Turma de médicos baianos adianta formatura para combater a covid-19

Grupo de 29 estudantes da Ufob colou grau, na segunda-feira (4), sem presença de convidados

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  • Vinicius Nascimento

Publicado em 6 de maio de 2020 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Pedro Rutílio/Divulgação

O curso de Medicina é um dos mais concorridos em qualquer faculdade do país. Bons salários, prestígio social e a possibilidade de salvar vidas são chamarizes da profissão. Por conta da guerra contra o coronavírus, 29 alunos da Universidade Federal do Oeste da Bahia (Ufob) precisaram se formar mais cedo para atuar na linha de frente. Eles são a primeira turma de médicos formada no oeste baiano.

Obviamente, isso teve um custo alto. Dentre outras coisas, eles precisaram adiantar a formatura que estava planejada há quase dois anos - um momento de fechamento de ciclo, reecontro com amigos e familiares que precisou ser adiantado. O dever chamou em modo de urgência.

Na última segunda-feira (4) a turma fez a colação de grau no Campus Reitor Edgard Santos apenas com companhia exclusiva de autoridades da própria Ufob. Sem pais, sem amigos, sem ninguém que os acompanhou na trajetória iniciada no segundo semestre de 2014. Todos de máscara, cumprindo uma distância mínima por conta do risco de contágio. Uma medida necessária, mesmo com Barreiras registrando apenas um caso de infectado em seu território.

Há algumas palavras-chave no vocabulário de boa parte dos formandos: alegria, frustração, ansiedade e espera são os que se destacam. Nascida em Cotegipe, a cerca de 100km de Barreiras, Deyse Câmara é uma das poucas da turma que é filha da região e não esconde a felicidade por se formar.

Aos 24 anos, ela contou à reportagem do CORREIO que foi graças a Ufob que conseguiu retornar para perto de sua família e realizar o sonho de fazer Medicina. Formada em colégio público, deixou Cotegipe e se mudou para Goiânia a fim de estudar em um cursinho vestibular. No meio dessa empreitada, surgiu o curso da Ufob em setembro de 2014. A oportunidade perfeita.

"Eu quero continuar por aqui. Trabalhar na região e retribuir para as pessoas de onde nasci e cresci tudo que me foi oferecido. Precisamos de mais médicos, mais especialistas. Após a pandemia eu pretendo fazer minha residência que terá de ser fora daqui, mas pensando em retornar", diz a médica.

Originalmente, o curso estava previsto para encerrar no dia 4 de julho. A formatura aconteceria no dia 7 de agosto. Durante esse período, o agora méditor Rhamon Oliveira Lacerda, 31, planejava descansar um pouco após viver os seis últimos anos ligado nos 220v.

Antes de se tornar médico, Rhamon se formou em enfermagem na Universidade Estadual Santa Cruz, em Ilhéus. Nascido em Almadina, no sul do estado, é mais um da turma que teve sua formação em escola pública. Depois de concluir sua primeira graduação, ele viajou bastante: trabalhou em sua cidade natal e depois foi para Jequié onde atuou como enfermeiro na construção da ferrovia Oeste-Leste.

"Depois que me formei, vi que tinha um perfil para diagnóstico e tratamento. Também estava me sentindo mal no trabalho porque a carga era desumana, tinha sempre aquela coisa de bater metas absurdas. Era muito complicado", lembra. Mesmo com a sobrecarga, decidiu que queria fazer medicina. Estou em cursos online e conseguiu a vaga na Ufob após fazer o Enem. Era só o início de mais uma longa batalha.

Ele não deixou de trabalhar um dia sequer durante os seis anos que passou estudando para ser médico. Só mudou de emprego: fez concurso e pasosu no Samu, atuando no distrito de Luís Eduardo Magalhães - cerca de 100km distante de Barreiras.

"Foi muito difícil, mas até que passou rápido, sabe? Digo isso porque cada dia na sala de aula eu sabia que estava vivendo um sonho inalcançável. Até um certo momento de minha vida sabia que era impossível ser médico. Ou conseguia uma vaga em universidade pública ou não teria condições de fazer o curso. Foi difícil conciliar tudo porque a carga de estudo era enorme e no trabalho também. São 6 plantões de 24h a cada mês no Samu", explica.

Rhamon contou com a colaboração de colegas e dos professores. Não foram raras as ocasiões em que precisou faltar por conta do trabalho e nesses momentos contou com o apoio dos docentes para fazer reposição de aulas por exemplo. Após um período tão intenso, ele planejava descansar no intervalo entre a conclusão do curso e a formatura.

"Ia tirar esse tempinho, mas não será possível. Já tinha pago cerca de 60% da formatura, providenciado microonibus para trazer meus amigos, familiares...", explica. 

Ramon estima que gastaria cerca de 12 mil reais para arcar todos os custos da formatura. Ele participaria dos três eventos previstos: um culto ecumênico, a solenidade e um baile. Agora, não faz mais ideia de quando poderá dividir esse momento com os seus pares.

Presidente da comissão de formatura da primeira turma de médicos formados pela Ufob, a soteropolitana Denise Santana Oliveira, 30 anos, não esconde que vive um turbilhão de emoções: a frustração por não conseguir fazer esse evento que encerra o grande ciclo e por outro lado a felicidade por saber que em breve estará inserida no mercado de trabalho.

Denise é uma das três pessoas negras a se formar nessa turma. Nascida e criada no Alto do Peru, na região do Curuzu, onde bate o coração do Ilê Aiyê, ela cursou até o 5º semestre de enfermagem antes de conseguir aprovação na Ufob e deixar tudo para trás em busca do sonho de ser médica.

"Vim na cara e na coragem. Mas nunca fui de correr de dificuldade. Quando eu estava em Salvador, trabalhava de manhã, estudava enfermagem de noite e ainda fazia cursinho nos finais de semana", relata.

Para se manter em Barreiras, ela conta que pesquisou todos os auxílios possíveis oferecidos pela Universidade. Além disso, contou com ajuda de antigos colegas de trabalho para arcar com contas de aluguel, por exemplo.  

"A maior frustração é de não poder compartilhar com as pessoas que amamos e que nos acompanharam durante toda essa batalha", conta a doutora.

Expectativas Apesar de já terem colado grau e oficialmente terem a faculdade concluída, os médicos da Ufob ainda precisam aguardar uma série de burocracias para começar a atuar. A principal delas é o reconhecimento do curso pelo Ministério da Educação (Mec).

Sem essa chancela do Mec, nenhum dos 29 estudantes está apto a tirar a carteirinha do Conselho Regional de Medicina. Procurado, o Conselho Regional de Medicina do Estado da Bahia (Cremeb) afirmou que só após esse reconhecimento do Mec pode orientar os formandos a viajar de Barreiras a Salvador e fazer o registro.

Coordenador do curso de medicina da Ufob, Lancaster Monteiro Diniz afirma que a Ufob já cumpriu toda a tramitação exigida pelo Conselho Federal de Medicina e pelo Ministério da Educação. Agora, cabe esperar. E ainda não há nenhuma previsão para que esse impasse seja resolvido.

Nascido em Belo Horizonte e criado em Simões Filho, o agora médico Lucas Guimarães de Azevedo afirma que não tem muito o que fazer no momento além de esperar. Ele diz a espera gera uma ansiedade grande porque aumenta as incertezas sobre o futuro dos médicos recém-formados.

"Ainda não comecei a procurar emprego porque tem essa pendência. Nós temos algumas sondagens e sabemos que a tendência é que sejamos absorvidos aqui pela região, mas enquanto não houver o registro, não temos pra onde ir", explica.

Procurado para dar respostas sobre o prazo de reconhecimento do curso, o MEC não se manifestou até o fechamento desta matéria.

De toda forma, o consenso geral na turma é uma sensação de etapa concluída. Mesmo que não tenha sido da forma ideal. Um mundo ideal, inclusive, é algo que essa turma se acostumou a não ter desde os seus primeiros dias de aula, no já longínquo semestre de 2014.2. Superando dificuldades, barreiras e incertezas, os 29 de Barreiras seguem a filosofia do poeta Luiz Carlos da Vila, falecido em 2008: com todas as complicações da vida, é necessário se adaptar. Afinal de contas, o show tem que continuar.

*com supervisão da subeditora Clarissa Pacheco