Sinos da Catedral Basílica serão eletrônicos e voltarão a tocar às 18h

Após 50 anos parados, eles serão ouvidos duas vezes por dia

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  • Thais Borges

Publicado em 10 de maio de 2019 às 16:22

- Atualizado há um ano

. Crédito: Os sinos vão voltar a tocar após 50 anos (Foto: Marina Silva/CORREIO)

Um dia, o sino parou de tocar. O acesso era difícil – mais especificamente por meio de 103 degraus de uma escada íngreme – e não tinha nenhum ‘sineiro’, ofício dos que são especializados em tocar sinos. Mas tantos dias passaram que o resultado não podia ser outro: foram mais de 50 anos em silêncio, na Catedral Basílica de Salvador, no Terreiro de Jesus. 

Nesta sexta-feira (10), às 18h, pela primeira vez, dois dos quatro mais antigos sinos do Novo Mundo vão voltar a tocar, depois de cinco décadas. Os instrumentos da catedral foram trazidos de Portugal ainda no século 16, tendo sido os primeiros das Américas. Só que nem sempre foram bem tratados. “Quando cheguei aqui, soube que, muitos anos atrás, tinha até uma pessoa que subia para tocar o sino com o martelo. Pegar o badalo e bater provoca rachadura e todo sino que sofre uma rachadura nunca mais será o mesmo”, explica o padre Abel Pinheiro, pároco da Basílica.Ele assumiu a paróquia da Sé em fevereiro deste ano, mas também continua comandando a paróquia de Sant’Ana, em Nazaré. A Catedral Basílica, inclusive, foi reaberta em setembro do ano passado, depois de passar 44 meses fechada para restauração. Só que, mesmo coberta por 50 mil folhas de ouro em 13 altares, faltava algo. Faltava trazer, de volta, o chamado. 

“Os sinos são uma tradição milenar da igreja, um meio de comunicação, um meio de chamar o povo. Também são uma forma de avisar sobre boas notícias”, diz o padre. Há, claro, os momentos do toque fúnebre. Eles também avisavam sobre a morte de autoridades e religiosos da cidade.  Os sinos foram trazidos de Portugal, no século 16 (Foto: Marina Silva/CORREIO) Automatização Foi por isso que, imediatamente, o padre Abel decidiu corrigir a situação dos sinos. A experiência veio da Igreja de Nossa Senhora Sant’Ana, em Nazaré: o templo passou 11 anos em reforma e restauro também, tendo sido reaberto em 2017. Além de um visual impactante, uma das maiores mudanças veio justamente das torres: foram comprados três novos instrumentos que são acionados eletronicamente. 

Isso porque os três sinos anteriores, rachados, não podiam mais ser usados. Um reparo demoraria muito, além de precisar de autorização do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Assim, com a Basílica, padre Abel decidiu buscar a mesma empresa, sediada no Rio de Janeiro, para cuidar dos objetos da ‘igreja mãe’ de todas as outras da cidade.  Padre Abel assumiu a paróquia da Sé em fevereiro (Foto: Marina Silva/CORREIO) O processo foi dividido em duas etapas: duas para cada um dos sinos. Os dois primeiros, feitos de ferro, e pesando cerca de 480 quilos e 550 quilos, não precisavam de reparos estruturais, mas não tinham sequer os badalos. 

Por dez dias, o trabalho foi intenso. Os objetos foram retirados da torre, receberam novos badalos e um cabeamento que vai do subsolo da igreja até o topo da torre. Por esses cabos, que custaram mais de R$ 3 mil, vai passar a corrente de 220 volts. Esse sistema vai produzir o movimento dos sinos, que vão tocar pelo menos duas vezes por dia. Cada toque vai durar entre dois e três minutos.  A reforma dos sinos foi dividida em duas etapas (Foto: Divulgação) Na maior parte dos dias, o toque vai ocorrer em dois horários: às 12h e 18h. Às sextas-feiras, também haverá o toque das 15h, fazendo referência ao horário da morte de Jesus Cristo. Os domingos serão a segunda exceção: além dos dois toques fixos, haverá um às 9h45 (antecipando a missa das 10h) e outro às 10h, quando a celebração ecumênica semanal começa. “Nós vamos ter um controle remoto, mas precisamos de uma programação prévia. Os sinos vão estar preparados para tocar, sempre programados por um computador”, conta o pároco.Três funcionários da igreja estão sendo treinados para cuidar disso. 

Investimento Só essa primeira fase custou R$ 40 mil. Mais da metade do R$ 20 mil arrecadados foram pagos por doações de fiéis da paróquia de Sant’Ana, que já conheciam padre Abel. “Eles já me conheciam e confiam em mim. A Catedral é uma igreja pobre. Tem somente oito dizimistas”, explica o pároco. A maior parte das pessoas que frequenta a basílica é turista ou quem trabalha no comércio da região. Fora isso, há poucos moradores no Centro Histórico. 

Por isso, há uma campanha em andamento para arrecadar os outros R$ 20 mil – divididos em quatro parcelas de R$ 5 mil –, além de R$ 60 mil para os outros dois sinos. Nesse caso, a situação é um tanto diferente. Os dois são maiores: um chega a ter 1,1 tonelada e o outro passa dos 600 quilos. 

Mas o problema principal está com o maior: ele tem rachaduras. Por isso, o pároco chamou uma empresa do Rio Grande do Sul para avaliar se o equipamento tem conserto ou não. Por isso, além do custo com a automatização dos sinos, o restante do valor deve ser destinado aos reparos ou à compra de um novo instrumento. “Os sinos elevam a alma dos fiéis, convidam os fiéis à oração. Purificam o ambiente para que aquela hora seja dedicada ao culto. Eles levam embora os maus presságios, os maus olhados, os demônios”, reforça o pároco, que diz acreditar que, com esse movimento, outras igrejas também vão voltar a tocar seus sinos com frequência. A Igreja de São Domingos Gusmão, que fica defronte à Catedral, no Terreiro de Jesus, deve ser uma das primeiras a voltar com a tradição. Hoje, os sinos dela ainda são tocados, mas somente em datas festivas. Agora, com a novidade do toque automatizado, o administrador da igreja, Denilson de Jesus, contou que já estuda fazer o mesmo por lá. 

“Já pedimos à empresa que está fazendo a da catedral para fazer uma proposta (orçamentária) e estamos aguardando. O técnico deles já avaliou o nosso sino, disse que está em boas condições, mas recomendou que a gente não batesse sempre, para evitar rachaduras”, afirma. 

Padroeiro de Salvador A escolha do dia 10 de maio como a data oficial do retorno dos sinos não foi por acaso. É o dia do padroeiro de Salvador, São Francisco Xavier. Menos lembrado do que outros santos – como Nossa Senhora da Conceição da Praia, por exemplo, que é a padroeira do estado – ele foi lembrado também em uma festa na Catedral Basílica, na noite desta sexta.

“Ele não é muito conhecido, mas, se depender de mim, vai ser. Era um santo muito corajoso, inteligente, forte, com uma história muito bonita. Pretendo estimular a devoção dele”, garantiu padre Abel.  

Voluntária da Catedral, a nutricionista aposentada Marta Falcão, 69, valorizou a escolha do dia. Para ela, São Francisco Xavier deveria ser mais lembrado. Frequentadora da paróquia de Sant’Ana, ela disse não lembrar de já ter ouvido o toque dos sinos, antes do intervalo de 50 anos. “Pode ser que, com o toque, mais pessoas venham para a igreja”, diz. Essa também é a opinião da professora aposentada Dilza Almeida, 75, que congrega na paróquia da Liberdade. Marta e Dilza acreditam que os sinos vão chamar a comunidade para a igreja (Foto: Marina Silva/CORREIO) “A população do Centro Histórico é pequena, por isso o sino pode fazer com que as pessoas despertem, chamando quem estiver na região”, pondera a professora. No Terreiro de Jesus, a vendedora Andréa Ramos, 36, costuma ouvir os sinos da Igreja de São Domingos, enquanto trabalha em uma loja de artesanato. Católica, frequenta missas na Igreja da Ordem Terceira de São Francisco e na de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos. 

Para ela, o retorno do instrumento na Basílica foi uma boa novidade. “Acho que veio em boa hora essa volta do sino. Devia estar tocando há bem mais tempo, porque o sinto é o espírito de luz”, opina. 

O massoterapeuta Gilberto Falcão, 53, também costuma ouvir os sinos de outras igrejas. “Sou espírita, mas acredito que é um marco para os católicos. Também que vai influenciar bastante o turismo. É importantíssima essa requalificação do patrimônio em geral”. Gilberto acredita que pode ajudar o turismo (Foto: Marina Silva/CORREIO) As doações para a restauração dos sinos podem ser feitas diretamente na secretaria da Cadedral ou por depósito bancário na conta da Paróquia da Sé (Banco Bradesco, agência 3072; C/C: 080190-9; CNPJ 15257983/0003-85).