STJ condena homem a indenizar ex-companheira por transmissão do HIV

Tribunal ordenou pagamento de R$ 120 mil à vítima

Publicado em 20 de março de 2019 às 17:00

- Atualizado há um ano

Para a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), é possível reconhecer a responsabilidade civil de pessoa que transmite o vírus HIV no âmbito de relação conjugal quando presentes os pressupostos da conduta - ação ou omissão - do agente: dolo ou culpa, dano e nexo de causalidade.

Baseado nesse entendimento, o colegiado, por unanimidade, confirmou acórdão do Tribunal de Justiça de Minas que condenou um homem a pagar R$ 120 mil de indenização por ter contaminado a ex-companheira com o vírus durante união estável.

As informações foram divulgadas pelo STJ - o número deste processo não é revelado por causa de segredo judicial.

A mulher ajuizou ação de indenização contra o ex-companheiro - com quem manteve união estável durante 15 anos e teve três filhos - por ter sido infectada pelo HIV nesse período. Ela pediu uma pensão mensal de R$ 1.200 e danos morais no valor de R$ 250 mil.

Tanto a sentença quanto o acórdão de segunda instância reconheceram a responsabilidade civil do ex-companheiro, seja por ter sido comprovado no processo que ele tinha ciência da sua condição, seja por ter assumido o risco com o seu comportamento

A indenização fixada em R$ 50 mil em primeiro grau foi aumentada para R$ 120 mil pelo Tribunal de Justiça de Minas, mas o acórdão negou o pagamento da pensão mensal.

Em recurso ao STJ, o réu alegou que o acórdão "foi omisso" e sustentou que "não foram preenchidos os elementos da responsabilidade civil".

A mulher, também em recurso ao STJ, pediu a reforma do acórdão para aumentar o valor da indenização e fixar a pensão mensal.

Sem precedentes

O relator, ministro Luís Felipe Salomão, salientou que não há precedente específico no STJ para o caso em julgamento.

O ministro observou que a responsabilidade civil nas relações de família vem sendo objeto de crescentes debates jurídicos, cabendo ao aplicador do direito a tarefa de reconhecer a ocorrência de eventual ilícito e o correspondente dever de indenizar.

Segundo ele, no campo da responsabilização civil por violação aos direitos da personalidade decorrente da Aids, as pretensões podem possuir as mais variadas causas, inclusive a transmissão do vírus no âmbito da relação conjugal.

"Por óbvio que o transmissor sabedor de sua condição anterior e que procede conduta de forma voluntária e dirigida ao resultado - contágio - responderá civil e criminalmente pelo dolo direto de seu desígnio", ressaltou Salomão.

O ministro anotou que quando o portador não tem consciência de sua condição, não apresenta sintomas da síndrome e não se expôs, de alguma forma, ao risco de contaminação, muito dificilmente poderá ser responsabilizado.

"É o notório caso do jogador de basquete conhecido como Magic Johnson, que, ao ser processado por uma de suas parceiras sexuais, baseou sua defesa justamente no fato de que, no momento da relação sexual supostamente causadora do contágio, não sabia que era portador do vírus HIV", destacou o ministro, lembrando que naquele caso o pedido de indenização foi negado.

"Também penso que não há falar em responsabilização ou deverá ser ela mitigada quando a vítima houver concorrido de alguma forma para sua contaminação, seja assumindo o risco, seja não se precavendo adequadamente", observou.

Negligência e imprudência O ministro ressaltou que quando o cônjuge, ciente de sua possível contaminação, não faz o exame de HIV, não informa o parceiro sobre a probabilidade de estar infectado e não utiliza métodos de prevenção, "ficam evidentes a negligência e a imprudência".

"O parceiro que suspeita de sua condição soropositiva, por ter adotado comportamento sabidamente temerário (vida promíscua, utilização de drogas injetáveis, entre outras), deve assumir os riscos de sua conduta", disse Luís Felipe Salomão.

Para ele, no caso analisado, "ficou provado que o requerido foi o efetivo transmissor do vírus para a companheira, assumindo o risco com o seu comportamento".

"No presente caso, o requerido, ainda que não tivesse como desígnio a efetiva transmissão do vírus HIV, acabou assumindo o risco de fazê-lo, seja porque já era sabedor de sua soropositividade no momento das relações sexuais com a sua companheira, sem informá-la de sua condição e sem adotar as devidas precauções, seja porque adotava comportamento extraconjugal de risco (vida promíscua), devendo ser responsabilizado por sua conduta", afirmou.

Ao confirmar a decisão do Tribunal de Justiça de Minas, o ministro disse estar evidente a violação ao direito da personalidade da autora, "com lesão de sua honra, intimidade e, sobretudo, de sua integridade moral e física, a ensejar reparação pelos danos morais sofridos".

Salomão afirmou que o tribunal de segunda instância aplicou nesse caso, de forma correta, o método bifásico para arbitramento da indenização de danos morais.

Quanto à pretensão da mulher de rever o entendimento da Corte de Minas sobre a pensão, os ministros negaram provimento ao seu recurso especial porque "a análise desse pedido exigiria o reexame de provas sobre a capacidade de trabalho da recorrente, o que não é possível por causa da Súmula 7 do STJ".