Teste no Bahia, vida na favela e história hilária; conheça Bryan

Jogador do Vitória lembra infância na favela e ri ao lembrar de 'emoções' que viveu ao lado da esposa

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  • Fernanda Varela

Publicado em 10 de agosto de 2018 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Evandro Veiga/CORREIO

Da favela para os gramados. A história do lateral-esquerdo Bryan, do Vitória, tinha tudo para ser a como de muitos garotos, mas é bem diferente de tudo que você provavelmente já ouviu ou leu. Sério. O cara tem muita história.

Nascido em Belo Horizonte e criado no Aglomerado da Serra, uma das maiores favelas do país, Bryan aprendeu a driblar desde moleque. Não só a bola, mas as dificuldades da vida. “Tenho muito orgulho de onde vim. Hoje não tenho mais nenhum amigo que cresceu comigo. Alguns morreram, uns estão presos, outros sumiram. Nunca me envolvi com nada de errado, mas já vi de tudo nessa vida. Uma vez fui jogar fliperama em um bar e um cara foi assassinado do meu lado. Já vi gente sendo presa, já me ofereceram droga e não aceitei. Eu era protegido pelos traficantes, porque era diferente. Era aquele canhotinho, baixinho, que driblava todo mundo. Escolhi o caminho da bola”, conta o atleta, que hoje tem 26 anos.

Para realizar o sonho de ser jogador, Bryan passou por muitos perrengues, mas nunca deixou de se divertir. Ele acha graça quando lembra das aventuras de garoto.“Ia de galera para o shopping. O povo pedia aquela chapona de batata frita e comia duas. A gente ia lá e comia o resto. Eu não tinha um real para um sorvete, nada. Nessa época a gente jogava em time pequeno, era base ainda”, lembra ele, que tinha como diversão pular em vagões de trem. “Os guardinhas atiravam na gente, mas nunca pegou. Acho que era bala de borracha”.As risadas vinham, mas o caminho de Bryan também teve muito suor. Ele já chegou a andar 20 km diariamente para treinar, porque não tinha dinheiro para o ônibus. “Meu pai e minha mãe nunca foram casados, mas moravam na mesma casa. Em 2005 ele foi para os Estados Unidos, pelo deserto, igual à novela (América) e foi bem na mesma época. Depois um tio meu sofreu um acidente doméstico, caiu de uma altura e ficou paraplégico. Nos mudamos e fui morar com minha avó. Só que o bairro era muito longe, aí eu tentava pegar carona. Quando não dava, andava a pé. Eu chegava a andar 20 km até chegar no treino, já chegava cansado, mas a vontade de jogar era enorme”, conta ele, que na infância fez natação para conviver com um problema de asma.

Filho de manicure, ele viu sua primeira oportunidade em time grande surgir de forma inusitada. “A esposa do Mauro Fernandes era cliente da minha mãe, aí ela pediu um teste pra mim. Fomos fazer, mas eu não tinha atestado médico. Pegamos R$ 50 emprestado, fui no médico, peguei o atestado e consegui vaga no América-MG”, lembra. Foi no time mineiro que ele começou a carreira.

Por pouco o início não foi no seu atual maior rival, o Bahia. “Em 2010 fiz teste no Bahia, mas eu estava com dor na coluna, não fiquei nem uma semana. Peguei 25h de viagem. Chegou aqui, não treinei nenhum dia. A coluna travou, aí voltei pra casa. Só depois fiz teste no América e passei. Já pensou?”, brinca. Paula e Bryan se conheceram em 2014 (Fotos: Acervo pessoal) Bryan traficante? A história de Bryan com sua esposa, Paula, também não tem nada de comum. Teve atraso no primeiro encontro, medo do jogador ser traficante e até filho feito no meio do mato, em pleno Natal. 

Os dois se conheceram em 2014, por acaso, no Instagram. Ela, que era vendedora de roupas, não fazia a menor ideia que ele era jogador. Coisa, aliás, que ele fazia questão de esconder. “Nunca gostei de dizer que era jogador”, explica o lateral.

“Ele jogava na Ponte Preta e estava vindo para Belo Horizonte para passar uns dias. Marquei com ele 19h30 e ele só apareceu na minha casa 23h. Eu já tinha até dormido, xinguei ele de tudo que é nome”, lembra a esposa.

“Me atrasei mesmo. No meio do caminho eu me perdi e ela foi me buscar. Na época eu tinha um Kia Optima, que eu comprei porque vi na novela Avenida Brasil, porque Carminha tinha um igual. Aliás, melhor novela, nunca vai ter outra igual. Eu arranquei o nome que tinha atrás do carro para ninguém comprar igual (risos)”, confirma ele, que se chocou ao ver os trajes de Paula.

“Ele já chegou na minha casa entrando no meu quarto, perguntando se eu tava doida ou se ia para um casamento com aquelas roupas. Foi pegando um short e mandando eu colocar uma roupa normal. Bryan sentou na sala, tomou minha cerveja toda, pegou minha panela e começou a fazer um pagode. Dormiu lá, usou o banheiro de porta aberta. Eu não acreditei que estava com aquele ogro na minha casa”, brinca ela.

Mal sabia Paula que esse era apenas o começo dessa história muito doida. Quando ela foi para a favela pela primeira vez, tremeu na base. “Quando conheci a Paula levei ela para conhecer o lugar onde eu morava, aí apresentei ao cara que era o patrão da favela. Ele não tinha cara de mau. Era simples, de boa demais. Ele estava fazendo uma obra, ela achou que era um pedreiro. Apresentei minha esposa, ele chamou ela no canto e disse: ‘você está com o Bryan, ele é um filho pra mim. Então, se ligue. Qualquer coisa que você pisar na bola, não quero nem saber”, lembra ele. “Eu morri de medo, falei que não ia fazer nada”, confirma ela.

Depois dessa emoção, Paula sentiu medo. Sem saber direito o que Bryan fazia, já que ele seguia escondendo sua profissão, ela começou a desconfiar que estava envolvida com um traficante. 

“No fim de semana ele me levou para conhecer a favela, eu tinha certeza que ia morrer. Ele estava naquele carrão, disse que trabalhava viajando, tinha umas três casas e usava um cordão de ouro grosso no pescoço. Pronto, é traficante. Eu sabia que ia ser sequestrada e morrer. No caminho eu pensei em dizer que não queria ficar com ele, aí falei ‘pronto, ele vai me matar no morro e minha família não vai nem saber, porque sou da roça’. Até que eu virei para ele e disse: ‘você é traficante, né? Pode falar, eu sou mente aberta’. Ele negava, mas eu tinha certeza que era bandido. Eu já me imaginava no Linha Direta”, lembra a esposa, que hoje tem 33 anos.

Ela só descobriu que Bryan era jogador quando um amigo do casal pediu ajuda a ela. “Um amigo dele me chamou e falou pra eu ir para eu ir para Campinas com ele e perguntou se eu tinha algum dinheiro. Ele me contou que Bryan não tinha dinheiro nem para fazer mercado. No dia que eu o conhecia, sabia que ele era o amor da minha vida. Fazer o que se me apaixonei por aquele ogro? Aí ele me contou que Bryan era jogador”, lembra ela, que sentiu alívio ao saber que o amor da sua vida era atleta, e não bandido. 

Na época, Bryan tinha acabado de fechar com a Ponte Preta. “Eu estava sem receber dinheiro na Portuguesa há quatro meses, estava quebrado, sem dinheiro nem para colocar gasolina. Aí eu fechei com a Ponte. Quando eu ia voltar para Campinas, não tinha dinheiro do pedágio. Paula estava de férias do serviço e pediu para ir comigo, eu não quis, mas ela acabou indo. Me ajudou muito. Fez mercado, comprou comida lá pra casa. Acabou que a gente não se largou mais”, completa o jogador.

Cinco meses depois de engatarem um romance, Paula engravidou de trigêmeos, mas sofreu um aborto espontâneo. Com dificuldade para emplacar uma nova gestação, descobriu que o marido tinha varicocele, doença que pode comprometer a fertilidade. Os dois partiram para o processo de inseminação artificial e, em 2015, ela engravidou novamente. “Eram gêmeos, mas só a Alice sobreviveu. Logo depois interrompemos o tratamento, então era meio impossível de engravidar de novo. Eu estava em período de amamentação ainda, quando tive sintomas estranhos e liguei para meu médico. Ele disse que a chance de engravidar era zero, mas fiz o exame e eu estava esperando outro bebê, o Bryanzinho. Foi Deus, só isso explica”, diz emocionada.

O mais surpreendente dessa história nem é o milagre do nascimento do garoto, mas onde foi feito: no meio do mato, após a ceia de Natal. “A gente estava voltando da ceia de Natal e fez no meio do mato. A gente tinha bebido e tudo. Pura tecnologia”, gargalha Bryan. “Foi em pé, encostado numa árvore. Eu amo essa história. Teve a ceia, fomos para a roça dela, em Santo Hipólito (Minas Gerais), e acabou rolando”, completa.

Além de Alice, 2 anos, e Bryanzinho, de 10 meses, o casal cria três cachorros da raça Chow Chow: Bernardo, Dante e Jully, que não desgrudam da família. 

Uma história que está longe de ser um conto de fadas, mas que eles não trocam por nada.