UFSB revoga vagas para curso de Direito e alunos vivem pesadelo

Segundo estudantes, universidade tenta convencê-los a escolher novo curso

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  • Gabriel Amorim

Publicado em 12 de novembro de 2020 às 05:15

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Divulgação/UFSB

“Acordo de noite com vontade de sair correndo, chorando. São muitos estudantes angustiados, sem saber o que fazer”. O relato é do estudante universitário Erick Brito, que viu seu sonho se transformar em pesadelo. Ele foi um dos prejudicados pela decisão da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) que na última segunda-feira (19) resolveu revogar as 40 vagas oferecidas para o curso de Direito dentro de um edital de seleção interno. Agora, alunos da instituição não sabem mais se o curso que tanto sonharam fazer vai continuar sendo oferecido pela Universidade. 

O problema se agrava ainda mais porque é preciso investir pelo menos três anos de estudos dentro da UFSB para poder tentar a sonhada vaga em Direito. É que a universidade utiliza o sistema dos bacharelados interdisciplinares e para cursar os chamados cursos de progressão linear - como é o caso do curso de Direito - o aluno precisa ter concluído o Bacharelado Interdisciplinar em Humanidades e escolhido matérias da área de concentração Estado, Sociedade e Participação Cidadã para então tentar a vaga através de um processo seletivo interno que utiliza as notas dos primeiros anos de estudo como critério de avaliação. 

Foi justamente durante o curso deste processo seletivo, que acontece uma vez por ano e teve edital publicado em setembro com 40 vagas para o curso de Direito, que a UFSB fez a mudança. Para os alunos, que chegaram a ter suas inscrições na seleção homologadas pela UFSB, a decisão deu início a uma sequência de problemas. É que muitos já tinham segurança na aprovação por conta de altas notas e já estavam correndo com processo de mudança das cidades de Itabuna e Teixeira de Freitas - onde ocorre a primeira parte do curso - para Porto Seguro - onde são ofertadas as matérias do curso de Direito. 

“Os professores traziam a informação de que não haveria concorrência porque nem todos os inscritos tinham feito todas as matérias da área de concentração e isso é pré requisito. Então a gente que já tinha segurança, sabíamos a importância de estar já em Porto Seguro, fomos procurar tudo antes pra deixar resolvido. Fechei contrato da casa de manhã e à tarde eles publicam a retirada das vagas”, conta Erick, que deixou emprego e uma bolsa em uma faculdade privada na sua cidade em São Paulo, pela oportunidade de cursar uma faculdade federal. Junto com a namorada, que está na mesma situação, ele já havia feito inclusive investimento  de cerca de R$ 4 mil em móveis e eletrodomésticos para a nova casa.

“Eu estava com a expectativa muito grande, to sem dormir tem semanas, tive que procurar atendimento médico, tudo psicológico por conta dessa situação. Imagina o que é ligar pros meus pais e dizer que eu saí de São Paulo, larguei tudo pra tentar aqui, e agora não tem mais o curso.É muito difícil, não consigo me manter bem, É uma sensação muito ruim”, diz o jovem.“Desde o ínicio era isso que eu queria. O curso de direito é o meu sonho, Sou a primeira da minha família a entrar numa faculdade federal, foi uma alegria. Agora eu não sei mais o que vou fazer da vida. Se a gente não conseguir migrar, esses primeiros anos dão um diploma de nível superior, mas não dão qualquer garantia de emprego. Me sinto perdida.. Me sinto no escuro”, completa Géssica Gomes, namorada de Erick, também prejudicada pela decisão. O CORREIO procurou a UFSB para esclarecimentos. Sobre a retirada das vagas de Direito, a instituição informou que "deu entrada na solicitação de autorização do curso de Direito junto ao MEC no início de 2018, e desde então este processo encontra-se em trânsito administrativo. Simultaneamente a esse processo de autorização, a Universidade tomou conhecimento de uma ação civil pública que tramita na Justiça Federal da 1ª Região acerca da oferta do curso Direito. A Universidade encontra-se neste processo sob a condição de ré, ao lado do Ministério da Educação. Ato contínuo, a Universidade em função da necessidade de redução de danos em razão do processo judicial decidiu pela remoção das vagas do futuro curso de Direito do edital interno".

Para justificar o porquê de ter dado início ao curso antes da liberação do MEC, a instituição disse que é  "uma universidade nova e com modelo completamente diferente das demais universidade brasileiras", acrescentando que "ao momento do início do futuro curso de Direito, a Universidade contava com 3 anos de existência, sendo que a equipe de gestão responsável pela universidade à época acreditou que o ato autorizativo poderia ocorrer concomitante ao primeiro processo de seleção para ingresso no curso".

Diante do cenário, a UFSB disse queestá em contato com a OAB Federal e com o MEC "para possibilitar o ingresso dos estudantes egressos do Bacharelado Interdisciplinar em Humanidades no futuro curso de Direito o mais breve possível".

Curso não reconhecido De acordo com os estudantes ouvidos pela reportagem, a retirada das vagas ocorreu em razão de uma Ação Civil Pública ajuizada contra a universidade pelos componentes da primeira turma do curso. A razão da ação, movida através da Defensoria Pública da União (DPU), é o não reconhecimento do curso pelo Ministério da Educação (MEC) que impede os alunos, há meses da formatura, de conseguirem estágio remunerado, prestarem exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e nem mesmo dá a garantia de diploma. “A ação foi ajuizada contra a UFSB, o MEC e o INEP, em razão do curso de direto não ter tido até hoje seu processo de autorização concluído. Houve um parecer desfavorável do MEC e o processo até hoje não se concluiu. Isso prejudica os alunos, então a ação pede a conclusão do processo e pede danos morais e materiais para esses estudantes que já estão chegando à formatura nessa situação”, explica o defensor regional de direitos humanos na Bahia, Vladimir Correia, responsável pelo caso.O defensor diz, no entanto, que a ação não fez qualquer pedido de interferência no processo seletivo interno em curso. “Na ação não pedimos suspensão ou retirada de vagas. Pedimos em caráter liminar que seja fornecido aos alunos autorização para poderem realizar estágio e se a conclusão vier antes do fim do procedimento pelo MEC, que eles recebam também o diploma”, diz Vladimir. Procurado pelo CORREIO, o MEC também não se posicionou sobre o caso. Segundo a DPU, a ação aguarda agora manifestação dos réus sobre os pedidos de liminar. 

Sem curso Para os alunos a sensação é de que o curso pelo qual tanto esperaram não vai mais existir. “A reitora ontem em reunião disse pra gente que o curso de direito não ia acontecer e que se a gente quisesse fazer o segundo ciclo que se matriculasse para outro curso. Não tem sentido se a gente já pega matéria do curso de direito desde o começo do ciclo inicial”, diz Géssica, sobre um encontro realizado entre a universidade e os alunos envolvidos nesta quinta-feira (22)

Apesar da informação extraoficial, o curso de direito segue aparecendo no site da UFSB sem qualquer observação sobre pendências junto ao MEC e matérias optativas e iniciais do curso seguem sendo ofertadas aos alunos que estão no ciclo inicial da formação, segundo os estudantes. Todo esse cenário acaba induzindo os universitários a erro. “Quando a gente entrou muita gente já tinha essa pretensão de seguir para o Direito. Naquele momento ninguém dizia que havia entraves no processo de aprovação do curso. Quem entra agora até já entra sabendo que existe um processo de autorização em curso, o que não existiu para quem entrou em 2017 ou antes”, diz Gabriel Malta, outro dos estudantes prejudicados

Segundo os universitários a única opção oferecida pela UFSB como solução é a escolha de uma outra carreira em substituição ao Direito. “Foram três anos nos preparando, pegando matérias iniciais, fazendo inclusive as matérias optativas do próprio curso para adiantar, e agora a universidade quer nos obrigar a fazer outro curso. Em todo momento, toda reunião que houve durante esses três anos, eles garantiram a migração para o curso de direito, mesmo sem a autorização do MEC e agora querem obrigar a gente a ir pra outro curso”, diz outro estudante sem querer se identificar. “Eles perseguem, fazem represálias aos alunos. Tenho medo”, completa. 

*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro