Um verão invencível; tristeza, às vezes, é pesada feito nuvem

Linha Fina Lorem ipsum dolor sit amet consectetur adipisicing elit. Dolorum ipsa voluptatum enim voluptatem dignissimos.

  • Foto do(a) author(a) Kátia Borges
  • Kátia Borges

Publicado em 9 de fevereiro de 2019 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: .

In the midst of winter, I found there was, within me, an invincible summer

Albert Camus

A espera da chuva me comove. A frase soou como se houvesse proferido uma heresia antes. Falei que um dia de sol faz esquecer que a morte existe. Pensava nisso aquela tarde, caminhando no condomínio, quando a tempestade veio. Tão forte que parecia que o universo inteiro chacoalhava por dentro. A chuva me deprime, pensei em silêncio, adiando alguma intimidade. Não queria contar a ela sobre a casa da infância. Papai amarrando plástico com barbante, abaixo do teto de telhas vãs.

Ficávamos vigiando enquanto a bolha enchia de água, até os olhos não aguentarem. No dia seguinte, mamãe mergulharia as pernas na enxurrada, tentando salvar os móveis. Nada denunciava a minha expertise, quando via famílias que perdem todas as suas coisas. Não havia razão para dizer a ela que fui uma dessas crianças pobres que temem a chuva ou entregar em suas mãos algo que me revelasse.

Uma distância sóbria seria nossa ponte, de preferência tão longa quanto Danyang–Kunshan. Que aquela moça ficasse em Xangai e me deixasse quieta em Nanjing. Mas então ela se aproximou da sacada da casa onde estávamos, por um desses acasos imprevisíveis, porque havia um jardim de inverno, e seus dedos finos desenharam no ar, próximo da minha cabeça, o que imaginei ser uma pequena árvore.

Observava, lá fora, o céu cinzento, certamente comovida. Logo, logo, choveria. Tristeza, às vezes, é pesada feito nuvem. Um retrato sem profundidade. Era assim que desejava que me visse. Foto impressa em papel, apenas imagem. Como um desses perfis que expõem nas redes. Talvez, no verso, uma frase inteligente, um aforismo de Nietzsche, algo que a impressionasse. Tudo menos que soubesse a penúria das janelas de madeira sem vidro, a fragilidade da porta de madeira, cheia de buracos, por onde imaginávamos espreitar-nos algum olho, e os ratos.

Nunca falaria com ela sobre os ratos, sobre como convivera com os ratos na infância. Temia que morresse de medo ou de ternura. Quem sabe o que uma coisa como aquela despertaria? Notei que ela ria, distraída, diante dos primeiros pingos. Um abismo crescia na forma como víamos a aproximação da tempestade.