Tudo mudou em volta do que antes era sossego, já já querem te demolir inteira

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Vai vendo. Não demora e querem te demolir inteira. Feito uma casa pequena que solitariamente resiste numa rua repleta de prédios. Primeiro até que gostam daquela convivência, consideram que empresta alguma dignidade, alguma curiosidade ao bairro elegante. E levam os amigos a contemplarem seus jardins de terra em meio ao concreto. “Tão vintage”. Depois, aí é que está o problema.

É que tudo mudou em volta do que antes era sossego, tudo cresceu em mármore e em ladrilhos, e você vira o incômodo vizinho que ainda insiste em telhas. Enquanto os edifícios brincam de arranhar os céus, e as coberturas ganham andares cada vez mais altos, com piscina, forno elétrico e churrasqueira, você segue ali toda térrea, toda quintal de cerca viva, toda varanda com espreguiçadeiras.

Vai vendo. Não demora e fazem propostas milionárias pelo seu terreno. E periga você aceitar e virar um quarto e sala com cozinha americana, daqueles bem modernos, perfeito para jovens endinheirados e solteiros. Você todo contemporâneo na prancheta de arquitetos, você subindo reto, com operários reformando as suas bases, ampliando os suportes para conter muitos andares. E então o peso.

E olha você finalmente integrado ao bairro. Bonito, aprumado e todo estreito, segmentado em dezenas de unidades, revestido com pastilhas importadas, vidros verdes para todos os lados. Você espremido entre os outros edifícios, e agora também alto, vagas para dois carros, portão eletrônico, câmeras de vigilância. Você parcelado em dez ou vinte anos, sonho de consumo.

Olha você anunciado, comercial, no mercado, nome trocado por um mais vendável – vivenda do sossego já não é vintage. Você com síndico e com portaria. Um outdoor plantado bem no meio do que antes era quintal. Você com áreas comuns, parque infantil, espaço gourmet. E olha o ritmo lento desses carros, reduzindo a marcha, para observar a planta baixa do que antes era você. Vai vendo.