Série reúne imagens inéditas de Tim Maia, com todo seu sarcasmo

Produção estreia no Globoplay nesta quarta (28), dia em que artista faria 80 anos

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  • Roberto Midlej

Publicado em 28 de setembro de 2022 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Acervo Carmelo Maia

"O Ministério da Saúde adverte: esta série contém apenas as versões de Tim Maia para os fatos ocorridos na vida de Tim Maia. A persistirem as dúvidas, consulte o Síndico. Ou o livro do Nelson Motta. Use sem moderação". A mensagem bem-humorada e irônica que dá início à série documental Vale Tudo com Tim Maia carrega bem o espírito do biografado, que completaria 80 anos nesta quarta-feira.

E, para celebrar o aniversário de um dos maiores cantores da nossa história, o Globoplay lança hoje essa produção original em três episódios, com direção de Nelson Motta e Renato Terra, supervisão artística de Monica Almeida e Pedro Bial. Nelson, jornalista e produtor musical, é o autor da biografia Vale Tudo – O Som e a Fúria de Tim Maia e Renato Terra dirigiu o documentário Narciso em Férias (sobre Caetano Veloso) e a série O Canto Livre de Nara Leão, também do Globoplay.

Os diretores optaram por usar apenas imagens de arquivo, do próprio Tim Maia, falando de sua vida e carreira profissional. Se de um lado perde-se a chance de ouvir a versão de outras pessoas sobre Tim, por outro ganha-se bastante em vê-lo falando de sua própria história, com seu jeitão anárquico e que, como raros artistas, não tem pudor em tirar sarro de si mesmo.

Num dos depoimentos resgatados, Tim relembra os tempos em que viveu nos Estados Unidos, antes de se tornar cantor profissional. Ao tentar obter autorização para entrar no território americano, aos 17 anos, foi obrigado a responder àquele questionário exigido pelas autoridades. "Menti pra caramba, pra todo mundo. Menti tanto, que até eu acreditava no que eu tinha falado", diz, com seu cinismo carismático habitual.

Este trecho está no primeiro episódio, a que o CORREIO teve acesso e se chama Foi Lá que Toda a Confusão Começou, título retirado de um verso da canção Haddock Lobo Esquina com Matoso, do álbum Nuvens, de 1982. Esta primeira parte conta a formação de Tim Maia, a infância no Rio, a viagem para os EUA, o tempo em que ficou preso lá e o sucesso de seus primeiros álbuns. O segundo, Quem Não Dança Segura a Criança, traz o artista no auge do sucesso, em programas como Chacrinha, Os Trapalhões, Fantástico, Globo de Ouro e shows lotados. Os diretores Nelson Motta e Renato Terra (foto: João Cotta/Globo) E o terceiro, Tudo é Tudo e Nada é Nada, talvez seja o que mais interessa aos grandes fãs, já que tem elementos do acervo inédito da família do cantor e destaca momentos íntimos dele. As imagens estavam com o filho de Tim, Carmelo Maia. Renato diz que ele, Nelson e a montadora, Jordana Berg, ficaram "mergulhados" por oito meses em todo o material da série.

"Durante a pesquisa, não teve um dia que eu não dava uma gargalhada. Trabalhei dançando grande parte do tempo. É possível que tenhamos visto mais de 100 horas de imagens e muitas delas, inéditas. O grande diferencial foi o acervo de Carmelo. São vídeos caseiros, fotos, objetos e recortes de jornais inéditos", diz Renato, entusiasmado.

Também para os admiradores mais curiosos, há outro item de muito interesse, observa Renato: "Trazemos imagens raras do Universo em Desencanto. O espectador vai conhecer instalações como o Hotel para extraterrestres e vai ouvir declarações do Tim Maia sobre os motivos que o levaram a abandonar a Cultura Racional".

O Universo em Desencanto, como é chamada também a Cultura Racional, é uma mistura de seita e filosofia criada pelo carioca Manoel Jacinto Coelho (1903-1991) e que Tim seguiu rigorosamente, por cerca de dois anos, entre 1974 e 1975. Foi o período em que Tim deixou as drogas e cortou os cabelos. E a fase rendeu um álbum muito cultuado, Tim Maia Racional, em dois volumes, lançados em 1975 e 76.

É claro que a música também é um elemento presente na série e há ali versões, às vezes raras, de canções como Primavera, Azul da Cor do Mar, Vale Tudo e Réu Confesso. "Não entrevistamos ninguém. A proposta da série é promover esse mergulho na personalidade do Tim Maia. Desafio quem estiver lendo essa entrevista a não dar pelo menos duas gargalhadas nos cinco primeiros minutos e não sentir vontade de dançar", aposta Renato.

ENTREVISTA COM RENATO TERRA, QUE DIRIGE A SÉRIE COM NELSON MOTTAA primeira parte, a que a imprensa teve acesso, tem apenas cenas de arquivo, com depoimentos de Tim. Como trabalhar somente com imagens de arquivo, sem que pareça uma mera "colcha de retalhos" de depoimentos antigos? Como dar uma unidade e sequência a esse material? Cada episódio tem uma identidade própria. O primeiro, mais cronológico, começa com a infância e adolescência do Tim Maia na Tijuca, no Rio de Janeiro. Mostra sua viagem para os EUA em 1959 e o início de sua carreira de sucesso na volta ao Brasil. O segundo episódio, mais solar, mostra o auge do sucesso, um suco de anos 80. O último episódio, mais anárquico, mostra a última década de Tim. Há um espaço delimitado para cada episódio, um roteiro. Mas, principalmente, buscamos dar uma atmosfera para cada um deles. Ao mesmo tempo, toda a série tem o humor, as músicas e o pulso de Tim. É para ver dançando e dando risada.

Pela dimensão de Tim Maia - hoje reconhecido como um dos maiores cantores da nossa história -, e, pelo material que você encontrou, acha que ele, em vida, teve o devido reconhecimento?  Tim Maia é uma força da natureza. Até hoje, basta tocar uma de suas músicas para preencher qualquer ambiente com novas emoções. Não tem pista de dança que não encha quando toca "Não quero dinheiro". Quem já foi traído começa a suspirar toda vez que ouve "Me dê motivo". Esse tipo de reconhecimento, que é intuitivo, Tim Maia sempre teve e sempre terá. Sua música nos toca profundamente de um jeito muito direto. Eu, Nelson Motta e a montadora Jordana Berg ficamos mergulhados em Tim Maia por 8 meses. Durante a pesquisa, não teve um dia que eu não dava uma gargalhada. Trabalhei dançando grande parte do tempo. Reunimos imagens das mais variadas fontes: VHS, película, Super-8. digital. É possível que tenhamos visto mais de 100 horas de imagens. Muitas delas inéditas. Fizemos um amplo trabalho de recuperação das apresentações musicais. O produtor musical da série, Dé Palmeira, recuperou sons de instrumentos, remixou, fez um longo trabalho artesanal para que o som dos shows de Tim Maia soasse como ele sempre quis. Muitas imagens inéditas também foram minuciosamente recuperadas.O grande diferencial foi o acervo de Carmelo Maia, filho do Tim. São vídeos caseiros, fotos, objetos e recortes de jornais inéditos.

Logo na abertura, um letreiro diz : "esta série contém apenas as versões de Tim Maia para os fatos ocorridos na vida de Tim Maia". É uma referência à ironia e ao bom humor dele? Este bom humor pode ser visto na série, embora ele também tivesse fama de 'encrenqueiro'? A série é toda bem humorada porque Tim Maia era hilário. Mais do que passar informações sobre a vida de Tim Maia, nossa ideia é criar uma espécie de "experiência Maia" no espectador. Quem vir a série vai se empanturrar. Oferecemos um banquete de Tim Maia. Ele está nas entrevistas, nos shows, nas fotos. Mas também está no timing do seu humor anárquico, nas cores, nos detalhes.

A aproximação de Tim com o Universo em Desencanto é uma de suas fases mais curiosas e igualmente pouco conhecidas? A série investiga este período? Pode antecipar algo sobre isso? Trazemos imagens raras do Universo em Desencanto. O espectador vai conhecer instalações como o Hotel para extraterrestres e vai ouvir declarações do Tim Maia sobre os motivos que o levaram a abandonar a Cultura Racional.

Existem entrevistas inéditas com outras personalidades? Se não, por que preferiu usar somente imagens de arquivo? Não entrevistamos ninguém. A proposta da série é promover esse mergulho na personalidade do Tim Maia. Desafio quem estiver lendo essa entrevista a não dar pelo menos duas gargalhadas nos cinco primeiros minutos e não sentir vontade de dançar.