteja aberto novamente. 

Por conta da alta incidência de ventos fortes e chuvas, mais um problema se juntou ao déficit financeiro da pandemia: a lona rasgou e ficou inutilizável. Segundo Nina Porto, o problema aconteceu depois dias muitos chuvosos: “Nossa lona não aguentou. O prejuízo pode custar cerca de R$ 150 mil, valor inalcançável para este momento. Para sorte do circo, o circo Crescer e Viver, do Rio de Janeiro, doou uma nova lona, que é menor que a última e precisará ser readaptada, o que custará o valor considerável para os cofres do Picolino. “Somando tudo, só nesta adequação, investiremos mais de R$ 20 mil”, informa Nina.    Lona doada precisará passar por adaptações (Wendel de Novais/CORREIO) Educação e paixão circense

Para além de um espaço cultural e de apresentações artísticas, o Picolino é um espaço de educação. As aulas de tecidos, acrobacias e outras tantas dão para interessados a oportunidade de aprender e executar apresentações desse mundo mágico que é o espaço circense. Chance que deu uma pausa com a pandemia. Para Deise Cortês, 41, que faz aulas no circo desde o início de 2019 e sente falta do local onde pratica arte circense, o lugar é um espaço de conforto e muita importância. "Sinto como estivesse fazendo aulas lá há muito mais tempo. O circo é hoje parte fundamental da minha vida. É algo de que não consigo abrir mão. É onde passo aquele tempo que é só meu! Que me transforma! Tenho feito aulas em casa, mas não se compara ao circo, limita muito", disse. Deise Cortês praticando no picadeiro do Picolino (Arquivo Pessoal/Reprodução) Quem também morre de amores pelo espaço é Paloma Góis, 35, que destacou como o lúdico da arte circense a envolve. "O circo para mim representa pensar fora da caixa, deixar fluir o lúdico, o artístico, a criança que tenho dentro de mim. No tecido acrobático, mais especificamente, a sensação de voar sem asas é indescritível. Só sabe quem faz.  Não há palavras para descrever o tanto que o tecido eleva minha autoestima", afirmou.

E a rotina do circo não faz bem só para Paloma. Outros alunos destacaram o quanto a prática no Picolino é positiva para corpo e alma. É o caso de Beatriz Coelho, 26, que relembra a alegria que era ir nos fins de semana para o local. "É uma rotina maravilhosa. Chegar sábado de manhã pra aula, fazer um alongamento. Posso dizer com facilidade que é uma das coisas que eu mais sinto falta durante esse período. Ir pro circo nunca foi só uma atividade física, porque lá é um espaço que eu sinto que me acolhe mesmo quando eu tô cansada e não quero me exercitar", clarificou. Beatriz Coelho durante uma aula no Picolino (Arquivo Pessoal/Reprodução)  Nana Porto, 36, professora e artista profissional que estudou no Picolino por 11 anos, destacou a contribuição social do espaço. "O viés que o Picolino sempre buscou de transformação faz toda a diferença na formação de qualquer um que vive ou viveu ali. Um trabalho social, que integra crianças e adolescentes em situação de risco numa sociedade que pouco está preparada para aceitá-los através da arte e da educação", contou. Nana Porto em uma apresentação (Arquivo pessoal/Reprodução) Aberto à comunidade

De portas abertas para pessoas em situação de vulnerabilidade social, o circo tem, dentre as suas atividades, uma parcela considerável de vagas gratuitas para a comunidade. Seja para fazer aulas ou apenas assistir uma apresentação, o espaço de pessoas que não podem pagar e querem ter acesso ao mundo circense está sempre reservado. 

"Aproximadamente, 50% das vagas em atividades promovidas pelo circo são destinadas para a comunidade.  Com o apoio do Boca de Brasa, conseguimos levar o projeto para pessoas que não têm condição de pagar e são formadas aqui sem custo. Ao longo de toda nossa história, antes mesmo do Boca de Brasa, sempre desenvolvemos atividades para as pessoas mais necessitadas", relembrou Nina.

Além das aulas, o circo virou um espaço cultural também. A gerência cede os picadeiros para outras apresentações que não sejam circenses e precisam de espaço para acontecer.

História

O circo surgiu em 1985 e já passou por sedes no Barris, Aeroclube e Pituaçu, O projeto foi fundado pelo artista Anselmo Serrat, que faleceu em 17 de março desta ano após lutar contra o câncer.Desde seu início, o Picolino realiza investimentos na produção cultural, já bem reconhecidos socialmente, como a formação de artistas de circo, o desenvolvimento da linguagntem circense contemporânea, a promoção de encontros de artistas e escolas de circo e a realização de espetáculos que são apresentados na nossa cidade e em diversos lugares do estado da Bahia, do Brasil e no exterior.

Anualmente, são atendidas centenas de crianças, adolescentes e jovens, prioritariamente os que se encontram em desvantagem social, vindas na sua maioria, das camadas sociais populares de Salvador e Região Metropolitana. Quem quiser fazer doações para o circo pode contatá-lo pelo Instagram, onde está como @circopicolino, e se informar sobre o processo para recebimento de contribuições. Q

*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro