Silvero Pereira fala sobre sucesso de travesti da novela das nove

Nascido no sertão do Ceará e de família pobre, ator falou sobre o sucesso de Nonato/Elis Miranda e sobre a peça BR-Trans, que vem para Salvador em janeiro

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  • Laura Fernades

Publicado em 20 de agosto de 2017 às 06:14

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Raquel Cunha/TV Globo
Silvero no papel de Nonato, motorista de Eurico (Humberto Martins) por Foto: Mauricio Fidalgo/TV Globo

Terno durante o dia, vestido brilhoso durante a noite. De dia um homem sério, de noite a diva Elis Miranda com direito a todo o glamour de Elis Regina (1945-1982) e Carmen Miranda (1909-1955) que o nome reúne. A vida dupla do motorista Nonato está roubando a cena na novela A Força do Querer e conquistando cada vez mais o público que assiste à trama das nove da Globo/TV Bahia.

“Elis Miranda se veste de Nonato para sobreviver”, resume o ator cearense Silvero Pereira, 35 anos, sobre a cativante travesti que interpreta na novela escrita por Gloria Perez. O sucesso da personagem é tanto que o número de seguidores de Silvero nas redes sociais pulou de 10 mil para mais de 250 mil, depois de estrear em A Força do Querer.

O motivo do sucesso está, segundo o ator, no fato de Nonato/Elis fugir do estereótipo. “Acho que existe uma condução por parte da Gloria Perez muito interessante que é bem distante do estereótipo e da caricatura - a ideia da travesti prostituta, marginal, sem educação -, que é o que mais gera preconceito nesse universo. Ela consegue trazer uma perspectiva mais profunda, da falta de afeto, de educação na família, nas amizades, na empregabilidade... Então as pessoas começam a enxergar essa figura como algo muito próximo. Isso faz com que as pessoas se identifiquem e torçam”, explica Silvero.

Tudo isso ficou ainda mais claro para o ator quando foi recebido pelos conterrâneos como um ídolo, na última semana, durante visita à sua terra, Mombaça, no sertão do Ceará. Na cidade, reencontrou amigos, conheceu gente nova e se reconectou com o “passado pobre de jó” que inclui todos os estereótipos do cearense sofredor que enfrentou a terra seca, o sol quente e a falta de água, nas palavras de Silvero.

“Foi a primeira vez que fui na minha cidade, depois da entrar para a novela. Fiquei impressionado vendo as pessoas querendo tirar fotos comigo, das 17h às 22h. Depois fui na escola pública que estudei... E ver no olho das crianças a alegria de ver um conterrâneo na televisão, de me reconhecer como artista, como ator, não tem preço”, conta orgulhoso o ator que tem 20 anos de carreira.

Ao encararar o passado mais uma vez, Silvero faz questão de destacar que o importante é compreender todas as “adversidades como potencialidades”. “Vejo as crianças olharem pra mim com olhar de esperança e tudo fica nítido. Pensar que quando escutam minha história, que era de família pobre e agora sou uma espécie de ídolo... Isso renova a esperança dentro da educação, da família, da perspectiva social. Pra mim isso é o que fica de mais bonito na minha cabeça”, comemora o artista.

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Gênero A Força do Querer é a primeira novela de Silvero, que chamou a atenção de Gloria Perez por sua interpretação visceral no espetáculo teatral BR-Trans. Visto por mais de 30 mil pessoas, o monólogo escrito por Silvero, inspirado em histórias reais de transexuais, vem a Salvador em janeiro para curta temporada na Caixa Cultural (ainda sem data definida).

Enquanto a peça não chega na capital baiana, o público pode acompanhar a performance de Silvero como Nonato/Elis Miranda na televisão. Nos próximos capítulos, além de encarar os dilemas da dupla identidade, a travesti vai ajudar Ivana (Carol Duarte) a enfrentar seus conflitos de gênero.

“Esse tema é uma demanda natural. Estamos vivendo numa sociedade onde esse assunto está gritando por espaço, não dá mais para ignorar. Quando se vê em uma novela e ela consegue levar o debate para o Encontro com Fátima Bernardes, para uma semana de matérias sobre superação e violência no Ceará e segue em outros programas, é porque é uma pauta urgente, necessária”, defende Silvero.

O ator conta que sua personagem na novela é inspirada em diferentes travestis reais e mistura um pouco da história de cada uma. Declaradamente fã da atriz travesti Jane di Castro, a personagem Elis Miranda mistura desde a história de Rogéria, carioca que driblou a cirurgia de mudança de sexo porque não tem questões com o corpo masculino, até outras travestis que usam hormônio, mas que se vestem de homem para conseguir emprego.

 “É uma personagem que sintetiza tudo isso. Ela não generaliza a condução da travesti, apenas pincela para que as informações cheguem aos poucos”, resume Silvero, que misturou sua experiência de 15 anos como integrante do Coletivo As Travestidas e com o filme Divinas Divas, de Leandra Leal, que assistiu quatro vezes. 

Casado há 9 anos com o marido e avesso a rótulos, Silvero acredita que as nomenclaturas de identidade de gênero “têm que ser definidas para que a sociedade compreenda e supere”. “Mas depois não podemos julgar as pessoas como elas são e muito menos por sua estética”, defende. Silvero ao lado da travesti Jane di Castro, musa inspiradora de Elis Miranda (Foto: João Miguel Junior/TV Globo) Parênteses Pouco interessado em discutir sua vida pessoal, Silvero comemora o alcance da novela e acredita que a arte tem o papel de ampliar o debate. “Não só a arte, mas todos os tipos de trabalho, seja você advogado, jornalista, médico, pedreiro...”, alerta o ator, filho de pai pedreiro e mãe lavadeira.

“Se você consegue conciliar seu trabalho com as questões à sua volta, significa que você está preocupado com o seu entorno, preocupado com que exista mais afeto, mais amor ao próximo. É muito importante que meu trabalho esteja nesse eixo”, aponta.

O ator acredita que o acesso às questões de gênero está maior, apesar de não ser o ideal, já que ainda existem muitas pessoas oprimidas que têm que “se esforçar para assumir uma identidade na qual não se identifica, apenas para sobreviver aos padrões”. E a sociedade está preparada para esse debate, que alcançou o horário nobre da televisão?

“Acredito que sim. A ideia da autora era abrir um parêntes para que esse assunto aparecesse e esse grito aconteceu. Vejo depoimentos em escolas, famílias... Essas discussões têm ajudado com o respeito aos outros colegas e muitas mães têm se identificado com a Joyce (Maria Fernanda Cândido), que está passando pelo processo difícil de ter uma filha trans”, diz Silvero.

“A compreensão disso é muito importante”, continua o ator. “O espaço foi aberto e a gente tem que aproveitar para que outros veículos e outras plataformas consigam fazer com que a discussão que se gerou durante seis meses acabe reverberando para 20, 30 anos depois que a novela acabe”.