Superdentistas: conheça as profissionais que se vestem de heroínas para atender crianças

O caráter lúdico da odontopediatria tem como objetivo que o paciente perca o medo

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  • Thais Borges

Publicado em 29 de abril de 2018 às 06:18

- Atualizado há um ano

. Crédito: A odontopediatra Emanuela Amorim atende vestida de personagens de desenho. Aqui, ela

De um lado, o vilão: o medo. Do outro, a heroína dos quadrinhos e das telonas: a Batgirl. Essa é uma daquelas disputas que todo mundo já sabe o final – o bem vence o mal. Mas quem sente isso na pele é a odontopediatra Emanuela Amorim, 34 anos, que diariamente encarna a Batgirl e outras mulheres icônicas dos desenhos. 

Para os seus pacientes, ela é mais do que uma dentista: pode ser a heroína, mas pode ser a Branca de Neve e a princesa Aurora, de A Bela Adormecida. Emanuela faz parte de uma nova geração de profissionais da odontopediatria que faz de tudo para deixar a consulta cada vez mais lúdica – e, assim, quem sabe, conquistar o pequeno paciente. “Muitas crianças têm esse medo, inclusive pelo processo que os pais passaram. Às vezes, na primeira consulta, a criança já chega medrosa porque culturalmente dentista tem essa visão de que vai sofrer, sentir dor. Então, você tem a chance de fazer uma história diferente para que aquela pessoa tenha a primeira experiência positiva de forma leve, sem esse peso que a odontologia tem para alguns”, explica Emanuela. Formada pela Universidade Federal da Bahia (Ufba) desde 2006, ela trabalha há 10 anos com crianças. No entanto, diante de um mercado saturado, ela sentiu que precisava fazer diferente. Com ajuda de uma coach, ela foi identificando ferramentas que poderiam justamente garantir esse atendimento diferenciado.  No consultório de Emanuela, muitos pacientes também vão vestidos de heróis (Foto: Marina Silva/CORREIO) Emanuela já usava jalecos coloridos e fazia brincadeiras, mas, há um ano e meio, decidiu que aquele seria seu atendimento principal. Para ela, aquela primeira impressão é que vai definir se o dentista ganhou ou perdeu a confiança da criança – e, nisso, os personagens ajudam. Tem paciente, como o pequeno Adriano Paz, 5, que até veste a própria fantasia. 

Aos 3 anos, Adriano teve uma queda e fraturou dois dentes. Começou a ser acompanhado por outra dentista, mas sua mãe, a fisioterapeuta Fabíola Campos, 38, não estava gostando do resultado – por isso, decidiu pedir indicação a um paciente seu, que é dentista. Assim, chegou a Emanuela. 

Quando ela abriu a porta vestida de Batgirl, a reação de Adriano entregou que a relação construída ali seria diferente. “Ele fez: ‘uau’. Coincidentemente, o aniversário dele era recente e ele tinha sido o Batman. Isso já foi conquistando Adriano. Ela tem toda aquela psicologia de entrar no mundo da criança mesmo e usar os acessórios como as armas do Batman, apresentando tudo na linguagem dele”, diz Fabíola. 

Mesmo enquanto profissional de saúde, aquilo era totalmente novo para ela. Na consulta seguinte, o filho já quis usar a própria fantasia do Batman. “Ele não tinha medo, mas não gostava. Agora, o dentista passou a ser prazeroso para ele. Esse artifício do jaleco foi uma forma de mostrar que ela está próxima da criança”. 

Os personagens fazem tanto sucesso que a doutora Emanuela recebe até pedidos para atender adultos. “Eles ficam vendo aquilo tudo e pensando ‘ah, eu queria tanto’. Mas não atendo isoladamente, só se for um atendimento em família”. 

Conquistar o paciente A ideia dos jalecos, na verdade, começou por acaso e por uma necessidade pessoal. A dona da marca Dra. Angel, que produz os jalecos, é a própria doutora Angel – ou melhor, a odontopediatra Angélica Kaanitz, 39, que atende em Canoas (RS). Em seu consultório, ela atende crianças, adultos e pacientes com necessidades especiais. 

Mas, há dois anos, ela sentiu que não conseguia passar por uma barreira. Era no atendimento ao pequeno Miguel, um paciente autista. “Ele não abria a boca de jeito nenhum e me senti desafiada. A partir desse momento, vi que tinha uma necessidade real de conseguir com que ele fizesse o tratamento”, conta Angel.

Ela percebeu que o menino, em cada consulta, ia com uma camiseta do Superman. Sem enxergar alternativa até então, conversou com a própria mãe, que sugeriu que ela usasse a criatividade para cativar o paciente. Já que ele gostava do Superman, que tal se ela fizesse um jaleco azul e colocasse o símbolo do Superman? Talvez, assim, ele abrisse a boquinha, dizia a mãe. “A gente fez e deu certo. Miguel me olhou e abriu a boca. Ele é não-verbal, mas pegou minha mão e sentou na cadeira, coisa que nunca fez. Eu comecei a chorar. Choro até hoje lembrando. É uma coisa que, às vezes, as pessoas podem pensar que é para tentar aparecer, mas quem me conhece sabe que não é”. Miguel está com nove anos e ainda é paciente da Dra. Angel. A experiência com ele foi a deixa para que ela pedisse a sua costureira para que viessem outros modelos, como o da Branca de Neve, um dos maiores sucessos. Daí veio a ideia de compartilhar nas redes sociais e oferecer a opção para outros profissionais. Hoje, a marca vende entre 50 e 100 jalecos por mês – cada um custa, em média R$ 200. No entanto, só em congressos da área, cerca de 500 chegam a ser vendidos. 

Além de enviar para todo o Brasil, há clientes em países como Colômbia, Bolívia, México, Austrália, Canadá e Alemanha. A maioria deles – cerca de 60% - é mesmo dentista, seguida de fisioterapeutas, médicos, fonoaudiólogos, nutricionistas, psicólogos e até técnicos de laboratório. A produção, que começou com três costureiras, é terceirizada – são duas confecções com 18 profissionais. 

Os relatos de que as crianças têm respondido melhor aos tratamentos são diversos. Entre os fisioterapeutas, há uma fala comum: a criança que nunca quis andar na sessão, por exemplo, passou a caminhar para ir ao encontro do Thor, do Batman, da Princesa Aurora, da Princesa Sofia.  A odontopediatra Angélica criou a marca Dra Angel depois de criar os jalecos para uso próprio (Foto: Reprodução/Instagram) “Eu busco uma odontologia sem medo, sem trauma. É fato que eu utilizo algo que já existe, que é a magia que existe nas fadas, nos personagens, nos heróis e nas princesas, mas não estou aqui para aparecer. Estou aqui para que as crianças sintam que aquilo é uma extensão do que elas já brincam em casa”, explica a odontopediatra. 

Entre os mais vendidos, estão os jalecos da Branca de Neve e do Superman, além da touca da Minnie Mouse, que tem orelhas acopladas. Nos últimos tempos, o unicórnio, moda das redes sociais e um dos destaques do Carnaval, também virou tendência entre os clientes. 

Embora seja odontopediatra, ela atende também adultos – e nem para isso muda a indumentária. Entre os grandinhos, são comuns os pedidos de foto e os comentários de que ‘agora, sim, não vão ter medo de ir ao dentista. “A gente está tentando construir uma odontologia diferente no futuro, não só sem traumas, mas uma odontologia feliz”, diz a Dra. Angel. Mas ela alerta: não basta usar o jaleco se o resto do ambiente e a própria atitude não condiz com isso. 

Abandonar o branco A odontopediatra Anna Carolina Reis, 31, está no time dos profissionais que aboliram, de vez, o jaleco branco. Ela prefere os de estampas coloridas e com personagens da Disney e, há dois meses, passou a ser também a Branca de Neve nos atendimentos em Juazeiro, no Vale do São Francisco, e em Petrolina (PE).  A odontopediatra Anna Carolina também encarna as princesas da Disney (Foto: Acervo pessoal) Mas, além disso, ela investe em um ambiente especial. Na sala de espera, tem brinquedos e, dentro do consultório, o paciente pode escolher uma máscara para usar durante o atendimento. Assim, enquanto fazem o tratamento, se transformam em personagens como o Hulk, a princesa Elsa, o Homem de Ferro e o Capitão América. “Tenho pacientes que vieram há um ano e, quando voltaram, já tiveram outra postura no consultório, porque entenderam que ali não vai ser nada de mais. Tem pacientes que eu recebo mensagens das mães falando que querem voltar no dia seguinte”, revela. Formada há sete anos, Anna Carolina começou a trabalhar com odontopediatria há três anos e meio, atendendo no SUS. Ela explica que o próprio campo – assim como o mercado – se preparou para isso. No consultório, ela tem um cachorrinho – o ‘Tchutchucão’ – com a boca cheia de dentes, em tamanho grande, para ensinar a criança a fazer a escovação.  No consultório, as crianças aprendem a escover com um cachorro de brinquedo (Foto: Acervo pessoal) “A gente faz o possível para tirar aquela coisa do branco. Até as paredes são coloridas e eles podem assistir o que quiserem. Sempre pergunto qual é o desenho que querem ver na Netflix, no YouTube. Tem criança que entra chorando e sai sorrindo. Esse é o diferencial do odontopediatra: encantar a criança”.  No final da consulta, o paciente ainda ganha o que ela chama de ‘reforço positivo’ – em uma caixinha, a criança escolhe um pequeno brinde por ter ‘vencido’ o medo da consulta: pode ser de massinha de modelar a bolinhas coloridas. 

Na clínica Clivany Odonto, a ortodontista e sócio proprietária Clivany Braga, 44, criou o ‘Cly Kids’ – um dia em que o atendimento é só para as crianças. Nesse dia, a clínica, que atende outras especialidades, é transformada. As cadeiras ganham forros dos personagens e as profissionais atendem com os jalecos de heroínas e princesas.  Na Clínica Clivany, as dentistas Clivany (Supergirl) e Luiza Vitória (Branca de Neve), a recepcionista Carol Miguel e a técnica em saúde bucal Bianca Santos se transformam em personagens (Foto: Acervo pessoal) A segunda edição será no sábado (5). No roteiro, há uma apresentação de fantoches – logo na recepção, as crianças conhecem Pedrinho, um personagem que não escova os dentes, tem mau hálito e gengiva inflamada. Ele conversa com a princesa Anna, do filme Frozen, e logo aparece a Elsa. As duas têm a função de explicar, para as crianças, sobre os benefícios da higiene dental e, em seguida, eles são convidados para o consultório. 

Lá, encontram um dos Minions, o Superman, a Mulher Maravilha e a Branca de Neve, que serão seus dentistas.“Enquanto eles aguardam, a gente dá uma pipoca para que eles entrem com a boquinha suja. Vamos mostrando que a casquinha fica presa, conseguem enxergar onde está a sujeirinha e ganham uma escova”, diz a doutora Clivany.  Em seguida, é o momento de aprender a fazer a escovação e passam por uma sessão de prevenção – como aplicação de flúor. “A prevenção é divertida para que eles queiram estar presentes nesse universo. É uma forma de mostrar para eles que a odontologia não é para ser dolorosa; é para ser divertido, até porque o sorriso é de alegria”, explica.  Na clínica, a doutora Clivany criou o dia das crianças (Foto: Acervo pessoal) Ludicidade De acordo com a professora do curso de Odontologia da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública e gestora do Centro Odontológico da Bahiana Saúde, Maria Cecília Azoubel, o caráter lúdico da odontopediatria sempre fez parte do campo. A diferença é que, alguns anos atrás, não existia tanto interesse para esse tipo de atividade. “Era aquela história de que ‘dentista doía mesmo, mas tinha que ir de qualquer jeito’. Nada era dada tanta importância a essa etapa comportamental”. Resultado? Há estudos que indicam que a cada dez pacientes, quatro têm fobia de dentista. Segundo ela, todo o tratamento é baseado no bom condicionamento da criança – e isso inclui desde os jalecos com temas atrativos até a arrumação do box de atendimento. Tudo é feito para quebrar o estigma de que o dentista é algo desconfortável. No centro da Bahiana, que atende outras dez especialidades, até a sala de espera das crianças é uma brinquedoteca. “Isso porque gente sabe que, se a criança não tiver um bom condicionamento nessa idade, vai levar o trauma do dentista para a vida toda”. 

A professora do curso de Odonto da Unime Lauro de Freitas Adrielle Mangabeira, doutora em Odontopediatria, explica que é preciso vencer as barreiras de ansiedade da criança durante o atendimento, respeitando as características individuais. 

"A criança, por ser demasiadamente sensitiva, está sujeita à influência do ambiente. Elas frequentemente associam o uso de vestes brancas a sensações dolorosas. A inserção de jalecos coloridos e de personagens como heróis e princesas no ambiente odontológico possibilita um condicionamento psicológico que prepara a criança para o atendimento, amenizando, desta forma, o medo que as crianças têm dos profissionais que os assistem".

Segundo ela, a inserção de personagens estreita o contato entre a criança e o profissional durante o atendimento odontológico. "Dessa forma, remete para dentro do consultório a humanização, a educação, o acolhimento e a preocupação com a qualidade de vida, sempre aliados a uma prática clínica baseada em evidência científica, sem contar que existem pesquisas que demonstram a eficácia quanto a associação do lúdico durante o atendimento, uma vez que proporciona à criança a oportunidade de escolhas e o acesso a uma linguagem que é de seu domínio em como fornecer instrumentos para que esta se coloque como agente ativo durante o seu atendimento". 

Conheça alguns cuidados com a rotina de higiene bucal das crianças

1. O ideal é que a primeira visita ao dentista aconteça logo após o nascimento do primeiro dente 

2.    Não oferecer doce até dois anos de idade para evitar cárie precoce na infância 

3.    Higienizar os dentes passando pasta com flúor

4.    Evitar chupeta e mamadeira 

5.    Visitar o dentista regularmente de seis em seis meses

6. Os pais devem criar uma rotina, com o intuito de que esses cuidados com a higiene oral permaneçam durante toda sua vida.

7. A escovação dental é fundamental para prevenção de cárie e doença periodontal. A escova compatível com a idade da criança e a técnica de escovação potencializa a sua ação.

8. O uso do fio dental também deve ser ressaltado devido sua eficácia na higienização entre um dente e outro.  Recomenda-se também, para os pais, uma alimentação saudável, reduzindo o possível a ingestão de alimentos ricos em sacarose, que é configurado como um dos fatores determinantes do processo do estabelecimento da cárie.

Quem deu as informações: as odontopediatras Emanuela Amorim e Adrielle Mangabeira.