Sob protestos e acusação de racismo, MAM é reaberto

Comunidade acusa direção de ter impedido o acesso à Prainha

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  • Roberto Midlej

Publicado em 18 de agosto de 2021 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Fotos: Paula Fróes

A baiana Camilla da Mata, arquiteta, estava encantada ontem com a reabertura do Museu de Arte Moderna da Bahia, que, em razão da pandemia, estava fechado havia um ano e meio. Ela estava especialmente entusiasmada porque a exposição de reabertura, O Museu de Dona Lina, é uma homenagem a uma das mais importantes profissionais de sua área, Lina Bo Bardi (1914-1992), que projetou o MAM. 

"É a primeira vez que venho a uma exposição de Lina Bo Bardi. Eu vinha muito a este museu antes da pandemia, frequentava a Jam no MAM. E a grande 'sacada' deste espaço é agregar diversos tipos de arte, com o cinema, a música e as exposições. Essa oferta pode agregar a todos", festejava Camilla.

Do lado de fora do MAM, no entanto, ali bem perto, na vizinha Comunidade do Solar do Unhão, o clima de indignação contrastava com o entusiasmo de Camilla. Os moradores dali haviam realizado pela manhã uma manifestação em que acusavam o Museu de ser racista e de promover segregação, depois que o acesso deles à Prainha do MAM foi impedido. Pola Ribeiro, diretor do MAM Durante a reforma do espaço, o portão principal, que, antes da pandemia, permitia a chegada à praia, estava fechado. Por isso, algumas pessoas pulavam o muro do Museu, que passou a funcionar como alternativa à grade.

Cerca de arame Mas a direção do MAM mandou então instalar uma cerca de arame para que impedisse as pessoas de pular. Segundo Pola Ribeiro, diretor da instituição, a medida foi tomada para evitar que os moradores se acidentassem. Mas Marcos Rezende, morador da comunidade e professor de história, diz que, mesmo após a reforma, o acesso à praia não foi liberado."Além disso, aquela cerca de arame que eles instalaram lembra os campos de concentração nazistas. É uma imagem violenta", acrescenta.Marcos ressalta que outras pessoas, no entanto, frequentaram a Prainha: "No último domingo, contei 17 lanchas que estavam atracadas no píer e as pessoas que chegavam nas embarcações frequentaram a Prainha livremente", diz Marcos, que é também ativista do Coletivo de Entidades Negras - CEN. Para ele, trata-se de uma demonstração de segregação e racismo, já que os residentes da Comunidade são na maioria negros e a intenção ao dificultar o acesso é mantê-los afastados das pessoas brancas que chegam ali de lancha. Marcos Rezende, morador da Comunidade do Solar do Unhão Pola Ribeiro, no entanto, nega que haja racismo: "O acesso deles está garantido, até porque o problema da Prainha não é a comunidade. O problema é que a praia virou moda e é muito pequena. Cabem ali 200 ou 300 pessoas, no máximo". 

'Baba' liberado

Segundo o diretor do MAM, o acesso à praia ainda não está liberado para nenhum banhista e uma das razões para isso é a pandemia. No entanto, ele assegura que os jovens que jogam futebol na Prainha já têm o acesso pelo portão permitido."Conversamos com o pessoal do 'baba' e chegamos a um acordo. Agora, eles dizem ao segurança que vão jogar e são liberados. Uma instituição do Estado não podia permitir que as pessoas entrassem pulando um muro", diz Pola.Marcos Rezende diz que o "baba" só foi permitido porque os jovens enfrentaram os seguranças, que insistiam em proibir a passagem deles. "O pessoal só foi liberado porque não aceitou a proibição. A concessão só ocorreu porque houve enfrentamento", diz o ativista.

Pola diz que o acesso à praia para banhistas ainda não está liberado, mas ocorrerá em breve. Ele assegura que os moradores do Solar do Unhão terão acesso. Para isso, eles deverão apresentar uma carteirinha que os identifique como residentes da área. Por outro lado, cidadãos que não moram ali precisarão pegar um barquinho para chegar à Prainha do MAM e pagar R$ 10 pela viagem de ida e volta. Os barcos são um serviço explorado pelos próprios moradores.

Segundo o diretor, será realizado um cadastro para que a comunidade possa entrar pelo portão gratuitamente. Mas Marcos diz que essa é uma promessa antiga e não há sinais de que será cumprida.

Um outro morador dali, que prefere não se identificar, revela sua indignação:"O Estado vive de promessas, mas isso não enche barriga de ninguém. Cresci ouvindo promessas, mas chega uma hora que precisamos lutar. Ele [Pola] pensa que está nos oferecendo algo, mas não está: teremos acesso a algo que já é nosso por direito".Ontem, ao meio-dia, Pola e João Carlos Oliveira, diretor do Ipac (Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia), se reuniram com os moradores para discutir o acesso à Prainha e outros assuntos de interesse da comunidade, como a reforma de uma escada e a instalação de uma quadra esportiva numa área perto do Museu. A comunidade alega que R$ 30 milhões foram investidos na reforma do MAM, no entanto não houve benefícios para os moradores.

"Selecionaram 60 pessoas para trabalhar nas obras e 20 moradores tentaram trabalhar como operários. Mas somente um foi selecionado pela construtora", protesta Marcos. 

Na reunião de ontem, Pola reafirmou o compromisso de permitir o acesso à Prainha. Além disso, foi marcada para hoje, às 9h, um encontro de lideranças comunitárias com uma comissão do Estado formada por membros de diversos órgãos, como Conder (Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia), Secretaria de Turismo e Ipac. A reforma de uma escada que dá acesso a outra praia, a do Solar do Unhão, será assunto da reunião. Também será discutida a construção da quadra de esportes. 

MAB e Palacete

Nos outros museus reabertos ontem, o clima era mais tranquilo. No Palacete das Artes, o movimento era menor, mas havia visitantes, como o jornalista recifense Eduardo Macário, que visitava o local pela primeira vez."Gosto desse lado histórico de Salvador, mais que o lado das festas", disse Eduardo. Para ele, é positivo que, além das exposições, os museus tenham uma área verde para passear ou um café para sentar e conversar: "Quando o museu se torna um centro de convívio, quebra essa ideia de que é um lugar sisudo e só deve ser frequentado por quem conhece arte". O café do Palacete, no entanto, ainda está fechado, mas voltará a funcionar em breve depois de uma licitação. Atualmente, há três exposições no local, dos artistas Sérgio Amorim, Mário Cravo Júnior e Reinaldo Eckenberger. Há ainda o acervo permanente. O espaço funciona de terça a sábado, das 12h às 16h. Ao fundo, Davi Magalhães, visitante do MAB  No Museu de Arte da Bahia (MAB), no Corredor da Vitória, está a exposição Revisitando Modos de Ver e de Entender a Arte, onde estão as peças do acervo da instituição. Um dos visitantes era o estudante de História Davi Magalhães, de Itabuna. Ele apreciava o quadro Alegoria do Novo Mundo, de José Antonio da Cunha Couto. Na obra, estão os navegadores Cristóvão Colombo, Pedro Álvares Cabral e Américo Vespúcio. "A arte reproduz momentos históricos importantes e aí eles estão planejando a nova rota para as Índias. O MAB também funciona de terça a sábado, das 12h às 16h.