Sexta-feira da Paixão: ruas do Pelourinho recebem procissão do Senhor Morto

Após três anos, Liturgia da Paixão voltou a ser celebrada na Catedral Basílica de Salvador

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  • Gabriel Moura

Publicado em 19 de abril de 2019 às 21:33

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Arisson Marinho/CORREIO

(Foto: Arisson Marinho/CORREIO) Dentre todos os olhares que observavam atentamente a Liturgia da Paixão, que ocorreu nesta Sexta-feira Santa (19) na Catedral Basílica de Salvador, o do aposentado Antônio Carlos Santos, 65 anos, era um dos mais emocionados. O que o tocava não eram apenas as palavras proferidas pelo Arcebispo de Salvador e Primaz do Brasil, Dom Murilo Krieger, que presidiu celebração. Aquele momento, para Antônio Carlos, era quase uma volta no tempo.

Isso porque o aposentado retornou à Catedral após quase 50 anos. Nascido em Salvador, Antônio teve que se mudar para São Paulo ainda adolescente para acompanhar os pais que resolveram tentar uma vida melhor na capital paulista, onde o aposentado mora até hoje. 

“Mamãe sempre me trazia aqui quando eu era pequeno. Ela era muito católica, não perdia uma data comemorativa. Parece que foi ontem que ela me dava uns ‘tabefes’ porque eu ficava correndo pela igreja ou beliscões para eu prestar atenção e seguir os rituais das missas de maneira correta”, lembra o aposentado, emocionado por voltar a acompanhar no local uma das celebrações da Semana Santa.

Nesta sexta-feira (19), além da Liturgia da Paixão, houve a Exposição do Calvário, na Igreja São Domingos de Gusmão, a veneração do Senhor Morto, na Catedral Basílica, seguida de procissão, que saiu da Igreja da Nossa Senhora do Carmo, foi até a Basílica, e retornou ao local inicial. Na romaria, foram levadas uma imagem de Jesus e outra da santa que dá nome a igreja.

A aposentada Maria José dos Santos, 62, que participa anualmente da celebração, era uma das mulheres que carregavam a imagem.“Eu sou devota da Nossa Senhora desde criança e sempre venho aqui para carregar a imagem. Ela é tudo para mim. Sem a Virgem Maria e meu Senhor Jesus, não sou nada. A fé é a razão do meu viver e, com ela, venço tudo e todos”, relata a aposentada.Maria José garante que o percorrer os quase cinco quilômetros da procissão ajudando a carregar a imagem não lhe causa nenhum cansaço. “Saio daqui é renovada, revigorada, com mais energia, força e luz espiritual. Desta maneira eu sinto que sou filha de Maria e que ela me ama e dá tudo de bom na minha vida”, conta.

Quando a procissão chegou à Catedral Basílica, Dom Murilo Krieger fez o sermão aos fiéis. Na mensagem, ele chamou a atenção para algo que considera como “uma das grandes chagas do mundo”: a depressão. Para o Arcebispo, uma das principais causas desta doença é a falta de amor.

“No mundo de hoje estão multiplicando-se casos desta doença pela falta deste sentimento. A pessoa não se sente amada, considera-se isolada, desconhecida por todos, ignorada, ofendida… Por conta disso, elas acabam se fechando. Mas, Jesus vem dizer: ‘não há razão para isso. Eu amo você’. E se Deus nos ama não há porquê nos sentirmos abandonados. Ele garantiu: ‘eis que estarei convosco todos os dias’”, disse. (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) Paixão De acordo com a tradição cristã, na Sexta-feira da Paixão é lembrada a cruxificação de Jesus e todo o seu sofrimento para dar à humanidade a salvação pelos pecados. Nesta data, os fiéis realizam rituais e penitências, como não comer carne vermelha.

“É uma data muito importante para nós, católicos. É o momento de reviver o momento que Jesus deu a vida para nos salvar. Apesar de ser uma data triste, eu fico feliz por saber que ele nos salvou do pecado. Mas, acima de tudo, hoje é um dia para viver de acordo com o exemplo que Cristo nos deu. Não adianta vir para a procissão ou para a missa e não seguir os ensinamentos. A verdadeira salvação é quando nós aprendemos a amar o próximo”, defende a católica Amanda Ferdandes, 24.

Já para Dom Murilo, a mensagem que deve ser passada é de esperança. “A morte de Cristo não foi um final. Se tivesse sido, não estaríamos aqui, nada celebraríamos. Apenas lembraríamos de algumas palavras bonitas ditas por ele. Mas, por ele ter renascido no Domingo, tudo aquilo que ele fez antes, na Sexta-feira Santa ganhou um novo sentido. São palavras de um Filho de Deus, são eternas. Quando celebramos a morte de Jesus é para dizer que queremos morrer com ele no pecado e egoísmo, e, assim como ele, renascer para uma vida nova, com alegria, esperança e amor”, finalizou. 

Retorno Após três anos fechada para reforma, a Catedral Basílica de Salvador voltou a receber as celebrações da Sexta-feira da Paixão. “É uma emoção indescritível voltar para casa. Eu sofri no período em que tivemos de estar ausentes. Mas, eu sempre procurava olhar para o futuro. Vale a pena passarmos por uma fase de renúncia para, futuramente, ganharmos tudo. E o que mais me emocionou nesta volta foi ver a reação das pessoas. Eu vejo que o povo vê esta igreja como sua. O que é verdade, pois ela é do bispo, do arquidiocesano e de cada visitante desta cidade”, ressalta Dom Murilo Krieger.  (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) Curioso é que o retorno do Arcebispo à Catedral pode se transformar em uma despedida. Isso porque em setembro do ano passado Dom Murilo entregou uma carta de renúncia do cargo ao Papa Francisco (na Igreja Católica é obrigatório que um bispo faça essa solicitação ao completar 75 anos). Por conta disso, se o pontífice assinar o pedido e nomear outro clérigo para o cargo até o ano que vem, esta será a última celebração da Semana Santa que o Primaz do Brasil comandará. Mas isso não é algo que tira seu sono.

“Eu não posso nem pensar nisso, se não vou deixar me levar pela dor de uma saudade antecipada. Mas, eu sou realista, sei que é bem possível que até ano que vem o Papa coloque um outro no lugar, que é parte do processo da Igreja. Mas estou disponível. Se quiserem que eu fique mais aqui, ficarei com muita alegria. Se não, já estou rezando por ele, para que tenha muita sabedoria e paz no coração, pois este povo merece o melhor”, comenta Dom Murilo.

*Com supervisão do chefe de reportagem Jorge Gauthier