Tem mãe que não ama, sim.

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  • Flavia Azevedo

Publicado em 7 de outubro de 2017 às 11:26

- Atualizado há um ano

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A mulher disse: "eu não amo meu terceiro filho". Uma bomba nas redes sociais. Ela fala daquele que não foi planejado. Gravidez descoberta com 16 semanas quando, no país dela, não é mais permitido abortar. Pariu. Cria, mas não ama. Ama os outros dois, mas, nesse, não vê graça nenhuma. Nunca vai amar. E o povo a dizer: "mas, por que não entregou pra adoção"?

Pois bem. A outra, decidiu entregar. Resolveu durante a gravidez. Avisou, tomou providências, seguiu a cartilha. No Brasil, tudo absolutamente legal. Agora relata o descumprimento das regras pelas pessoas que deviam ajudar no processo. Denuncia as agressões que sofreu, o julgamento a que foi submetida, pela equipe médica. Ódio, receberam as duas. E eu não consigo entender. O que querem de nós, afinal? 

(Só por curiosidade, você se perguntou pelos pais?)

Eu só fiz sexo, completamente relaxada, em um momento da vida: quando eu quis engravidar. No mais, sempre uma certa tensão. Mesmo com vinho. Mesmo com DIU e camisinha. Nada é 100% seguro, sinto informar. Aguardo, ansiosamente a menopausa. Sim, pra poder namorar sem pensar, caso fure a camisinha, além de contaminações, em problemas adicionais: aborto ilegal ou maternidade indesejada. 

Ficaria com o primeiro, é um fato. Eu preferia ser processada, se fosse o caso. Quanto mais eu amo meu filho, mais entendo o avesso desse amor necessário a cada minuto do exercício da maternidade. E a inexistência dele, em algumas casas. Há mulheres que amam, profundamente, filhos não planejados. O desejo talvez estivesse, em algum lugar. Mas há as que não conseguem e eu não sei se saberia me dedicar a um filho que não escolhi. Sinceramente, não sei se seria capaz de amar. 

Amor é liberdade, caga e anda pra convenções. O materno também, por que não? Assustadora, desconcertante revelação que essas mulheres nos fazem agora que podem falar. "Instinto materno não existe em humanos", disse meu professor de filosofia, me colocando pra pensar, por dias, naquela universidade. E a minha tendência é concordar. Uma conversa comprida. Inesgotável, talvez. Mas, se existe, por que muitas mulheres não têm? Porque é de amor que falamos. Este, uma construção social.

(Por instinto, eu pensaria em mim. Por amor, eu não consigo decolar, num avião, sem discordar: em caso de acidente, a primeira máscara de oxigênio é do meu filho e danem-se as instruções. Porque para um mundo sem ele, eu não quero sobreviver. O certo é ele seguir. Mesmo que seja - e um dia será - sem mim)

Maternidade é escolha. É assim que deve ser. Escrevam isso em espelhos, em post its, em outdoors. Incorporem. E por mais que ainda seja cobrada, exigida e usada como instrumento de disciplina social, há um detalhe perturbador da maternidade. Esse que nos deixa inseguros. Esse, que desmonta nossas crenças, esse que gera ódio e revolta: tem mãe que não ama, sim. E não podemos fazer nada.

A verdade é que você pode proibir uma mulher de abortar, você pode julgar a mãe que entrega filhos sem qualquer motivo "aceitável". Você pode gritar, chamar de demônio, você pode fazer manifestações, você pode estrebuchar. Ok, você pode. Mas há um poder que ninguém tem: você não obriga uma mãe a amar. 

Pessoal, intransferível, essa construção. E a relação mais forte do mundo, pode não acontecer. Essa, que nos sustenta. O nosso maior expoente de amor pode, simplesmente, não rolar. Ficamos chocados, toda vez. "Como assim, não ama os filhos?".  E ela, essa mãe que não aconteceu, vira ser amaldiçoado, antagonista universal. Ninguém é mais odiado do que a mãe que não é porque não quer, porque não gosta de ser, enfim.

Uma questão indigesta, essa aí. E insolúvel, parece ser. O que fazer com filhos desamados, com a orfandade de mãe viva? Em que lugar colocar essas mulheres que mais nos parecem monstros a desmontar nossa certeza mais certa? Se cai o amor de mãe, se não há o "instinto materno", sobra o quê?

Pensar, talvez? Abrir horizontes, aceitar que reproduzir não é missão de todas nós. E nem de todos, perceba. E que toda mulher tem o direito de escolher entre ser mãe ou não. Que ter filhos precisa de prévia reflexão. Para homens e mulheres. Que nem todos e todas querem. Que, talvez, o modelo de "família feliz" não seja aplicável a todo mundo, do jeito que foi inventado. Porque amor não se cobra. Esse, especialmente. Como exigir um amor incondicional?

O amor materno, coisa forte como poucas são, nasce do desejo feminino. Esse que, só se a mulher é livre, pode estar no lugar certo: no íntimo e sem censuras. Para ser visitado, examinado e reconhecido. Para que, se for o caso, possa se transformar em filhos. É preciso espaço pra racionalizar ou corre-se o risco de muita dor. Para todos os envolvidos. Inclusive para mulheres que viraram, apenas por biologia e convenção, mães que não desejaram ser. Portanto, também sofrem e agora nos dizem: é claro que nunca serão.

(Maternidade não é etapa necessária)

(Não somos obrigadas)

(Eu sou mãe porque assim escolhi)

(Vale para adotar ou engravidar e parir)

*Flavia Azevedo é produtora e mãe de Leo

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