Sobre a arte e as manias de escrever

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  • Kátia Borges

Publicado em 6 de abril de 2019 às 10:51

- Atualizado há um ano

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Como você escreve? O poeta Roberto Piva responderia apenas “à caneta”. Era assim que ele erguia em tinta azul catedrais inteiras nas madrugadas de São Paulo inspirado pelos quadros de Hieronymus Bosch. Um amigo querido anota ideias incríveis para contos em seu caderno, um segredo precioso que divide com dois ou três “leitores beta”. Um escritor é sempre caprichoso. Tem suas manhas.

Ernest Hemingway, por exemplo, escrevia em pé, apoiando a sua pequena máquina sobre um livro volumoso. Tudo que Caio Fernando Abreu deixou de seu neste mundo, materialmente falando, foi uma Olivetti Lettera vermelha batizada carinhosamente como Virginia Woolf. Antes de caminhar em direção ao rio Ouse com os bolsos cheios de pedras, Virginia Woolf, também de pé em seu púlpito, datilografou uma carta de despedida para seu marido Leonard. Andava ouvindo vozes.

Em A orgia perpétua, Mario Vargas Lhosa conta que Gustave Flaubert testava o ritmo das frases de Madame Bovary falando em voz alta trechos inteiros enquanto caminhava solitariamente nos corredores de sua casa. Li em algum lugar, mas não creio que seja verdade, que William Faulkner escrevia seus romances usando os dedos dos pés. John Fante dizia que o emprego mais desprezível do mundo era o de roteirista de cinema. Por conta da diabetes, perdeu a visão e os dedos dos dois pés.

Já reparou como andam por aí, essas criaturas que escrevem livros? Distraídas, parecem sempre atentas ao estalar de um galho seco. Como se a via urbana fosse uma floresta selvagem a ser descoberta. Cronópios ou Famas, seus personagens esbarram com o Destino em todo canto. Stephen King não escrevia nada antes de concluir suas caminhadas matinais de cinco quilômetros. Truman Capote guardava bitucas de cigarro nos bolsos. Fernando Pessoa era obcecado por astrologia.

E virou um clássico o lendário desencontro entre Fernando Pessoa e Clarice Lispector em Lisboa. Graças ao desfavor dos astros naquele dia e horário exatos, o poeta achou por bem ter da escritora brasileira apenas a imagem sem retoques. Insone desde sempre, Clarice atravessava a madrugada entretida com os prazeres do silêncio mais completo. Considerava uma bênção contemplar o amanhecer antes do encontro com seus filhos sonolentos.

Um amigo escritor outro dia me contou de uma poeta portuguesa que só sai de casa em dias de chuva. Considero um luxo. E dizem as más línguas que Hans Christian Andersen, o autor de A Pequena Sereia, sentia tanto medo de ser enterrado vivo que, ao ficar doente, pregava um aviso na cabeceira da cama alertando aos mais apressados sobre a necessidade de checar se ele estava realmente morto antes de providenciar o enterro.