Vale do Dendê busca criar polo tecnológico com identidade local

Grupo reúne empresas inovadoras e fornece apoio para que elas cresçam

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  • Fernanda Santana

Publicado em 22 de abril de 2018 às 11:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Betto Jr./CORREIO

Maili Santos, 33, criou estudio de maquiagem especializado em pele negra (Foto: Betto Jr./CORREIO) O publicitário Paulo Rogério Nunes, 37 anos, estava de frente para Gilberto Gil quando largou, de súbito: “Eles têm o Vale do Silício, e nós temos o Vale do Dendê”. Os outros de quem Paulo, recém-egresso dos Estados Unidos, falava eram os norte-americanos. Nós: a Bahia e os baianos. Era fecundado ali, na gravação do documentário Viramundo (2013), dedicado à obra de Gil, o embrião do Vale do Dendê.

A criação ocorreria somente em dezembro de 2016 com propósitos definidos: impulsionar a criatividade local, profissionalizá-la, agregar uma Salvador ainda tão desagregada.

Quando se despediu de Gil, Paulo ainda assimilava todo o aprendizado adquirido na Universidade de Maryland, nos EUA, onde recebeu uma bolsa para estudar Jornalismo e Novas Mídias, de 2011 a 2013. Sabia da inexperiência de Salvador no mercado formal de inovação e tecnologia. Covardia comparar com terras nortenhas.

Mas destemida era, e é, a vontade de mudança de Paulo, cria do bairro do Alta da Terezinha, no Subúrbio Ferroviário.“Tinha a missão de falar mais de inovação aqui na minha terra. De tornar a exceção à regra”, conta.O publicitário, primeiro de sua família a cursar uma faculdade, perguntou ao pesquisador da temática sociorracial no Brasil, Hélio Santos: “o projeto faz sentido?”. “Todo o sentido”, teria respondido o doutor em Administração pela Universidade de São Paulo (USP), já que, a partir daí, o projeto ganhou forma. Uniram forças a Ítala Herta, pesquisadora independente da cultura periférica e relações públicas, e ao jornalista Rosenildo Ferreira, e criaram o Vale do Dendê.

O nome escolhido faz uma referência bem-humorada ao Vale do Silício, na Califórnia, onde estão situadas empresas de alta tecnologia, principalmente nas áreas de circuitos eletrônicos e de informática.“Mas a gente não quer ser Vale do Silício, não precisamos imitar. Nós temos soluções aqui em Salvador que podem surpreender até o Vale do Silício. Tem coisas que só vão funcionar aqui. E vice-versa”, explica Paulo.Primeiros movimentos Na prática, o Vale do Dendê reúne startups – empresas inovadoras e iniciantes com poder de escala – e investe no crescimento de cada uma delas a partir de cursos de capacitação e oficinas.

O projeto está na fase inicial da chamada Aceleração: 30 empresas de uma lista 107 inscritos no edital lançado pelo grupo, em janeiro deste ano, foram escolhidas para participar do processo. Em maio, 10 delas serão escolhidas para o período de aceleração, quando ocorrem consultorias mais personalizadas.

O impacto social dos projetos é uma das preocupações do Vale, patrocinado por fundações privadas. O ecossistema soteropolitano, acredita Ítala, é desequilibrado. E a organização atua justamente no intuito de equilibrá-lo. “É um projeto muito potente ao evidenciar, muitas vezes, narrativas invisibilizadas. Um grande arranjo de interesses, olhando o futuro, revendo memórias”, diz.

Maili Santos, 33, é uma das participantes que, tantas vezes, lutou pela visibilidade profissional. A maquiadora, criadora do estúdio móvel MS, pretende incentivar a autoestima por meio da maquiagem. Sobretudo a de mulheres negras, muitas vezes sem produtos adequados para seus tons de pele. “O mercado também é muito difícil. Além do serviço, é preciso conhecer muita gente, se comunicar”, conta. Mas Maili segue: apesar do preconceito enfrentado por ser cadeirante, sabe que não pode desistir.“Eu nunca gostei dessa coisa: ‘ah, você tem uma limitação, se limite a ela’. Eu não me limito, eu corro atrás”, diz.E de tanto procurar, encontrou o Vale do Dendê. “O coração está a mil. Cada passo é uma falta de ar. Isso tudo me faz sonhar”, divide. Ao lado de Maili, estão universos completamente, incentivos para sua trajetória.

Salvador Hight Tech Engenheiro mecânico, Henrique Viana, 24, aposta na tecnologia de um alarme inteligente para veículos. “Se tentaram arrombar a porta do seu veículo, você pode rastrear seu veículo, por exemplo. Já estamos trabalhando em outros dispositivos e o networking é fundamental”, conta o sócio da Interakt. Junto aos três sócios, Victor Vilas Boas, Lucas Freitas e Victor Reis, Henrique viu o dispositivo ganhar dois prêmios de inovação: da Renault e do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea).

Antes, o grupo de jovens empresários tinham poucas alternativas de interação, lembra Henrique. “Agora, ficamos próximos de negócios diferentes, é algo que movimenta nosso ecossistema”, afirma. O mundo dos games também está representado. Há 7 anos, Ricardo Silva, 36, criou o Gamepolitan, feira de jogos eletrônicos. Adentrou um universo pouco desbravado em Salvador e ganhou, de resposta, uma resistência da própria família.

Hoje, o projeto, guiado com apoio do sócio Caio Portnoi, é o maior do segmento nas regiões Norte e Nordeste. Na última edição, em 2016, foram seis mil pessoas reunidas no Centro Universitário Jorge Amado. Com o Vale, pretendem levar a iniciativa para os interiores baianos. “Queremos atingir pessoas que estão longe. Mexemos com o cunho social e empreendedor”, torce Ricardo.

A diversidade é a marca dos negócios, de Maili a Ricardo. “Isso porque não existe inovação sem diversidade. Alguns se atentaram para isso. Muitos não se atentaram. É nossa prioridade. É isso que te dá uma visão de mundo e não do próprio umbigo”, comenta Ítala. O Vale ainda vira Salvador. E virado será o mundo.