Uma dupla famosa da mídia fake

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  • Nelson Cadena

Publicado em 15 de outubro de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

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David Nasser e Jean Manzon, repórter e fotógrafo, escreveram algumas das mais brilhantes páginas do jornalismo brasileiro, publicadas na revista O Cruzeiro, escreveram também páginas que hoje chamaríamos de fake News, que envergonham a profissão, ferem a ética; em linguagem rasa, poderíamos denominá-las de picaretagem, em refinado estilo. Nasser e Manzon eram profissionais de muito talento, tinham um carisma que praticamente envolviam e rendiam os personagens que retratavam no magazine, nas décadas de 1940/1950, a maior revista semanal do país. Reportagens da dupla transcenderam a mídia nativa, reproduzidas no Time e em outras publicações estrangeiras.

Nasser foi escritor, compositor e, no jornalismo, diretor da revista O Cruzeiro, após passagens pelo O jornal e O Globo; Manzon, por sua vez, foi um brilhante fotógrafo francês; aportou no Brasil com as credenciais da afamada revista francesa Mach, um mago das imagens, a pessoa certa para viabilizar a reforma editorial e gráfica de O Cruzeiro, implementada a partir de 1943. As reportagens espetaculares e espetaculosas da dupla Nasser e Manzon, duplicaram a circulação da revista e criou a cultura na redação da “fantástica” matéria, a qualquer custo. Mesmo que fosse preciso inventar, ou manipular fatos e forjar situações.

Valia tudo para impressionar os leitores. Reportagens de grande sucesso editorial como a série amazônica e a da vida dos monges budistas que meditavam não passavam de fake-news. As fotos dos jacarés que ilustraram a série Amazônica, muitos anos depois foi revelado, tinham sido tiradas no zoológico da Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro. E a dos monges tibetanos, estes, cujo rosto a reportagem esclarecia, com todo o mistério, não podia ser mostrado, eram amigos da dupla, vestidos a caráter com roupas encomendadas.

Ninguém, naquele tempo, imaginava que algumas das reportagens de capa eram deslavados fake-news. Quando não molecagem, como a do atropelo e morte de Manzon que ressuscitou para pousar, brindando a vida com um copo de uísque, entre as dezenas de coroas de flores enviadas pelas maiores autoridades do país, amigos e admiradores. Uma das façanhas da dupla foi convencer o deputado Barreto Pinto a pousar de cuecas e smoking com argumentos supostamente técnicos, garantiram-lhe que seria publicada da cintura para cima. Foi publicada na integra, e o parlamentar entrou para história como o primeiro político do Brasil a ter o mandato cassado por falta de decoro.

Não se sabe ao certo quantas das reportagens famosas da dupla que venderam centenas de milhares de revistas foram forjadas em parte, na narrativa, ou nas imagens. O prestígio deles lhes garantia fontes anônimas preciosas, que Manzon estimulava presenteando-as com belos retratos de sua lavra. Conseguiam milagres como o de convencer o médium Chico Xavier, a se deixar fotografar tomando banho em uma banheira. A dupla era estimulada pelo dono da revista, Assis Chateaubriand, que inventava notícias contra seus adversários como a do arcebispo de Minas que teria estuprado a irmã. Detalhe: ele não tinha irmã. 

Nelson Cadena é publicitário e jornalista, escreve às quintas-feiras.