Venezuelanos: conflitos em Roraima aumentam impasse sobre refugiados

Depois de protestos, procurador pede que governo feche fronteira para imigrantes

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  • Da Redação

Publicado em 21 de agosto de 2018 às 02:59

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Estadao Conteúdo

O destino de milhares de Venezuelanos que buscam um refúgio no Brasil, através do estado de Roraima, continua incerto. O governo do estado anunciou, ontem, que ingressou com nova ação na Justiça para conter o fluxo migratório por meio da fronteira com a Venezuela, localizada no município de Pacaraima. O pedido de urgência foi protocolado no Supremo Tribunal Federal (STF) e solicita a suspensão temporária da migração de venezuelanos por essa fronteira. O procurador-geral do Estado de Roraima, Ernani Batista dos Santos, disse, ontem, que a ação pede também que o processo migratório seja em forma de “cotas de refugiados”, distribuindo os imigrantes entre as 27 unidades da federação. “É preciso que o governo federal chame para as discussões todos os estados brasileiros para que esse processo de interiorização seja ampliado”, afirmou. Ele reforça que essas medidas foram a saída encontrada pelo Executivo estadual diante dos graves conflitos ocorridos no último sábado, quando a população do município de Pacaraima expulsou venezuelanos de barracas e abrigos e atearam fogo a seus pertences, além de realizar um protesto para impedir a entrada de novos imigrantes na cidade.Conflito O confronto aconteceu após um comerciante local ser assaltado e espancado em casa supostamente por quatro venezuelanos, na sexta-feira passada, provocando revolta nos moradores. Também irritou a população a falta de uma ambulância para socorrer o comerciante, que ao final foi atendido no hospital local e encontra-se estável.  O prefeito da cidade, Juliano Torquato, disse que a situação ainda não está controlada e que, segundo sabe, venezuelanos continuam a ser perseguidos para fora de Pacaraima. “Lamentamos muito que isso esteja ocorrendo, mas não foi por falta de aviso. Ficamos tristes pelo lado dos venezuelanos, a gente sabe a situação difícil deles, mas infelizmente entram [no Brasil] essas pessoas que não têm boas intenções”, disse Torquato à Agência Brasil.Força Nacional  Anteontem, o presidente Michel Temer se reuniu com ministros e definiu algumas medidas emergenciais para a região de Roraima. De forma imediata, serão enviados 120 homens para a Força Nacional e 36 voluntários da área da saúde, que atuarão em parceria com hospitais universitários. Os homens irão para Roraima em duas etapas: inicialmente, 60 e depois mais 60, ainda sem data definida, o que totaliza 151 homens da Força Nacional em Pacaraima, com os 31 que já se encontram no estado. Paralelamente a isso, será realizado o ordenamento da fronteira, com controle e triagem adequados, e com a ampliação da presença da União nas áreas social e de segurança. O governo federal também prometeu construir dez abrigos para os imigrantes. Segundo as autoridades, dois estão em fase de conclusão. Também haverá um esforço para encaminhar os imigrantes para outras regiões do país – a chamada interiorização. Descrente, a governadora de Roraima, Suely Campos (PP), disse ontem que as medidas anunciadas pelo governo federal já tinham sido solicitadas pelo governo estadual desde 2016.  “As medidas anunciadas ontem [anteontem] pelo presidente Michel Temer são as mesmas que solicito há mais de dois anos, exigindo que o governo federal assuma sua responsabilidade na crise migratória venezuelana em Roraima”, escreveu no Twitter Segundo Suely, há pelo menos um ano,  ela pediu também ao governo federal autorização para o emprego de tropas militares para reforçar a segurança, com a expedição de um decreto federal para garantia da lei e da ordem (GLO).Fronteira O primeiro pedido feito pelo governo de Roraima para conter a entrada de imigrantes venezuelanos em território brasileiro foi negado no dia 6 de agosto pela ministra Rosa Weber, do STF. Ontem, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Sergio Etchegoyen, afirmou que o fechamento da fronteira entre Brasil e Venezuela é “impensável”. “Fechamento da fronteira é impensável, porque é ilegal. A lei determina o acolhimento de refugiados e imigrantes nessa situação”, disse Etchegoyen. “É uma solução que não ajuda em nada a questão humanitária”, completou o ministro.  Em meio a esse impasse, venezuelanos voltaram a buscar refúgio em Pacaraima, ontem. De acordo com a Agência Estado, o posto de triagem destinado ao controle de imigração estava realizando as vacinas e demais procedimentos necessários para entrada de venezuelanos em solo brasileiro.Repercussão A crise imigratória ganhou destaque nos principais jornais internacionais. O americano The New York Times publicou: “Moradores de cidade de fronteira do Brasil atacam acampamento de imigrantes venezuelanos”. O francês Le Monde disse que “Acampamentos de imigrantes venezuelanos são atacados no Brasil”. Já o espanhol El País analisou que o “Êxodo da Venezuela e Nicarágua provoca surtos xenófobos na região”. A BBC de Londres chama de crise a atual situação do estado de Roraima na reportagem “Crise na Venezuela: Brasil desdobra tropas após ataques de migrantes”. O secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luís Almagro, divulgou, ontem, documento em que solicita uma reunião de urgência do Conselho Permanente da instituição, no prazo máximo de duas semanas, para que se debata a crise migratória na Venezuela.

 Maduro muda moeda para tentar conter crise  Os colapsos político, econômico e social que vive a Venezuela ganharam mais um capítulo ontem com a chegada das novas cédulas de bolívar sem cinco zeros que entraram em vigor. Essa é a primeira medida de um questionado plano de reforma econômica do presidente Nicolás Maduro ante uma crise devastadora que levou milhões de venezuelanos a abandonar o país. A economia venezuelana foi atingida por uma hiperinflação projetada de 1.000. 000% para 2018 pelo FMI. Ontem,o comércio - que ficou fechado no último fim de semana - abriu as portas aos poucos e os caixas eletrônicos começaram a entregar as novas notas. “Todos estamos na mesma. Esperando para ver o que vai acontecer”, declarou à AFP María Sánchez, comerciante de 39 anos, depois de fazer um saque. Maduro, confrontado com uma enorme insatisfação popular, garante que a emissão de novas cédulas será o ponto de partida para “uma grande mudança”. A maior nota será de 500 bolívares (cerca de sete dólares no mercado negro). No entanto, os especialistas consideram inviável um programa que inclui um aumento do salário mínimo de quase 3.500% a partir de 1º de setembro, um novo sistema cambiário que resultará numa maxidesvalorização e altas do combustível e impostos. Maduro anunciou que o governo assumirá por 90 dias o aumento salarial que  as pequenas e médias empresas deverão realizar. “É uma coisa de louco”, declarou à AFP Henkel García, diretor da consultora Econométrica, ao considerar que o reajuste dos salários implicará um novo aumento da massa monetária, raiz da hiperinflação. Com uma indústria do petróleo em queda vertiginosa e sem financiamento internacional, o acesso a dinheiro fresco é inviável. A produção de petróleo - fonte de 96% das receitas - desabou de 3,2 milhões de barris diários em 2008 a 1,4 milhão em julho do ano passado, enquanto que o déficit fiscal se aproxima dos 20% do PIB, segundo consultoras privadas. “Se você mantém o déficit e a emissão desornada de dinheiro para cobrir esse déficit, a crise continuará se agravando”, destacou o economista Jean Paul Leidenz à AFP. A nova emissão chega apenas 20 meses depois que o governo lançou cédulas de alta denominação, diluídas pela inflação e a desvalorização acelerada. A reconversão da moeda feita ontem é a segunda em uma década, depois que o falecido presidente Hugo Chávez (1999-2013) eliminou, em 2008, três zeros da moeda e criou o “bolívar forte”, que agora se chama “bolívar soberano”. A aplicação do programa de Maduro coincide com graves tensões migratórias e o êxodo em massa de venezuelanos. A ONU avalia que 2,3 milhões de venezuelanos imigraram para fugir da crise.