Tom Zé chega à Concha Acústica com canções do álbum Língua Brasileira

Mais recente criação do tropicalista teve apoio de pesquisadores de idiomas. Cantor se apresenta nesta sexta-feira (2)

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  • Roberto Midlej

Publicado em 2 de setembro de 2022 às 06:00

. Crédito: Fotos: Fernando Laszlo/divulgação

Peças de teatro inspiradas por livros ou filmes há, aos montes. Mas não é todo dia que se vê um espetáculo teatral baseado numa música. E Tom Zé, aos 85 anos de idade, continua vanguardista: fez uma de suas canções dar origem a um roteiro de teatro.

A faixa Língua Brasileira, lançada em 2003 no álbum Imprensa Cantada, conquistou o diretor de teatro Felipe Hirsch, que firmou uma parceria com o compositor tropicalista e daí nasceu o espetáculo que leva o nome da música e que estreou neste ano em São Paulo. A peça, por sua vez, deu origem a um álbum, que também se chama Língua Brasileira.

Mesmo que a montagem não venha a Salvador, os baianos têm um ótimo motivo para celebrar: Tom Zé apresenta nesta sexta-feira (2), na Concha Acústica, o show que está repleto de canções do disco lançado neste semestre. Mas um dos músicos mais inventivos do país manda um recado aos fãs:  “Não sou cabeça-dura e vou cantar alguns sucessos anteriores que a plateia conhece e cuja falta não perdoa”.Leitor Um dos letristas brasileiros que mais sabe brincar com nosso idioma, Tom Zé lembra como se deu sua formação de leitor. Criado numa família que tinha o hábito de ler, o baiano de Irará diz que aprendeu três línguas na infância: "A expressão comum da cidade de interior; a do homem da roça, fortemente influenciada pelo falar moçárabe, e a terceira expressão, que foi a língua política dos meus tios,  que meu avô mandou para a universidade em Salvador". Diz ainda que descobriu esse "homem da roça" através do livro Os Sertões, de Euclides da Cunha (1866-1909), publicado em 1902.

E as conversas dos tios, nas horas que se seguiam ao jantar, lhe despertaram ainda mais a curiosidade pelas palavras: "Depois, eu comecei a ler o que me caía nas mãos: de Thomas Mann a Stefan Zweig, de Hannah Artendt a Theodor Storm. E outros, e outros", diz Tom Zé. Pesquisa O novo álbum teve a colaboração fundamental de pesquisadores de idiomas. Caetano Galindo, por exemplo, é tradutor de um dos mais complexos textos da língua inglesa: Ulisses, de James Joyce (1882-1941). "Tem também a baiana Yeda Pessoa de Castro, especialista em línguas africanas, única docente a portar duas pós-graduações em dois continentes: na UFBA e na universidade congolesa", diz Tom Zé.

Língua Brasileira, como diz o texto de divulgação do álbum, "propõe-se a investigar a língua e a cultura brasileiras, celebrando suas especificidades e riquezas". Tom Zé destaca como outras culturas contribuíram para a formação de uma língua nacional, diferente daquela que se fala na antiga metrópole:"Entre os episódios e informações que influenciaram o idioma português falado no Brasil, há vários a enumerar: a influência ioruba; a influência do candomblé (na Bahia, nem se fala!); o linguajar quimbundo, que, colocando depois de cada consoante uma vogal, tornou nosso falar tão cantábile e musical. Acrescente-se, entre as principais influências, a do tupi-guarani".Indígenas Os indígenas brasileiros estão presentes no álbum, na canção Hy-Brasil Terra Sem Mal. A letra, embora baseada numa lenda irlandesa, tem relação com o povo guarani. De acordo com essa lenda, haveria uma ilha tropical na Irlanda que era um espaço de plena felicidade, o que, segundo o músico, lembrava uma tradição dos índígenas guaranis, que não acreditavam em vida depois da morte. "Mas eles [os indígenas] procuravam uma - assim chamada por eles - “terra sem mal”, onde a lavoura nascia sem ser plantada, a flecha ia sozinha caçar e onde o índio poderia viver para dançar, beber e descansar. Portanto, a lenda irlandesa e a Terra Sem Mal dos indígenas brasileiros se assemelham", explica o tropicalista.

É muito provável que o show de Tom Zé tenha a presença de velhos fãs, que descobriram o artista nos anos 1960 e vão lá festejar os 85 anos do artista. Mas é certo que também haverá lá pessoas de outras gerações. E esses outros, mais jovens, talvez tenham tido contato com a obra do baiano graças a um músico britânico que tirou o tropicalista de um injusto esquecimento: David Byrne, ex-Talking Heads, que se encantou com as criações de Tom Zé e fez questão de mostrá-lo para o mundo."David Byrne evitou que eu voltasse para Irará na década de 80. Os meus discos então lançados por ele fizeram muito sucesso na Europa e nos Estados Unidos. Há alguns meses,  minha biografia, escrita pelo autor italiano Pietro Scaramuzzo foi prefaciada de modo extremamente original e favorável pelo próprio David Byrne", diz Tom Zé.Tom Zé (BA) e A Trupe Poligodélica (BA/PE)

2 de setembro (sex), 19h

Concha Acústica do TCA | R$ 80 (inteira) e R$ 40 (meia) | Classificação: 18 anos