'Tento não projetar uma perfeição', diz Martinha Fonseca sobre redes sociais

À frente do @armariodemadame, influencer fala sobre vantagens e desvantagens na relação íntima com seguidores

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  • Da Redação

Publicado em 12 de agosto de 2019 às 06:19

- Atualizado há um ano

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Com mais de 81 mil seguidores no Instagram, a digital influencer baiana Martinha Fonseca, que comandou durante anos o blog Armário de Madame, fala sobre relação com as seguidoras e os pontos positivos e negativos da relação de intimidade e reciprocidade que se estabelece pelas redes sociais.

Como é sua relação com os seus mais de 81 mil seguidores no Instagram - e tantos outros no YouTube e no blog Armário de Madame? Eu tenho cuidado de produzir um conteúdo com o qual as pessoas vão se identificar, e as pessoas só vão se identificar com coisas que são verdadeiras. Então, tudo que eu faço parte disso. Embora seja meu trabalho, embora eu me preocupe em gerar uma aparência, eu sou verdadeira em tudo que eu faço. Então, se eu dou uma opinião, se eu indico algo, é tudo sincero. As pessoas sabem que o que eu falo é verdade, e por isso essa relação de amizade, porque elas confiam. Amizade é isso, olhar para pessoa e sentir que ela é verdadeira com você, por mais que muitas vezes você discorde. Não é que todo mundo vai adorar tudo que eu posto, mas eles vão saber que tudo é verdade. Eu tenho essa preocupação.

Pode contar alguma vez em que essa preocupação foi maior? Recentemente passei por uma separação e tive que dar uma uma satisfação pública sobre isso. Eu friso com uma certa frequência que o que eu posto é uma parte da minha vida. Foi a primeira grande vez que eu tive preocupação com a imagem que eu passo para as pessoas, porque elas estavam projetando em mim a imagem de uma mulher forte demais. Eu namorei 5 anos, morei junto 6 meses, compartilhei muita coisa no estilo vlog, nos stories, com hashtags, e eu me separei no fim do ano passado. As pessoas estavam com a impressão de que eu era uma mulher infalível, que passa pelo término de um relacionamento, enfrenta uma separação, se muda e reconstrói a vida num passe de mágica, como se fosse muito simples. E isso não foi verdade!Você se preocupa e/ou se incomoda com isso? O problema e o que me preocupa é que não tem como hoje falar de internet sem falar do impacto na vida emocional das pessoas. As pessoas estão se projetando  no Instagram, que não é 100% verdade, mas elas tomam como se fosse a vida inteira da pessoa. Se eu não choro no Instagram porque eu me separei, as pessoas deduzem que eu não choro em momento nenhum, que eu não fico mal em momento nenhum, e que eu sou muito maravilhosa. E eu me preocupo na pressão que isso faz na vida das pessoas. É o equilíbrio, né? Entre você não se consumir, porque você não tem controle sobre isso, mas também de você não se ausentar da responsabilidade de produzir um conteúdo que você sabe que vai impactar de uma forma ou outra, e tentar reduzir os danos de alguma forma.  (Foto: Reprodução/ Instagram) O que contribui para essa relação de intimidade tão forte entre influenciadores e seguidores? Eu me preocupo em ser verdadeira no conteúdo que eu passo. As pessoas se relacionarem e se identificarem com o que eu sou é base para o meu trabalho, porque se elas não se identificam, elas não me seguem, e nem se permitem ser influenciadas. Só que eu tenho sim a preocupação de estabelecer um limite. Não só pela saúde mental das pessoas que me seguem (na parte que me cabe, em ser um pouco mais responsável com isso), mas também na relação com a minha saúde mental, em não me expor em um nível que eu não consiga administrar de uma forma saudável. 

Você costuma responder e/ou se envolver emocionalmente com seus seguidores? Eu me envolvo, não tem como. Por diversas vezes, não só na questão da separação, em que muita gente interagiu, as pessoas comentam, dão retornos. Eu comecei a postar minha rotina pelas manhãs, porque acordo muito cedo pra fazer exercícios, e recebo mensagens de pessoas dizendo que meus stories são a primeira coisa que elas vêem pela manhã, que eu ajudei elas a acordar cedo e fazer exercícios também. Então, isso é envolvimento emocional, e eu gosto de me conectar com as pessoas, de saber que eu estou levando um conteúdo positivo de alguma forma para a vida delas, mesmo quando não é um conteúdo programado para ser de tanto impacto.  (Foto: Reprodução/ Instagram) Tento estabelecer um limite. Tudo que mostro é verdade, mas essa não é toda minha verdade, justamente para que eu consiga me preservar. As pessoas falam com você como se você tivesse obrigação de ouvir tudo, porque você trabalha com isso e está na internet. Um exercício que eu sempre tento propor é o seguinte: você falaria isso para alguém pessoalmente? Se ela fosse sua amiga, como você acha que eu sou, você falaria isso para ela? É meio estranho, né? Às vezes as pessoas podem ser muito cruéis, mesmo na intenção de serem bacanas.

Às vezes a pessoa está num dia ruim, e a outra vai e comenta alguma coisa que vai justamente na sua ferida. E não foi a intenção, mas o jeito é muito cruel e desnecessário. Não me preocupo com a identificação que as pessoas têm comigo, mas me preocupo em não alimentar tanto essa projeção de uma vida perfeita ou que elas sabem tudo ao meu respeito, porque às vezes as pessoas podem ser muito cruéis com isso. 

Como você reage quando uma seguidoralhe conta algo muito íntimo, e que você não necessariamente pode resolver? Eu estranho bastante quando alguém vem me contar algo muito íntimo, mas eu paro, reflito e vejo que isso é fruto da confiança que elas têm no meu trabalho, no conteúdo que eu produzo. Já aconteceu muito de meninas que acabam de brigar com o namorado, virem desabafar comigo, e não com as amigas próximas da vida real. Eu volto naquela ideia de não projetar, principalmente quando elas evocam a minha experiência ou o que elas acham que foi a minha experiência. Eu tento não projetar uma perfeição, e aconselhar o que eu acho que é o certo: procure ajuda de seus amigos, de sua família, da sua igreja, de um profissional. De longe, é tudo que eu posso fazer. Por mais que a internet dê essa proximidade, eu nã estou vivendo a vida da pessoa, não estou perto, e ela precisa de pessoas fisicamente perto, por mais que consiga de alguma forma aliviar a tensão momentaneamente - falo isso, pelos retornos que recebo. 

Mesmo você sendo uma influencer, você sofre com isso também - de se ver às vezes muito próxima de pessoas via redes sociais que nunca trocaram palavra com você? É muito frequente? Qual a sua sensação quando isso acontece?  Eu falo pras "madames" que elas me conhecem, mas eu não conheço elas. Eu estou numa fase muito legal de as pessoas falarem comigo na rua, me cumprimentarem, me elogiarem, pedirem pra tirar foto. E isso é muito legal porque elas vão ganhando um rosto para mim, porque muitas vezes você tem a sensação que está falando sozinha, ou que está falando para uma multidão de pessoas que não tem rosto, e isso é muito louco. Às vezes desgastante mesmo. Ao conhecer outras pessoas, outras realidades, pra mim também facilita enxergar essas pessoas como pessoas, e não como números e seguidores. Acho que isso torna a experiência muito mais legal, real e menos nociva. 

Quais as vantagens dessa relação? A parte mais benéfica é que a gente vai construindo um canal de verdade. As pessoas que estão me vendo ali não estão vendo só uma produtora de conteúdo, mas uma pessoa. Esse trabalho que faço é muito ligado à minha vida pessoal. Se eu tiver uma vida ruim, isso vai refletir no meu trabalho. Quer dizer que eu vou parar de postar, não? É o meu trabalho! E a gente sabe o quanto os algoritmos punem o produtor de conteúdo toda vez que ele produz menos; é toda uma fábrica pra você dar uma pirada e fazer você produzir mais. Mas elas vão entender se eu disser que estou numa fase complicada...Isso abre espaço para que eu seja mais humana, mostro os problemas do dia a dia, as conquistas, as alegrias, e elas conseguem torcer pra que as coisas dêem certo. Isso é muito legal! Ver gente comemorando a sua alegria. Acho que essa é uma das coisas mais legais que o ser humano pode fazer pelo outro, e graças a Deus, a minha comunidade tem muito essa vibe, de compartilhar coisas boas. Essa é a parte mais legal de todas, e a que faz tudo fazer sentido.  (Foto: Reprodução/ Instagram) E os malefícios? A parte ruim é que às vezes as pessoas desumanizam a criadora de conteúdo na internet, porque acham que só porque ela está ali, ela tem que receber todo tipo de crítica, e crítica de qualquer jeito. E não é verdade. A gente tá vendo aí tantos casos de doenças mentais. Eu mesma faço terapia, falo disso no meu Instagram o tempo inteiro. Eu tenho ansiedade, e isso de viver em função das métricas das redes sociais, é um contexto muito pesado. É o bicho que a internet está criando dentro das pessoas, e que as pessoas estão criando, porque são elas que usam internet. Então, o lado negativo  dessa relação íntima é às vezes estar suscetível à crueldade das pessoas. Às vezes elas não veem isso como crueldade, mas é. Elas mandam direct dizendo: "ah, nem esperava que você fosse responder". Poxa, eu respondo, comentários positivos e negativos. Às vezes não dá, mas eu me esforço. E as pessoas mandam crueldade como se a pessoa não fosse ler. Ou faz um comentário marcando uma amiga na foto minha e diz: olha que ridícula. Já aconteceu...Acontece muito pouco, mas "Oi? Eu estou vendo!"... Você não falaria isso com a pessoa, porque você acha que eu não sou gente, que eu não vou me magoar, que eu não estou no dia ruim?!

A lição que fica de tudo isso... Uma coisa é eu me importar com o que as pessoas pensam do meu conteúdo, porque eu vivo disso, dessa interação, mas não deixar que as opiniões sobre a pessoa Marta, defina meu olhar sobre mim mesma. São lados diferentes da mesma moeda. Tudo que a intimidade cria é a melhor parte, mas às vezes vem coisas muito nocivas e agressivas, que as pessoas do outro lado não imaginam que você talvez não consiga lidar muito bem.