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Tirem as crianças do campo


 

  • Da Redação

Publicado em 18/11/2017 às 05:33:00
Atualizado em 17/04/2023 às 18:52:04
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“Vocês já viram crianças jogando futebol? Lá está um bando de crianças tentando fazer gols e tentando se defender. Mas sempre tem algumas que não fazem realmente parte daquilo, que estavam fora, e só foram chamadas para completar o jogo. Quero que vocês lembrem disso”.

Foi exatamente com a parábola acima, mundana e boleira, que o advogado Charles Stillman, contratado por José Maria Marin, começou a defender seu cliente no julgamento dos casos de corrupção da Fifa.

Em seguida, o defensor do ex-presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) aplicou seu drible da vaca e empurrou a bola da sujeira para o outro jogador: “Embora Marin tivesse o papel de presidente, ele não estava no Comitê Executivo da Fifa. Essa posição era ocupada por Del Nero. Era sempre Del Nero quem tomava as decisões. Marin estava fora, estava à margem. Por isso peço que vocês voltem até a analogia que fiz: Marin era alguém que só completava o time”.

O julgamento ainda vai levar algumas semanas, mas logo nos primeiros lances o advogado Stillman já deixou clara sua estratégia: é melhor seu cliente virar chacota por ser otário do que cumprir pena por ser bandido.

É claro que tudo isso não passa de balela. Del Nero, já se sabe, realmente sempre deu as cartas na CBF desde a saída de Ricardo Teixeira, mas só sendo muito ingênuo para crer que Marin era apenas um corrupto decorativo.

Como vemos todos os dias no Brasil com os casos de delação premiada, basta a corda esticar um pouquinho para os larápios esquecerem as ditas amizades, a suposta cumplicidade e os tapinhas nas costas. É melhor peruar logo o antigo parceiro do que passar muitos anos no xadrez.

Neste quesito, outra peruada no mesmo caso também causou barulho essa semana. O argentino Alejandro Buzarco, na condição de delator, descortinou o caminho das propinas entre as empresas de mídia e os cartolas. Segundo ele, a Rede Globo, dentre outros grupos de comunicação, subornou dirigentes para ganhar direitos de transmissão de torneios. Entre os dirigentes citados estão, claro, Del Nero, Marin e Teixeira.

Todo mundo, incluindo pessoas físicas e jurídicas, agora faz cara de santo e jura de pé junto que não cometeu ilícito nenhum, donde podemos concluir que todas as informações sobre a corrupção no futebol que vieram à tona de dois anos pra cá não passam de fábulas do FBI.

Imersos nestas fábulas – e muitas vezes se beneficiando dos seus enredos -, os dirigentes dos maiores clubes brasileiros seguem submissos a uma entidade imunda, comandada, atualmente, por um cidadão que não cruza a fronteira por medo de ser engaiolado.

Na arquibancada ou fora dela, a maioria dos torcedores também segue imersa na fábula, festejando títulos, comemorando gols ou fazendo contas para fugir do rebaixamento. Sem tirar o olho do gramado, não atenta para a roda de podridão que segue girando.

Vocês já viram crianças jogando futebol? É um símbolo de autenticidade, da alegria genuína de perseguir uma bola e correr com ela, o que não tem nada a ver com a parábola embusteira do advogado de Marin.

No campo dessas falcatruas, é melhor tirar as crianças do jogo.

Victor Uchôa é jornalista e escreve aos sábados