Tristeza no final do ano pode desencadear depressão; veja como evitar

Quem já tem algum transtorno afetivo pode ter crise aguda; saiba onde buscar ajuda

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  • Thais Borges

Publicado em 23 de dezembro de 2018 às 05:49

- Atualizado há um ano

. Crédito: Imagem: CORREIO Gráficos

Ilustração: CORREIO Gráficos Até 2015, o Natal era uma das épocas mais felizes do ano, na casa da estudante Ágatha Amorim, 22 anos. A partir dali, porém, as coisas mudaram. Perdeu a mãe, vítima de um câncer e comemorar a data nunca foi a mesma coisa. “Eu e minha mãe éramos muito próximas. Meu pai faleceu quando eu tinha seis anos e, por isso, cresci muito apegada a ela. Quando ela se foi, o Natal se transformou num momento triste”, revela. 

Há dois anos, ela deixou de montar árvore de Natal. Este ano, até colocou um ‘pisca-pisca’ e uma guirlanda na porta, mas ainda não se animou a voltar à tradição com a árvore. Na segunda-feira (24), véspera de Natal, Ágatha deve ir para a casa da tia. "Seria pior se eu ficasse em casa sozinha e sofrendo. Lá, as pessoas sabem como eu me sinto. As minhas tias e primas são maravilhosas e sempre me deixam para cima", conta.

Esse sentimento de tristeza profunda no fim do ano é mais comum do que muita gente imagina – seja para quem encara a tristeza, seja para quem tem algum transtorno afetivo já diagnosticado. Em qualquer um dos casos, as pessoas podem chegar a uma crise aguda (para quem tem depressão, por exemplo) ou até desencadear um transtorno depressivo latente (para quem não tem, mas conta com predisposição genética). 

Para os gringos, esse sentimento tem até nome: Christmas Blues (tristeza natalina, em tradução livre do inglês). A questão é como aprender a lidar com essa tristeza, especialmente com as festas de fim de ano batendo na porta. “Essa época pode desencadear ou agravar uma doença mental para quem já tem, como uma crise depressiva ou crise de pânico. E as pessoas que não têm a doença vão ter períodos de tristeza maior”, diz a psiquiatra Mirian Gorender, professora do curso de Medicina da Faculdade de Tecnologia e Ciências (FTC) e da Universidade Federal da Bahia (Ufba). O que ajuda No caso da estudante Ágatha, o que ajuda é pensar em outras coisas. Pensar em algo além da mãe. Nessas horas, o apoio da família tem sido essencial. Minha família me ajuda muito. Elas me ajudam a pensar em coisas mais positivas", conta. Hoje, ela acredita até que esteja vivendo o período natalino melhor do que nos últimos dois anos. "Antes eu ficava muito triste. Hoje, me sinto apenas apática".

O Natal também sempre foi a festa preferida do estudante Noah (nome fictício), 30, entre as datas tradicionais. Era o dia de encontrar a família. No entanto, aos 15 anos, começaram a vir as preocupações. A partir daí, começou a encarar o período como um momento de reflexão e percebia que não tinha alcançado seus objetivos. 

Ao longo da vida, mudou a graduação duas vezes. Acabou nunca investindo no sonho de fazer Licenciatura em Música. “Agora em dezembro estou concluindo o curso de Engenharia Civil, ainda com o sentimento que deveria ter lutado pelo o que eu queria de verdade”. 

O outro motivo era o fato de sempre ter sido diferente. Noah nasceu em um corpo biologicamente feminino, mas se identifica como homem – é, portanto, um homem transgênero. Ao longo dos últimos cinco anos, pesquisou sobre o assunto. “No final do ano passado, eu contei para minha família como me sentia. Todos me apoiaram, o que me deixou muito feliz. Vai completar um ano que faço acompanhamento psicológico e, finalmente, depois de muita espera, comecei a hormonização no último sábado (15), dia que fiz minha última prova na faculdade. Esse ano foi bem difícil, mas foi de grandes realizações. Espero que esse Natal seja diferente e eu me sinta feliz, aos 30 anos”, contou. Cuidados Um dos passos para quem sente uma tristeza profunda nessa época do ano é justamente bucar ajuda profissional, como fez Noah. Além disso, a psiquiatra Mirian Gorender destaca que o antigo ditado ‘mente sã, corpo são’ nunca foi tão verdadeiro. Para ajudar a se sentir bem, é importante cuidar do resto do corpo. Isso inclui uma alimentação balanceada, exercícios físicos regulares, atividade intelectual regular (ler e pessoas em assuntos do interesse, por exemplo), e cultivar os relacionamentos. 

“Cada um desses aspectos tem uma contribuição. E, às vezes, a gente olha para as outras pessoas, olha para as falhas de um amigo ou colega com muito mais compaixão do que a gente faz com a gente. Então, a gente precisa olhar para si com a mesma compaixão que olha para o outro”. 

Para o psicólogo especialista em saúde mental e diretor da Clínica Fênix, Joaquim Moura, é importante que as pessoas não esperem chegar ao fim do ano para fazer balanço de metas, por exemplo.“Podemos colocar metas mais próximas da realidade, ter mais autoconsciência, fazer meditação e cuidar da saúde. A grande dica é não deixar nada para última hora, porque isso sim pode gerar ansiedade”, diz Moura.E é importante entender que não existe felicidade plena – algo tipo o ‘nirvana’. Por isso, o psicólogo e psicanalista Cláudio Melo, da Clínica Holiste, alerta que é preciso suportar e lidar com faltas. 

Numa época como o Natal, o consumismo também aumenta. Com isso, cresce também a insatisfação. “Então, as pessoas não devem basear a sua felicidade em algo material exclusivamente, ou em uma conquista objetiva, mas pensar a felicidade como algo construído ao longo do dia a dia”, explica. 

Para a psiquiatra Rosa Garcia, professora aposentada da Ufba, o melhor caminho para superar a tristeza que algumas pessoas sentem nesta época é a preparação. "Se a pessoa sabe que se sentirá assim nesta época, deve se preparar com antecedência. Começar a pensar em coisas boas. Tem que querer ter pensamentos positivos. Ver as coisas boas. Há também lembranças positivas, expectativas. Tem que se colocar em situações mais otimistas".

A psicóloga Laiz Cardoso Rodrigues, professora de Psicologia da FTC, recomenda que é preciso prestar atenção aos sintomas, caso o desânimo dure além das festas de fim de ano. “A tristeza é um sentimento comum. Ninguém é alegre o tempo todo. Uma tristeza permanente, que impede a pessoa de fazer outras coisas já é um quadro depressivo. Pessoas deprimidas não fazem planos. Se isso acontecer, é preciso buscar ajuda médica”.

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Natal afeta por lembranças da família ou dificuldades financeiras, dizem especialistas As sensações negativas e o sentimento de tristeza provocado pelas festas de fim de ano, como o Natal, podem ser resultado de uma combinação de fatores. Uma das causas, para a psicóloga Laiz Cardoso Rodrigues, é justamente a questão financeira. 

“É uma época que envolve muito dinheiro, com compra de presentes e festas. Quem não consegue acompanhar esse apelo, por conta do desemprego ou dificuldades financeiras, pode acabar ficando deprimido”, alerta.

Além disso, para a psiquiatra Mirian Gorender, existe uma expectativa de felicidade que não é real.“Vende-se uma imagem de uma harmonia familiar absoluta, de uma felicidade, de recomeçar no Ano Novo. Mas é o Natal que afeta mais as pessoas, porque muitas têm uma família disfuncional ou não têm família, ou lembranças ruins associadas”, comenta Mirian. Para o psicólogo Joaquim Moura, muito dessa tristeza está relacionado ao fato de que as pessoas não sabem lidar bem com términos. Quando chega o fim do ano, muita gente percebe que deixou de concluir coisas.

“Esse é o primeiro indício de que a pessoa pode entrar num processo de melancolia e frustração que podem levar a um tipo de transtorno mental. As pessoas começam a perceber que elas se sentem um pouco deslocadas emocionalmente e isso pode servir como gatilho”, alerta.

Onde buscar ajuda Para quem busca ajuda, o site do Conselho Regional de Psicologia (www.crp03.org.br) traz uma lista com serviços psicológicos gratuitos na Bahia. Entre eles, estão Centros de Referência da Assistência Social (Cras). Também é possível buscar auxílio nas clínicas universitárias como no Centro Universitário Jorge Amado, Faculdade Bahiana de Medicina e Saúde Pública, FTC e Ufba, que trazem em seus sites mais informações sobre a marcação de consultas e horários de atendimento.

O auxílio gratuito pode vir ainda de entidades filantrópicas como a Fundação Lar Harmonia, em Piatã, onde é possível ter acesso a psicoterapia tanto individual, quanto em grupo e familiar. Para ser atendido pelos profissionais do núcleo, o paciente deve entrar em contato pelo telefone (71) 3038-7368 ou pelo (71) 3285-0777.

*Colaboraram Anderson Ramos e Gabriel Moura, integrantes da 13ª turma do Correio de Futuro.