Testemunha diz que ativista foi assassinado por PMs na Bahia

Pedro Henrique foi morto no dia 27 de dezembro

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  • Mario Bitencourt

Publicado em 26 de janeiro de 2019 às 09:32

- Atualizado há um ano

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Clique na imagem para ampliar e ler o inquérito policial na íntegra por Fotos: Mário Bittencourt/CORREIO

Três policiais militares estão sob suspeita de terem assassinado o ativista social Pedro Henrique Santos Cruz Souza, 31 anos, com oito tiros, na madrugada do dia 27 de dezembro de 2018, em Tucano, cidade de 50 mil habitantes, no nordeste do estado.

Uma testemunha do crime disse, em depoimento à Corregedoria Geral da Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA), no dia 4 de janeiro de 2019, que foram policiais que mataram o ativista.

O crime é investigado pela Polícia Civil e pelo Ministério Público da Bahia (MP-BA), que preferem não dar informações sobre o caso, para não prejudicar as apurações. Ninguém foi preso até o momento.

A testemunha disse que reconheceu os autores do crime pelas características físicas e tom de voz e, no depoimento, chegou a citar o nome de dois PMs.

Ainda segundo a testemunha, dois dos supostos policiais realizavam constantes abordagens violentas a Pedro Henrique e dois dias antes do crime intimidaram o ativista em um mercado local.

O terceiro policial, segundo ela, apesar de não participar das abordagens a Pedro Henrique, estava sempre em companhia dos outros PMs. Ela não citou o nome deste terceiro policial, mas disse que o reconheceria pelos traços físicos e fisionomia.

Pedro Henrique foi morto na casa dele, no bairro Nova Esperança, conhecido também como Matadouro. Os assassinos chegaram até a vítima após invadir a residência do pai dele, um senhor de 68 anos que foi obrigado a dizer onde o filho morava.

Também em depoimento à Corregedoria da SSP, o homem disse que foi acordado por dois homens encapuzados que arrombaram a porta e colocaram a lanterna em seu rosto. Em seguida, vieram ameaças para que ele dissesse onde era a casa de Pedro Henrique.

“Oh, rasta, você tá preso”, teria dito um dos assassinos de Pedro Henrique, logo depois de invadir a residência do ativista, que foi colocado deitado no colchão da cama e executado com tiros na cabeça. Os assassinos fugiram num veículo Siena prata. Pedro Henrique (de casaco militar, à esquerda) foi morto no dia 27 de dezembro (Foto: Reprodução) Abusos Pedro Henrique denunciava abusos de autoridade policial desde 2012, quando foi vítima de agressões por parte de um tenente e de um soldado da PM. Em Tucano, ele realizava anualmente a “Caminhada da Paz”, mal vista por policiais.

Pela sua atuação, o ativista, que usava maconha e defendia a legalização da droga, era sempre abordado por PMs de Tucano, muitas vezes de forma abusiva, conforme denúncias dele ao MP-BA.

Segundo a Polícia Civil, parte das denúncias envolve o tenente Alex Andrade de Souza, há um ano corregedor regional da PM na cidade vizinha de Euclides da Cunha e um dos agressores de Pedro Henrique em 2012, junto com o soldado Edivando Oliveira Cerqueira.

Depois de investigar o caso, o delegado Laurindo Teixeira Lima Neto concluiu que os policiais cometeram abuso de autoridade e lesão corporal dolosa durante abordagem a Pedro Henrique, que teve lesões no joelho esquerdo e tórax.

Por meio do promotor público João Paulo Santos Schoucair, o MP-BA opinou que os policiais cometeram apenas o crime de lesão corporal, mas não disse de que tipo, se leve ou grave, apesar dos laudos periciais e testemunhas do fato.

Em 20 de agosto de 2013, o juiz Tadeu Ribeiro de Viana Bandeira, em audiência sobre o indiciamento da polícia, determinou ao tenente Alex e ao soldado Edivando o pagamento de multa como “aplicação imediata da pena restritiva de direito”.

Ficou determinado o valor de R$ 500 para o soldado e R$ 1.200 para o tenente, mas apenas o soldado realizou o pagamento. O tenente Alex não pagou a multa, porque, segundo disse, não ia ficar provado nada contra ele.

Depois disso, segundo informações do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), o MP-BA requereu que fosse decretada a extinção da punibilidade em 1º de junho de 2016, nos termos do artigo 107, IV, do Código Penal.

O MP-BA, ainda segundo o TJ-BA, argumentou que a Lei de Abuso de Autoridade não estabelece normas acerca da prescrição para a pena funcional. Desta maneira, acabou sendo aplicado o mesmo prazo de dois anos utilizado para a pena de detenção e/ou multa, e ocorreu a prescrição e a extinção da punibilidade.

Sem pressa Questionado sobre o motivo de não ter exigido o pagamento da multa, o MP-BA não respondeu. Em Tucano, outro promotor já está no caso de Pedro Henrique, investigando tanto as denúncias anteriores quanto o assassinato.

O promotor Jairo Antonio Silva de Lima não quis conceder entrevista, de acordo com a assessoria de comunicação do MP-BA. Via assessoria, ele informou que ia marcar ainda oitivas (depoimentos) relativas às denúncias que Pedro Henrique fez.

São, ao todo, cinco denúncias. Numa delas, em 24 de abril de 2017, Pedro Henrique relatou ao MP-BA que o tenente Alex, por volta das 16h30, junto com outros três soldados, abordaram-no em frente a sua residência sem motivo.

Alex, segundo o ativista, discutiu com ele sobre a publicação no Facebook, na qual Pedro Henrique fala sobre a agressão sofrida em 2012, e disse que um dos soldados o puxou pelo cabelo, e que ele não resistiu à abordagem. Falou também que foi abordado outras duas vezes na mesma tarde no bairro Nova Esperança.

Em outra denúncia, feita em 14 de maio de 2018, Pedro Henrique disse que no dia da caminhada da paz, em 6 de maio de 2018, uma viatura da PM passou por cima das faixas. Ele reconheceu um dos policiais na viatura – este mesmo policial está sendo apontado como um dos que o mataram.

No dia 11 de maio de 2018, ele relatou que foi abordado pelo mesmo soldado em frente ao Fórum local, por volta das 20h, e recebeu um chute no tornozelo e teve o braço direito torcido.

Depois, ele procurou atendimento no Hospital Municipal Mariana Penedo e pediu que o MP-BA solicitasse as imagens da Câmara de Segurança do Fórum para provar as agressões.

Às 21h, no mesmo dia, disse ter sido abordado por outra viatura da PM, próximo à casa da namorada, e que foi obrigado a desbloquear o celular para os policiais terem acesso aos dados pessoais. Afirmou que foi fotografado e suas imagens enviadas a grupo de Whatsapp da PM.

Invasão de casa Pedro Henrique já teve a casa invadida por policiais militares. O fato ocorreu na noite de 26 de outubro de 2018, dois dias antes das eleições, quando prisões só podem ocorrer em flagrante.

A PM alega que recebeu denúncias de que Pedro Henrique cultivava pés de maconha em sua casa. Foram lá, o obrigaram a abrir a residência e invadiram. Acharam cinco pés da erva e o levaram preso.

Pelos pés de maconha, Pedro Henrique foi enquadrado como traficante de drogas, mas o juiz de plantão Josué Teles Bastos Júnior avaliou que ele era usuário e o mandou soltar, o que ocorreu 48 horas depois.

“Aceitar o caso como flagrante é o mesmo que legitimar operações policiais sem um mínimo de controle judicial, operações essas que, na maioria dos casos, resulta em violação das garantias constitucionais da população mais pobre”, escreveu o juiz.

“Forte em tais razões, conclui-se que não foi observada a garantia constitucional da inviolabilidade de domicílio, tornando, por consequência, ilícito o flagrante”, continuou.

Tenente envolvido em agressões ativista defende legalização da maconha A depender do que defende como pessoa o tenente Alex Andrade Souza, o ativista Pedro Henrique não teria sido preso por cultivar os pés de maconha. É que o policial é defensor da regulamentação e legalização da erva – este foi o tema de sua monografia de final de curso no bacharelado em Direito.

Para o tenente, as autoridades deveriam reconhecer que o combate ao tráfico de drogas falhou. “A lei não está funcionando, algo tem que mudar. Maconha é droga não muito prejudicial, defendo que seja regulamentada e legalizada”, disse.

“Defendo que quem deseja consumir compre numa farmácia ou plante um pé de maconha em sua casa. Mas que continue crime o porte e o uso em vias públicas. Isso deve ser feito no privado. Meu entendimento é esse”, declarou no trabalho acadêmico.

O tenente Alex, no entanto, diz que não sai falando aos quatro ventos sobre a monografia por receio de influenciar crianças e adolescentes, para quem ele disse que vem fazendo um trabalho oposto.

“Em Tucano, eu fazia palestras em escolas para crianças e adolescentes sobre prevenção contra o uso de drogas. Sempre busquei conscientizar pelo poder de convencimento da palavra, e isso incomodava pessoas da cidade. Fui alvo de acusações infundadas e ameaças de morte”, disse.

Sobre as agressões a Pedro Henrique, apesar de no inquérito policial haver testemunhas e provas, ele afirma que não cometeu ilegalidade.

“Foi oferecida a multa para encerrar o processo. Eu não paguei a multa. Pensei em dar andamento ao processo, porque não vai ficar provado nada. Não recorri do caso. Não havendo o pagamento da multa, caberia ao MP ingressar com denúncia. Mas não houve isso”, declarou.

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Para o tenente Alex, o CORREIO “está sendo muito benevolente ao colocar Pedro Henrique como ativista social, um cara que era usuário de drogas. Se essa moda pegar, não vai ter mais nem usuário, nem traficante. Vai ser tudo ativista agora”.

“Não fui notificado de nada sobre os casos de 2017 [as denúncias que Pedro Henrique fez]. Ele está querendo denegrir a minha imagem. Falar mal da polícia agrada facção. Em Tucano atuam as facções BDM [Bonde do Maluco] e Katiara, essa é a realidade de Tucano, depois da invasão da droga”, afirmou o tenente.

Para o policial, em Tucano, “usuário de droga morre porque fica devendo ou porque compra na mão de traficante A ou B”.

“Pedro Henrique não é a primeira vítima e nem será a última dessas facções, desse envolvimento com o uso de droga. Ou não. Também não sei afirmar nem negar qual a relação dele com essas facções”.

Procurada, a PM da Bahia não comentou sobre o caso.