Solar Amado Bahia vai a leilão; veja fotos internas e conheça a história do antigo casarão

Imóvel de 1904, situado na orla da Ribeira, está sendo leiloado para pagar dívida trabalhista; herdeiros tentam impedir venda

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  • Saulo Miguez

Publicado em 1 de agosto de 2017 às 05:30

- Atualizado há um ano

Quem passa pela Avenida Porto dos Tainheiros, na Ribeira, se depara com o esfacelamento de um centenário da arquitetura baiana. O imponente Solar Amado Bahia, construído em 1904 pelo comerciante de carne Francisco Amado Bahia e tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional (Iphan) desde 1981, carrega em cada detalhe traços do descuido com o patrimônio artístico de Salvador.

Avaliado em R$ 3,7 milhões pelo Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (TRT5), o imóvel que já recebeu presidente e governador irá a leilão amanhã, às 8h30, pelo lance inicial de R$ 1,8 milhão, para quitar uma dívida trabalhista. De acordo com o diretor da Coordenadoria de Execução do TRT5, Rogério Fagundes, o débito é resultado de um equívoco administrativo entre a Associação de Empregados do Comércio da Bahia e um funcionário. O casarão foi doado à associação em 1949.

Em 1993, o funcionário acionou a associação na Justiça após sofrer uma série de reduções salariais indevidas. “Ele chegou a ser vice-diretor de uma escola que funcionou no casarão, mas teve alguns problemas em relação a pagamentos de horas extras e outras questões trabalhistas. Hoje, a dívida está avaliada em R$ 1,7 milhão”, descreve.

Segundo Frederico Leitão, tataraneto de Francisco Amado Bahia, o Solar foi doado à associação para cumprir uma função social. “A ideia é que a casa fosse transformada em um hospital que atenderia justamente os funcionários do comércio. No entanto, essa contrapartida nunca foi realizada”, explica.

Quando a família soube do imbróglio com a Justiça, contactou os advogados para tentar reverter a situação. “Eu, particularmente, não acredito que essa venda se concretizará. Primeiro, por conta do alto valor do lance inicial, mas principalmente pela necessidade de reforma”, afirmou.

O CORREIO tentou contato por telefone com a Associação de Empregados do Comércio da Bahia, sem sucesso até o fechamento desta edição.

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Ouvindo as paredes Apaixonada por edificações de ferro montado, a arquiteta Karine Queiroz estudou a fundo a história do Solar e relembra com emoção a primeira vez que atravessou as portas do casarão. “Comecei a conversar com a casa prestando atenção aos significados dela. Fiquei encantada”, disse.

Ela não esconde a decepção que sentiu quando soube do leilão. “Eu chorei quando soube que o casarão seria leiloado. Eu só espero que quem o compre seja uma pessoa apaixonada por essa casa, que dê um destino e preserve a sua arquitetura por dentro e por fora”.“Completam dois anos que visitei o casarão pela primeira vez no dia 2 de agosto. Naquela época, a casa já precisa de reparos. Sabemos que nada que não tenha manutenção permanece de pé”, afirma.

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Cruzando o portão Eclético, o casarão reúne nos seus 52 cômodos elementos de diferentes países europeus numa miscelânea de cores, estilos e formas combinadas num projeto arquitetônico colonial. Mosaico, xadrez, colunas, gradeados, elementos que, apesar do maltrato, ainda despertam a atenção de quem passeia pela orla da Ribeira.

O CORREIO cruzou o portão de ferro e pôde sentir de perto a atmosfera do Solar. O pé-direito de quatro metros parece abrigar gigantes. Tudo é grandioso, seja em tamanho ou beleza. Em muitos momentos, é difícil descrever o que os olhos vêem pela casa.

O colorido da fachada é ainda mais presente no interior. As janelas, que mais parecem portas, e as portas, que mais parecem portais, são delicadamente pintadas em tons de verde, vermelho e rosa. Teto e paredes são igualmente forrados por painéis coloridos.

No alto da escada em caracol há o oratório, também carente de cuidados e já órfão de seu santo, e o salão, aberto apenas para ocasiões solenes.

A inauguração do Solar, em 8 de dezembro de 1904, foi marcada pela celebração dos casamentos das filhas mais velhas de Amado Bahia - Clara e Julieta. O salão especial também recebeu o então candidato à presidência, Marechal Hermes da Fonseca, e o vice Wenceslau Brás, levados por JJ Seabra para um jantar oferecido pelo comerciante.

Conta-se que, quando os veículos Izota e Bianchi, encomendados pelo anfitrião especialmente para levar as autoridades, apontou no Porto dos Tainheiros, uma multidão parou para assistir a chegada.

A terceira e última vez que o salão foi utilizado, no entanto, não foi para uma celebração festiva. Os enormes espelhos da sala refletiram a tristeza no velório da companheira do comerciante, Clara, com quem viveu por 35 anos.

No quintal da casa, um depósito denuncia o abandono mais recente. Uma pilha de peças de computadores, restos de construção, móveis de escritório e fotos de antigos dirigentes da Associação de Empregados do Comércio da Bahia se acumulam em meio à poeira e teias de aranha.

Há mais de 35 anos, o artesão Wilton Carlos Costa, 52, é vizinho do casarão. Triste com o abandono, ele deseja que o espaço seja transformado em um local que sirva à população, ao turismo e à cultura.