Trio Nordestino lança álbum só com canções de Gilberto Gil

Refazenda e Vamos Fugir estão entre as músicas transformadas em forró

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  • Roberto Midlej

Publicado em 24 de junho de 2020 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Suellem Studio

A história, com tom de anedota, é contada pelo próprio Gilberto Gil: um dia, o compositor baiano, ouvinte do reggae, decidiu apresentar a Dominguinhos uma das músicas de Bob Marley. O sanfoneiro, sem mostrar muita supresa, retrucou, em tom de brincadeira: "E isso é reggae, é? Xotezinho safado!", disse, insinuando que o ritmo jamaicano era nada mais que uma variação do gênero musical tipicamente nordestino.

Agora, passados uns bons anos daquele encontro, o Trio Nordestino está aí, para mostrar que Dominguinhos tinha alguma razão. O grupo que nasceu em Salvador em 1958 e já teve diversas formações, está lançando o álbum Trio Nordestino Canta Gilberto Gil (Biscoito Fino), que apresenta canções do tropicalista com roupagem de xote, forró, arrasta-pé e outros ritmos que marcam o Nordeste.

E, entre as versões, está Vamos Fugir, reggae gravado originalmente pelo baiano em 1984. O lançamento inclui ainda outro reggae, Cores Vivas, que Gil, em 1981, gravou com um toque de xote. "Procurei colocar músicas que tenham mais a ver com nosso gênero, que se encaixam no nosso ritmo, sem fugir de nossas origens. Então, procurei canções que se encaixam no xote, no forró, no maracatu, no arrasta-pé...", diz o zabumbeiro Jonas Santana, 33 anos, principal responsável pela escolha do repertório. Jonas integra o grupo com Luiz Mário, no triângulo e voz, e Tom Silva, no acordeon. Gilberto Gil, o homenageado (Foto: Daryan Dornelles/divulgação) Procissão Estão no álbum canções de Gil de diversas fases e gêneros. Uma das mais antigas é Procissão, de 1978. Como defende o jornalista Leonardo Lichote no material de divulgação do lançamento, a canção "carrega a influência direta de Gonzaga e dos cantadores de Ituaçu", em referência à cidade onde o cantor e compositor passou sua infância.

Jonas diz que escolheu a música tanto por causa da melodia como da letra."A letra fala de um povo sofrido, da fé do povo nordestino, das procissões... Acho muito forte esse sentimento de fé que o Gil passa. Depois que gravamos, notei que muitas músicas dele falam da fé. Andar com Fé e Toda Menina Baiana também são exemplos disso",afirma Jonas, em referência a outras duas canções incluídas no álbum do trio.

A ideia das regravações partiu de Coroneto, produtor do Trio, que já integrou o grupo e é neto de Coroné, da primeira formação. "Nós tínhamos uma outra ideia para apresentar à gravadora, mas Coroneto conversou com uma amiga que deu a sugestão sobre Gil. Além disso, estava recuperando a saúde e era uma maneira de homenageá-lo", lembra Jonas.

Segundo ele, o álbum deveria ter saído no ano passado, mas a banda fez uma turnê pela Europa no fim de 2018 e as gravações acabaram sendo adiadas. Depois, foi a vez das festas juninas de 2019 e novamente o calendário foi modificado. Finalmente, entraram em estúdio em outubro do ano passado e puderam finalizar o projeto. E ele acabou chegando em ótima hora: o álbum chega às plataformas de música nesta sexta-feira, no dia em que Gil completa 78 anos."O lançamento desse disco é a forma mais simples e respeitosa que temos de homenageá-lo, pela pessoa, pelo artista que ele é e pela contribuição que ele dá à nossa cultura e nossa música. Eu espero que ele goste e, mesmo se só ele gostar, já tá de bom tamanho",diz Jonas em tom de muita simplicidade.

Embora este lançamento seja fiel às raízes do Trio, estão presentes nas gravações instrumentos que contribuem para dar uma modernizada na sonoridade do grupo: bateria e guitarra, por exemplo, estão em todas as faixas, com exceção de Expresso 2222, que, ainda assim, manteve a guitarra. Em outras faixas, aparecem ainda rabeca, flauta e violão de 12 cordas. Mas a sanfona, a zabumba e o triângulo, claro, estão em todas as músicas.

Durante uns três ou quatro anos, o grupo cedeu a outro elemento que marca as bandas modernas: o uso de dançarinas no palco. Mas Jonas faz questão de ressaltar: "A gente não mostrava a sensualidade da mulher e elas ficavam bem caracterizadas. Era tudo de forma cultural". Afinal, o grupo tem que honrar seus 62 anos de história.