Uma tragédia fatiada: Quando o rodízio dá indigestão

Senta que lá vem...

  • D
  • Da Redação

Publicado em 25 de abril de 2018 às 21:37

- Atualizado há um ano

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Era Domingo e eu li, espantada, em letras garrafais na página de um portal de notícias, a manchete: "Padrasto que guardou corpo do menino de 2 anos no freezer foi preso por tráfico de drogas". Por um minuto vi sangue escorrendo naquelas letras e fiquei tentando entender como era possível que já não estivesse preso. E antes que o espanto arrefecesse (na medida do possível), vi outra manchete tão assustadora quanto a anterior. Com o título medonho "Vai ter rodízio de padrasto sim", a coluna neste jornal comprovou o ESGOTO MORAL no qual o Brasil está afundado, um esgoto que nos espanca e espanta, diariamente. 

O texto, que eu denominaria "RODÍZIO DE ESTUPIDEZ AO MOLHO DE PALAVRAS CHULAS ", é uma coisa assombrosa. A autora do texto esquece- se de pensar nas consequências das ideias que defende e as lança por aí. Mas a realidade é uma dama impiedosa e existe para lembrá-la que 88% dos casos de violência sexual infantil ocorrem no círculo próximo da vítima. Isso é apenas uma parte cruel da tragédia. 

Vou abrir um parêntese para aliviar um pouco: Nem tudo foi espanto no Domingo. Vi, numa rede social, a imagem de um bolo de aniversário com o tema do desenho Frozen, em cima dele 3 velinhas indicando a idade de 103 anos e letras com o nome da aniversariante: princesa Elza. Ao lado, uma foto da princesa com uma linda coroa nos seus cabelos cor de neve. Não vou precisar fechar os parênteses. A imagem da senhorinha vestida de princesa entra no contexto. Não é necessário explicar muito para entender que aquela mulher tem uma família que lhe faz Princesa. E que isso levou 103 anos de uma costura invisível, mágica, dos laços que os unem. São os laços. Não se nasce e "pronto! O amor e respeito estão criados!" É todo um remendo do tecido amoroso. E esta costura se firma através do tempo, dos cuidados, do afeto, da prudência. 

No texto do rodízio há o avesso desta arte da costura. Num trecho, a autora relata um diálogo com seu filho: - " Mamãe, ele é o quê meu?", ele me perguntou quando entendeu, pela primeira vez, que eu tinha um namorado. "Nada", eu respondi e essa é a mais pura verdade." Deveria ser uma obviedade. Se é NADA, se laços não são criados e cultivados, então se abre espaço para que se possa fazer tudo, já que inexiste a costura do tecido que ajuda os humanos a terem responsabilidades e respeito aos outros. 

E não sou quem diz isso. É, de novo, ela. A inescapável Realidade, esta rainha que a depender das ideias que são defendidas e postas em prática se torna uma Rainha Maléfica. A estrutura social patológica nos âmbitos domésticos (como a alternância constante dos parceiros) é um vetor da delinquência infanto-juvenil em qualquer país que tenha coragem suficiente para analisar as estatísticas fora da prisão do politicamente correto. E esta é uma outra parte da tragédia que vem sendo alimentada com discursos irresponsáveis, como o da colunista. 

A distância entre quem pode, por exemplo, pagar uma babá para tomar conta de seus filhos enquanto faz um "rodízio de padrastos" e a maioria dos lares monoparentais do país é imensa e são justamente estes últimos, os mais pobres e vulneráveis, quem arcam diretamente com a defesa do tal rodízio. Mais uma parte trágica (fatiei a tragédia para ser menos indigesta) que traz consequências nefastas é o elogio à fuga da responsabilidade individual. Não há responsabilidade maior do que formar o caráter e a imaginação moral de um filho.  Se ensina-se a eles que os apetites individuais estão acima de tudo, se não há exemplos de impor-se limites, as consequências fatalmente serão adultos irresponsáveis, sem respeito ao próximo, frágeis e autoindulgentes, como comprovou em seus livros o psiquiatra britânico Theodore Dalrymple (pseudônimo), após muitas décadas clinicando em presídios. O meu espanto fica ainda maior quando verifico que batem palmas para este legado obsceno que estão criando. " Vai ter rodízios de padrastos" disse a colunista. 

Eu digo: - Ok. Mas vai ter resposta além das consequências inequívocas e nefastas que isso causa no Tecido Social. A minha. Mãe de Beatriz, 39 anos, solteira, independente e que não vive no reino da " Lacrolândia".

Texto publicado originalmente no Facebook