Uma noitada boa

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  • Flavia Azevedo

Publicado em 9 de setembro de 2017 às 17:16

- Atualizado há um ano

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Uma das noites de festival de cinema idealizado por uma mulher, produzido por uma equipe de maioria feminina, numa cidade fêmea do Recôncavo baiano. Mulheres circulando sozinhas, sem medo. Mulheres dançando sem sutiãs, deliciosamente livres de convenções. Cabelos grisalhos, roxos, castanhos, curtos, longos, cabeças femininas raspadas sem dó. Mulheres gordas, magras, jovens e velhas, todas lindas e donas de si. 

Eu soube: um casal hétero começa uma briga feia. Mulheres se aproximam: ela não vai apanhar. E não apanhou. O rapaz trans me abraça: "que bom te ver aqui!". Sim, que bom me ver aqui e ser delicadamente corrigida quando me refiro a ele usando um pronome feminino. "É que o conheci quando ainda era menina", tento me justificar. Outra porrada: "você o conheceu quando ainda estava num corpo feminino". Exatamente! Obrigada, moça do batom vermelho. É isso aí.

Moças desejando moças, rapazes desejando rapazes, homens e mulheres se desejando mutuamente e eu de olho no gordinho de coque que não parecia se interessar por ninguém. Desencano e viajo na história de uma outra mulher que, em 12 horas, se mudou de Campina Grande pra cá. Em poucos minutos, me sinto à vontade pra contar a minha própria biografia e, me escutando falar, sentir orgulho de mim. Ela é foda. Eu sou também.

Com uma outra recém conhecida, papo longo sobre mães, filhos e pais. A cada frase, a confirmação de que estamos no mesmo barco. Eu, ela, a personagem do documentário que passou no festival e todas as outras mulheres que têm filhos, amam os filhos, mas não gostariam de segurar tanta onda sozinhas. A gente também quer fazer ioga, correr na praia, namorar, fazer doutorado e tomar umas como se não houvesse amanhã. A gente vai chegar lá. Por enquanto, o consenso: a imensa maioria dos pais se comporta de forma abaixo do aceitável. É fato. Também acho. Rimos e fomos circular. Minha amiga comemora o novo apê, onde vai morar sozinha. A outra, vai casar com uma moça e anda feliz da vida. Era uma mulher que vendia as cervejas. E eram três mulheres juntas que discutiam a solução de algum problema em uma das projeções. 

Há oásis. E eles podem estar em pequenas cidades, em praças mal iluminadas, em biroscas que nunca fecham. Na noite passada, eu estive em um. Bebi a água fresca da cumplicidade entre mulheres, sentei à sombra das mulheres que protegem umas às outras e vi como podemos ser lindas quando circulamos sem medo de ir e vir. Quando a outra, mesmo estranha, é porto seguro. Quando não é preciso conhecer o indivíduo pra dizer "tô contigo" porque só garantindo a segurança de todas, podemos exercer a nossa liberdade individual.

Terminei a noite feliz da vida, leve e me sentindo em casa. Mas, na hora de pegar o carro, a conhecida paúra, o velho medo de estupro e assalto. "Me olha de longe, cuida de mim", eu pedi à amiga que, lá do começo da rua, me garantia que eu não estava sozinha. E eu não estava mesmo. Nenhuma de nós precisa estar nunca mais. (Mulheres unidas, beleza sem fim)