Sobre abandonos e travessias

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Publicado em 17 de fevereiro de 2019 às 05:00

- Atualizado há um ano

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No domingo passado, uma reportagem publicada pelo CORREIO revelava a iminência de naufrágio de dois antigos ferries abandonados sobre as águas da Baía de Aratu e à beira de provocar danos ao ecossistema de proporções incalculáveis. O primeiro deles, o Monte Serrat, está estacionado na marina local há 15 anos. O segundo, o Ipupiara, desde 2014. Ambos estão em grau avançado de degradação, com quantidades desconhecidas de óleo no interior. Os especialistas ouvidos pela repórter Thais Borges foram claros em apontar o risco que as duas embarcações representam para o meio ambiente.

Em outubro passado, a agência estadual que regula o setor de transportes, a Agerba, concluiu o leilão dos ferries, arrematado por uma empresa que comercializa sucata metálica. Passados quase quatro meses, o Ipupiara e o Monte Serrat ainda não foram retirados pelos compradores. Nem se sabe quando serão. Para completar a lambança, os órgãos ambientais do governo do estado parecem ter fechado os olhos para o problema, que está, afinal, à vista das comunidades no entorno da baía e dos navegadores e adeptos do turismo náutico que transitam por aquele trecho, reconhecidamente um dos mais belos da região.

O derramamento do óleo retido nessas embarcações, na esteira do eventual naufrágio, se tornará ainda mais grave pela característica da área ameaçada. Ao contrário da Baía de Todos-os-Santos, a de Aratu é uma enseada estreita em seu acesso, o que dificulta a troca das águas. O que elevaria os efeitos negativos ao ecossistema marinho e aos manguezais a sua volta. O prazo para que a empresa compradora retirasse os ferries estipulado no edital de leilão, segundo informou o governo, era de 30 dias.

O motivo pelo qual elas permanecem apodrecendo gradualmente na marina está na lentidão das autoridades estaduais em fazer valer as regras estabelecidas no contrato ou então agir de modo efetivo para impedir o anunciado desastre ambiental, através de um plano de contenção. Não se pode aceitar que a burocracia administrativa e legal seja desculpa para que, até agora, nada tenha sido feito. Afinal, é mais importante proteger o meio ambiente do que esperar o cumprimento de todo o rito processual para, só então, levar os compradores a assumir responsabilidades sobre o caso.Não se pode aceitar que a burocracia administrativa e legal seja desculpa para que, até agora, nada tenha sido feitoO abandono das duas embarcações faz os cidadãos lembrarem também das deficiências enfrentadas diariamente por quem utiliza, a pé ou de carro, o Sistema Ferry-boat concedido à iniciativa privada. Em mais um Verão, realizar a travessia entre Salvador e a Ilha de Itaparica continua sendo a via-crúcis de tempos antigos: filas gigantescas de pedestres e veículos, ferries desconfortáveis e ultrapassados, grande parte deles sem ar-condicionado, e quebra de regularidade por problemas de manutenção. Não seria erro considerar o cenário atual muito semelhante ao do século passado. No longo intervalo de tempo, o serviço oferecido continua péssimo, embora o preço pago pelo usuário esteja bem acima da qualidade disponibilizada a ele.

Sanar tamanha deficiência exige também um esforço que não vem sendo dispensado pelo poder público, a quem cabe cuidar de milhares de pessoas que dependem, diária ou ocasionalmente, da travessia entre os dois terminais marítimos. Apesar de velada, a razão pela qual o governo não se dedica ao tema está na tão prometida Ponte Salvador-Itaparica, obra alardeada desde a gestão anterior, mas sem qualquer sinal concreto sobre quando e se ela será mesmo realizada. Só não dá para deixar de lado a realidade e embarcar em um sonho ainda de papel.