Trilhas: Estados Unidos do Brasil

por Aninha Franco

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Publicado em 25 de novembro de 2017 às 10:30

- Atualizado há um ano

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A democracia só sobreviveu no Brasil do século 20 porque é de sua essência sobreviver. Depois de sofrer horrores na República da Espada no final do século 19, ela foi encarcerada pela República Velha e nela penou até a ditadura Vargas (1930ª1945). Tomou fôlego no governo JK (1956ª1961), sucumbiu em 1964 e, quando emergiu em 1989, encontrou um Brasil xerocado dos USA. Os 25 anos de autoritarismo militar (1964ª1989) que esmaeceram, aos poucos, a partir de 89, neutralizaram a Brasilidade do País, devorado pela invasão cultural estadunidense, por seu poder monetário, sua força industrial, sua máquina cultural e seu poder de inovação tecnológica. Somos USA.

A Baía resistiu às suas muitas colonizações com a arma da baianidade – resistência cultural gastronômica, idiomática, comportamental e artística – às colonizações que se sucederam a partir do século 16. Fomos colonizados pelo Vaticano até a expulsão dos Jesuítas da América. É só espiar as 365 igrejas que nos cercam e perguntar: - Pra que tanta igreja? Fomos europeizados nos séculos 19 e metade do 20. E estadunizados a partir do pós-guerra. De com força dos anos 1960 aos 1980. Nosso primeiro shopping é de 1975, o Iguatemi, inaugurado em 5 de dezembro para abater, para sempre, as compras de Natal na Rua Chile, na Baixa dos Sapateiros e no Centro Histórico.

O cinema estadunidense nos educa desde os anos 1940. Os blocos de índio do Carnaval “mais popular do Planeta” não eram Tupinambás, Tamoios ou Tapuias. Eram Apaches e Comanches. O Brasil pouco se assiste. Dona Flor e seus Dois Maridos, que teve mais de 10 milhões de espectadores, em 1979, quando havia apenas 90 milhões de brasileiros em ação, em 2017, com Juliana Paes, não conseguiu 40 mil espectadores em três semanas. O Brasil consome Hollywood. O Brasil que lê, lê livros de autoajuda, estadunidenses, ou místicos e exóticos de qualquer nacionalidade. Nas listas dos mais vendidos no país, hoje, não há Brasil.

O Brasil não promove ou protege sua produção. A única linguagem que ameaçou a reserva do mercado estadunidense e falou com o país, foi a música. A partir dos anos 1960. Antes disso, as rádios tocavam 10 internacionais pra uma brasileira, como hoje, com o cinema e a literatura. Mas cadê a música? Desconfio que os currículos escolares continuam mantendo distância entre alunos e a criação contemporânea brasileira, sobretudo agora que a voz nacional está esquálida. Até as novelas globais perderam fôlego. E é inútil esperar que os poderes legislativo e executivo consigam entender que tudo que o país precisa é de muitos anos de Brasil-Brasil e de uma lei que promova o encontro do criador nacional com o seu patrício consumidor.

Nossas festas que festejavam divindades católicas ou do candomblé têm sido substituídas por festas que festejam o consumo, como o Black Friday, a sexta-feira negra, ou o Halloween que os estadunidenses receberam dos astecas ou dos irlandeses. Nosso combate ao racismo foi estadunizado com fúria. E logo deveremos ter a festa de Ação de Graças que antecede o Black Friday nos USA, o Cyber Monday, o Buy Nothing Day e todos os outros Days que dia a dia nos afastarão do nosso pertencimento.