Seu corpo precisa mesmo mudar? Nutricionista Paola Altheia responde

Não vale a pena emagrecer às custas de doenças físicas e emocionais', afirma especialista e escritora em seu primeiro livro

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  • Naiana Ribeiro

Publicado em 8 de abril de 2019 às 06:10

- Atualizado há um ano

. Crédito: Reprodução

Você já se perguntou por que 96% da população ocidental feminina está insatisfeita com o corpo que tem, segundo dados da StrategyOnen? Essa inquietação norteou a nutricionista comportamental Paola Altheia, que transformou sua pesquisa e conhecimento de anos em um livro, o Não Sou Exposição.

A obra, que está sendo vendida a partir de hoje pela editora Quintal Edições, reflete sobre imagem corporal, autoestima e saúde. Para isso, a especialista faz uma análise das mudanças do corpo feminino ao longo da história; reflete sobre a ‘indústria do emagrecimento’ e o culto à imagem; e traz as consequências dos padrões de beleza para a própria sociedade. Paola Marchesini Altheia, 31 anos, é nutricionista comportamental e autora do blog, canal no YouTube e perfil no Instagram Não Sou Exposição. Nas redes, promove reflexões e debates sobre imagem e insatisfação corporal, autoestima e saúde para milhares de seguidores. A curitibana, que também conhecida como Paco, é formada pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). É ativista contra a gordofobia, a objetificação feminina, as dietas restritivas e todos os fatores relacionados ao corpo e à alimentação que são fonte de sofrimento para muitas pessoas. Ministra palestras em eventos, universidades, associações e escolas Paola defende ainda que dieta é uma maneira de diminuir as pessoas e afirma que gordura não é  sinônimo de doença. “É preciso que as mulheres entendam o que significa amar o próprio corpo. Não vale a pena emagrecer às custas de doenças físicas e emocionais, é preciso que tomemos em nossas mãos a responsabilidade da nossa própria alimentação, tendo em vista o autocuidado”, acredita. Leia entrevista completa.

Qual a principal mensagem do seu primeiro livro? A de que os ideais do que a gente considera belo, sexy,  etc, são socialmente e culturalmente construídos. Hoje as pessoas têm uma ideia de que a busca pela beleza, pela magreza e por um corpo esbelto, é uma coisa natural da vida, que é norma. Mas é imposição. E ninguém para pra investigar essa insatisfação corporal que é tão prevalente na população feminina. Eu quis ir mais fundo nisso.

Por que as mulheres são as maiores vítimas disso? Na nossa sociedade, a definição de sucesso é diferente para homens e mulheres. Para o homem, sucesso é dinheiro, poder, influência, etc. No caso da mulher, tudo está mais pautado na aparência. A mulher é valorizada quando é magra, jovem e bonita. Ainda existe um entendimento de que o maior objetivo da vida de uma mulher é ser escolhida por um homem. Tem a concepção de que a beleza precisa ser cultivada para agradar o homem. (Foto: Arquivo Pessoal) Na sua opinião, por que tanta gente busca  por dietas e por esse ‘corpo ideal’? O fato do ‘corpo magro, perfeito, ideal’ estar tão distante do corpo que você tem hoje pode virar um bode expiatório para sofrimentos e frustrações. Então  - como você nunca vai chegar lá - continua reclamando da vida, alega que não encontra a felicidade e coloca a culpa no corpo. Só que, às vezes, a pessoa está focando tanto na  insatisfação corporal que esquece que outros aspectos da vida  precisam ser trabalhados.

Você sempre fala  sobre a influência negativa dos ícones de beleza na vida das pessoas. Qual é o real problema desses padrões?O principal problema é que a maior parte das pessoas não vai se encaixar neles e, portanto, vai sofrer. Te dizem que a suprema felicidade está em ter aquele corpo, só que ele é impossível de se ter. O jogo social funciona assim.Como funciona esse jogo? A mídia, o mercado do emagrecimento e a indústria de cosméticos falam o tempo todo  que ter aquele corpo ideal é um passaporte para felicidade. Te dizem que é só uma questão de querer, correr atrás e  adquirir os serviços certos. Só que isso gera uma angústia nas pessoas porque não  conseguem ‘chegar lá’ e se culpam por isso. Sentem que não se esforçaram o suficiente. O ideal de beleza é privilégio para poucos - é algo  raro e contra-hegemônico. Se todos fossem bonitos, o jogo não teria sentido.

Muitos te acusam de uma suposta ‘valorização da obesidade’ por defender a autocompaixão e militar contra gordofobia. Por que a aceitação corporal está relacionada ao bem-estar? Eu sou forte defensora da aceitação e da positividade corporal porque as pessoas gordas (e as fora do padrão) foram ensinadas ao longo da vida que o corpo delas é feio, doente,  vergonhoso... Todos esses significados negativos levam a uma baixa autoestima, isolamento e ao baixo interesse em cuidar da saúde. Quando a gente defende a autoaceitação, não está dizendo para a pessoa se abandonar. É simples: quem ama, cuida. Muitos falam que a aceitação e o movimento body positive (que prega o amor ao corpo, independentemente do formato) são perigosos, mas eu não conheço resultados eficazes positivos e permanentes da não-aceitação, do discurso negativo, do ódio.Quanto mais você coloca o dedo na cara da pessoa, menores as chances dela abraçar as rotinas de autocuidado. O discursodo ‘fecha a boca e faz exercício porque você é sem vergonha’ gera várias consequências negativas.Pode citar algumas delas? Depressão, transtorno e compulsão alimentar, baixa autoestima, bullying... Só coisa ruim. Por isso, eu comecei a correr atrás de outro pensamento,  e eu comecei a entender que, muito além de peso e medidas, o que realmente é determinante são os hábitos de vida e o quanto que ela sente que  participa de sociedade de uma maneira enriquecedora. Quando a pessoa começa a se sentir feia,  inútil, ela deprime. Então, eu vejo que tudo isso é positivo para promover saúde. Uso aceitação no consultório como ferramenta terapêutica e posso dizer que muda vidas.

Em que momento o peso deve ser efetivamente uma preocupação? Quando seu ganho é repentino, muito exacerbado, de uma maneira que cause um impacto muito grande pro organismo. Eu acredito que o peso começa a ser preocupação quando impacta na qualidade de vida da pessoa. Quando o indivíduo está incomodado, a gente tem que levar em consideração. Mas quando o mundo inteiro está incomodado menos o indivíduo, aí é preconceito. Não quer dizer que a pessoa precisa fazer alguma coisa a respeito.A vida é muito mais do que se preocupar se a sua imagem será apreciada pelos outros. Você não deve nada ao mundo. Nem beleza, nem juventude, nem magreza. 

Você dedica um capítulo aos transtornos alimentares. Por que tantas pessoas sofrem com esses problemas e têm  péssima relação com a alimentação? Fiz um capítulo para falar sobre isso porque atualmente tudo é muito banalizado. As pessoas não sabem o que é compulsão, anorexia, bulimia... Existem ideias  estereotipadas a respeito dessas doenças. E quero justamente desmistificar. A compulsão, por exemplo, não é  repetir um prato de macarrão. A bulimia, por sua vez, não é apenas provocar o vômito. Anorexia não necessariamente quer dizer que a pessoa tem 30 kg. São problemas mais complexos, difíceis de tratar, inclusive. Vivemos quase em uma fábrica de fazer louco. De um lado tem um discurso que diz para a gente viver intensamente, não se reprimir, fazer o que quiser. Do outro lado, outro discurso diz: não ouse ser gordo. Esse conflito inevitavelmente acaba em algum transtorno, doença ou em alguma relação patológica com a comida, porque são coisas completamente incompatíveis. Qualquer um fica doido diante de uma situação dessa.

E como evitar esses transtornos e cuidar da saúde mental em uma sociedade que a todo momento nos diz o contrário? Acredito que a melhor maneira de se proteger dos transtornos alimentares é entender que saúde é uma coisa que vai muito além do corpo –de ser gordo ou ser magro. Porque existe essa ideia, que é muito divulgada pela mídia, de que gordo é ruim e magro é bom, mas nenhuma das duas coisas é necessariamente verdade. Muitos parâmetros precisam ser avaliados. É uma questão de hábitos, não apenas de peso. Tire da cabeça a ideia que você precisa ter um corpo magro. Corpo ideal é aquele no qual você está feliz e saudável. Se qualquer uma dessas duas variáveis for corrompida, tem algum problema acontecendo. Preste atenção, tenha senso crítico e se preserve.

Oito dicas de Paola para uma ‘vida genuinamente saudável’

1. Não pratique restrições alimentares; 2. Dissipe a mentalidade de dieta; 3. Deixe-se guiar pelas sensações físicas 4. Esqueça as expectativas irreais de emagreci­mento 5. Questione verdades nutricionais absolutas 6. Não se deixe levar pelo terrorismo nutricional 7. Exercite-se pelos motivos certos 8. Cuide da saúde mental e emocional

Resumão: processo de aceitação em cinco passos práticos

1. Tenha expectativas realistas; 2. Aceite a vulnerabilidade e a imperfeição; 3. Não confunda amor próprio com narcisismo; 4. Esqueça a aversão e aposte na amorosidade; 5. Seja compassiva com você mesma. Ficha técnica do livroNão Sou Exposição - Questionamentos sobre imagem corporal, autoestima e saúdeAutora: Paola AltheiaEditora: Quintal EdiçõesPáginas: 168Preço: R$42 (pré-venda com desconto até 15/04). Informações e compras pelo site loja.quintaledicoes.com.br Outra novidade da editora: Fominismo Escrito pela jornalista francesa Nora Bouazzouni, livro fala sobre corpo, alimentação e feminismo. “Falo de como o patriarcado rege, até hoje, a forma como nos alimentamos’, resume Nora.Fominismo: quando o machismo se senta à mesaTradutora: Fernanda MarçollaEditora: Quintal EdiçõesPáginas: 116Preço: R$35 (pré-venda com desconto até 15/04)loja.quintaledicoes.com.br