Um ano após chacina do Cabula, Justiça Global pede federalização do caso

Jovens foram assassinados com 88 tiros, mas os policiais foram absolvidos com a alegação de que agiram em legítima defesa após confronto

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Publicado em 6 de fevereiro de 2016 às 15:56

- Atualizado há um ano

Um ano após a morte de 12 jovens negros no bairro de Cabula, em Salvador, e da absolvição dos policiais envolvidos no caso, a organização não governamental Justiça Global pede que a Procuradoria-Geral da República (PGR) assuma o caso.Os jovens foram assassinados com 88 tiros, mas os policiais foram absolvidos com a alegação de que agiram em legítima defesa após confronto.“Recebi muitas ameaças, inclusive de morte, por telefone, WhatsApp e redes sociais”, afirmou o promotor Davi Gallo, um dos responsáveis pela investigação independente feita pelo Ministério Público da Bahia (MP-BA) sobre o caso que ficou conhecido como Chacina do Cabula. Laudos necrológicos que integram o inquérito concluíram que boa parte dos tiros encontrados nos corpos foi disparada a curta distância e de cima para baixo, indícios de execução.AbsolviçãoCom base em dezenas de depoimentos, o MP-BA acusou, em maio, os nove policiais envolvidos – um subtenente, um sargento e sete soldados – de terem premeditado uma emboscada contra os jovens.Dois meses depois, em seguida a uma reconstituição das mortes com cerca de 150 pessoas e nove horas de duração, a investigação da Polícia Civil apontou uma tese diametralmente oposta: os policiais agiram em legítima defesa após confronto. Foram apresentadas ainda armas e drogas encontradas com os jovens.A denúncia do MP-BA foi acolhida pela Justiça da Bahia em 10 de junho e o inquérito policial foi apensado ao caso logo após ser concluído, vinte dias depois.No dia 24 de julho, em uma decisão incomum pela rapidez e sem dar nenhum encaminhamento ao processo, a juíza Marivalda Almeida Moutinho, que substituía o juiz titular do caso, em férias, absolveu todos os réus.“Num processo com 12 homicídios consumados e seis vítimas sobreviventes caberia, no mínimo, iniciar a fase de instrução. Ela passou por cima de qualquer lei processual desse país e julgou”, critica Gallo.O recurso do MP-BA contra a sentença corre atualmente em segredo de justiça.(Foto: Evandro Veiga/CORREIO)FederalizaçãoOs nove policiais envolvidos nunca chegaram a ser retirados do policiamento de rua. A Secretaria de Segurança Pública da Bahia informou que todos continuam a desempenhar suas funções normalmente, com a exceção de um, que se encontra preso por envolvimento em outro crime.Essas circunstâncias aliadas à condução fora do comum do processo na justiça baiana levaram a Justiça Global a pedir a federalização do caso.Por meio de sua assessoria de comunicação, a PGR informou que o pedido se encontra em fase de instrução, com coleta e análise de dados, acrescentando que a decisão final sobre a federalização cabe ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), embora não haja previsão para que ocorra.“Passado um ano da morte dos meninos, o que temos é a certeza de que a gente não vai parar”, afirmou Hamilton Borges, liderança do movimento Reaja ou Será Morta/Reaja ou Será Morto, grupo que milita contra o genocídio da juventude negra em Salvador e atua diretamente no caso. “A federalização desse caso é nossa única esperança.”

[[saiba_mais]]IntimidaçãoAcompanhando o caso de perto desde o início, a organização não governamental Anistia Internacional relata que após um protesto contra a chacina realizado no próprio Cabula, passaram a ser frequentes operações policiais de caráter intimidador no bairro.“Representantes da Anistia Internacional foram novamente a Cabula e os relatos dos moradores foram de que as intimidações continuavam e de que a comunidade sentia medo”, disse o diretor executivo da entidade no Brasil, Atila Roque.Devido às constantes intimidações, a família de Borges comunicou o assédio à Justiça Global, responsável por compilar e encaminhar à Organização das Nações Unidas (ONU) e à Organização dos Estados Americanos (OEA) reiteradas denúncias de ameaças recebidas pelos parentes dos mortos em Cabula, assim como pelos integrantes do Reaja.Por esse motivo, o grupo decidiu blindar os familiares dos mortos na chacina, controlando o acesso de qualquer pessoa desconhecida a eles e acompanhando de perto o seu dia a dia.“A gente procura manter os familiares resguardados, em segurança, eles não se expõem, não aparecem”, disse Borges em uma entrevista por telefone. “Diante do ódio que a gente observa contra o povo negro, a gente faz questão mesmo de ser antipático, antipalatável, entende?”Para justificar a proteção, ele dá o exemplo de dois dos seis jovens que sobreviveram à Chacina do Cabula. “Eles saíram da Bahia e desapareceram.”