Um dia após reinauguração, geladeira comunitária é roubada em Nazaré

Eletrodoméstico integra iniciativa do IBCM, que disponibiliza alimentos de graça para moradores de rua e famílias carentes

  • Foto do(a) author(a) Naiana Ribeiro
  • Naiana Ribeiro

Publicado em 30 de julho de 2019 às 11:40

- Atualizado há um ano

. Crédito: Acervo Pessoal
Inauguração nesta segunda-feira (29) movimentou o bairro de Nazaré por Acervo pessoal

Moradores de rua e famílias carentes que procuraram a geladeira comunitária instalada na Rua Santa Clara do Desterro, na frente do Instituição Beneficente Conceição Macedo (IBCM), no bairro de Nazaré, na manhã desta terça-feira (30), se decepcionaram ao não encontrar o eletrodoméstico por lá. O equipamento - que disponibilizava alimentos de graça para moradores de rua e famílias carentes de Salvador - foi roubado menos de 20 horas após a reinauguração do projeto.

A iniciativa da ONG tinha voltado na segunda-feira (29) e recebeu diversas visitas e doações. "Não se passaram nem 24 horas que retomamos com a geladeira e ela já foi roubada. Segunda reinauguramos às 10h e ficamos aqui até 19h, justamente por conta do movimento. Quando chegamos hoje, por volta das 5h30, tinham levado", conta o padre Alfredo Dórea, gerente administrativo da IBCM.

[[galeria]]

Além do eletrodoméstico da marca Consul, também foram roubados todos os alimentos e bebidas que estavam nele. "Tinha quentinhas, frutas como maçã e banana, achocolatado, suco, etc", completa o padre.

Apesar do ocorrido, o clima de tristeza não dominou a ONG. Já nesta manhã, os responsáveis pela ação da geladeira colocaram uma mesa na porta do IBCM. Tudo para cumprir a missão de matar a fome dos que mais precisam, como conta Dórea.

"A gente é persistente, e as pessoas continuam trazendo coisas, então vamos continuar. A mesa solidária já está na porta e é a mesma filosofia: quem tem põe e quem precisa retira", explica. (Foto: Acervo Pessoal) Também nesta manhã, a ONG registrou boletim de ocorrência do furto na 1ª Delegacia (Barris). “Aguardamos que as autoridades competentes investiguem o ocorrido. Enquanto isso, a instituição seguirá firme com o seu propósito social”, diz o advogado Leandro Veneza, que fez o registro na Polícia. 

Em entrevista ao CORREIO, o padre que administra o projeto garante que não vai desistir: vai colocar outro equipamento novamente toda vez que roubarem. "A gente não quer ficar refém dessa violência institucional e deixar de alimentar quem precisa. A fome tem pressa. E, pelo menos aqui em Salvador, são poucos espaços como esse, em que as pessoas podem vir, pegar e deixar alimentos sem burocracia. Não vamos ceder porque uma pessoa agiu de má-fé. Talvez, se tivéssemos mais geladeiras como essa, o cenário fosse diferente. Mas é algo muito estrutural. Se a gente não criar essa cultura, não vai dar certo nunca", afirma Alfredo.

Segundo ele, muitas pessoas de comunidades próximas e moradores de rua já compareceram ao local se solidarizando. "São pessoas muitos sofridas, que são violentadas diariamente, e nem por isso elas deixam de vir. Não é porque eles são pobres que são ladrões. A gente não sabe ainda quem roubou, mas ladrão a gente encontra em várias instâncias. Tem gente que falou que a gente está enxugando gelo, mas a quantidade de pessoas solidárias é muito maior. Acredito que tudo isso é educativo, pra gente aprender". 

Não é a primeira vez Em 2015, a mesma instituição foi responsável por trazer a iniciativa para a capital baiana. Com isso, Salvador foi a primeira cidade do Nordeste a ganhar uma geladeira comunitária no meio da calçada, seguindo os moldes de cidades como Goiânia (GO) e Taubaté (SP), além de países europeus. Poucos dias depois da inauguração do projeto, porém, o equipamento teve o seu motor roubado. 

"Da outra vez arrombaram o portão de ferro da creche e roubaram o motor. A gente deu queixa e reapareceu. Acabou ficando mais um mês, só que um morador desorientado a destruiu. É que antes todo dia a gente colova a geladeira na rua de manhã e tirava de noite. Dessa vez resolvi manter 24 horas para atender à demanda a qualquer hora do dia", explica o padre Alfredo Dórea.

O que encorajou a decisão do padre de retornar com o projeto foi o apoio do coronel da Polícia Militar (PM) José Marcelo Santos Adães, que antes comandava a  2ª Companhia Independente de Polícia Militar (CIPM/Barbalho) e hoje coordena a Corregedoria da PM.

"Quando ele esteve aqui, há 15 dias, me disse que iria dar todo apoio, já que essa rua é bem insegura. Sempre tinha alguém por aqui. Ontem infelizmente não tinha. Mas sei que não dá pra deslocar um policial todo dia pra tomar conta da geladeira", comenta Dórea. 

Kiko Kislansky, sócio-fundador da Euzaria, um das parcerias do projeto lamentou o roubo. "A inspiração que um ato de solidariedade gera é muito mais forte do que a indignação que um ato como esse provoca”. 

O CORREIO tentou contato com Adães, outra parceira do projeto, mas até a publicação desta matéria não obteve retorno.