Vida da baiana Monique Evelle é contada em Os Originais, da Netflix

Episódios contam histórias reais e inspiradoras; ativista social prepara livros para 2019

Publicado em 29 de dezembro de 2018 às 06:12

- Atualizado há 10 meses

. Crédito: Divulgação
Adryelle Bispo Peixoto

Aos três anos, ela escreveu seu nome. Com cinco, já lia e escrevia. Aos oito, ganhou da mãe um livro que contava a história de uma professora e descobriu um dos seus propósitos: ensinar. Com dez anos, Monique Evelle, 24 anos, já ajudava crianças do Nordeste de Amaralina, bairro onde nasceu e cresceu, em Salvador, a ler e escrever. Aos 16, criou a ONG Desabafo Social para ajudar moradores da comunidade a tirar seus sonhos do papel. Nem fazia ideia que aquilo era empreender.

“O que a gente chama hoje de empreendedorismo a periferia sempre chamou de sobrevivência”, afirma a empreendedora e ativista baiana, que hoje gere diferentes negócios sociais como a Desabafo Social, impactando milhares de pessoas pelo país. Carregando as causas de raça e gênero consigo, Monique é considerada uma das novas vozes do feminismo negro do Brasil. Ela também é dona da Evelle Consultoria, empresa de curadoria, consultoria e gestão de imagem pessoal e já foi reconhecida pela revista Forbes como uma das 30 jovens que estão fazendo a diferença no mundo. (Foto: Divulgação) Sua história de resistência, luta e uma dose de empreendedorismo é uma fonte de inspiração para muitas pessoas. A vida dela é tão surpreendente que já foi retratada em um episódio da série Os Originais, da Netflix, lançada em 20 de novembro deste ano. Com três episódios - dois já disponíveis - a produção criada pela agência AKQA, especializada em produtos digitais, e dirigida por Douglas Bernardt, foi feita exclusivamente paras as redes sociais da plataforma de streaming. Assista ao episódio abaixo."Acho que meu trabalho é fazer pontes entre o que a periferia tem a dizer e o que as pessoas que tomam decisões precisam ouvir", afirma no documentário. "Meu trabalho é ouvir e dar voz às pessoas que não puderam se expressar como eu pude", complementa. No primeiro episódio, que tem um pouco mais de cinco minutos, conhecemos a história da jovem que, sem referências negras na infância, foi incentivada a correr atrás dos seus sonhos e hoje ocupa um lugar no qual consegue ter certa visibilidade e ampliar vozes de outras pessoas da periferia. (Foto: Luiza de Castro/Divulgação) “Recebi um email da agência e não acreditei. Em uma semana, já estávamos gravando. Foi massa acompanhar os bastidores e opinar em tudo. Já conhecia e admirava o trabalho de Vaneza Oliveira (atriz que dá vida à personagem Joana na série 3%), que me interpretou adulta e a Luana Vitória me fez pequena. Ela tem seis ou sete anos e mora na minha rua, lá no Nordeste”, contou a jornalista em entrevista ao CORREIO. Luana Vitória interpreta Monique (Reprodução/Netflix) Representatividade Apesar de se dividir entre São Paulo e Salvador e de não morar mais no bairro há cerca de dois anos, a empreendedora sempre está por lá. “Conheci Luana pequenininha. Mas ela achava que a Monique que ia fazer não existia. Quando ela entendeu que era eu e que eu era de lá, foi muito legal”, lembra.

Assim como Monique, Luana é preta, tem cabelo crespo e também se depara com poucas referências no seu dia a dia. Para a ativista, isso só reforça a importância de estar sempre por lá e por outras comunidades. “Têm crianças lá que me viram adolescente e precisam saber que existem oportunidades. Todo mundo conhece da criminalidade que tem Nordeste. É foda porque, se deixar, o crime ganha. Minha missão é não deixar o crime prevalecer. Vamos tentar mudar um pouquinho a ótica porque só ver tragédia adoece, paralisa. A diferença é que comigo não paralisou. Mas outras mulheres negras são silenciadas diariamente. Porque a opressão paralisa”, afirma ela que também foi repórter do Profissão Repórter, da Rede Globo. Vaneza Oliveira interpreta Monique adulta; atriz que dá vida à personagem Joana na série 3% (Foto: Reprodução/Netflix) Tudo começou em Salvador, diariamente, com mulheres como sua mãe, avó e tias - que também são representadas no documentário – e são até hoje grandes exemplos. “O jogo é muito escroto e o feminismo me dá uma possibilidade de continuar existindo. É uma coluna vertebral”, resume.

Aparecer nas telas da Netflix, da Globo e nas principais publicações do Brasil, para ela, tem um significado especial. Afinal, a gente quer ver gente como a gente em todos os lugares. “Representatividade importa, claro, mas não pode ser só Monique Evelle. Gosto de falar sobre proporcionalidade. A partir do momento que exaltamos uma pessoa – o que é massa – temos que levantar outros também”, pontua.  Em 2017, ela atuou como repórter no semanal da Globo, no Profissão Repórter (Foto: Reprodução/Instagram) A jovem cita o conceito de lugar de fala, da filósofa e ativista Djamila Ribeiro – sua amiga-irmã desde 2013 – para falar sobre o silenciamento das consideradas minorias políticas. “As pessoas precisam entender que atrás do lugar de fala existe o lugar de escuta. Não é porque eu sou preta e periférica que tenho que falar 24h por dia. Isso é diferente de ser silenciada. Silenciamento é opressão. Saber o momento de ficar em silêncio é ampliar vozes. Hoje, que estou em cargos interessantes, posso ressoar vozes de outras pessoas. Quero ser uma grande caixa de ressonância”, destaca.

Por isso, ela faz questão de citar algumas pessoas que formam o seu bonde - que vieram da sua comunidade – e contribuem para quebrar os estereótipos do bairro: a Miss Brasil Adryelle Bispo Peixoto, 18 anos; a atriz Ayana Amorim, que estrela o clipe Baiana, de Emicida; e o designer e produtor Maurício Sacramento, 23, um dos criadores da festa Batekoo, que virou febre em São Paulo.

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Livros Após passar três meses visitando Vale do Silício, nos Estados Unidos, e três meses escutando histórias e conhecendo projetos criados nas periferias do Brasil – que ela chama de vale do silêncio – em 2018, Monique pretende continuar aprimorando suas empresas em 2019 e se prepara para lançar dois livros. 

“Um deles vai sair pela coleção Feminismos Plurais, da Djamila e tem como título O que é Empreendedorismo?. Quero que minha linguagem seja acessível para todo mundo. Tem como foco empreendedores, incluindo ambulantes, manicures, desempregados. Ou seja, a maioria do Brasil. O outro ainda não tem um nome e vai ser uma espécie de ‘Monique sincerona’, com dicas e conselhos para mulheres e empreendedoras”, antecipa.

Assista ao minidoc:

No fim do episódio, é possível conhecer outros grandes exemplos de personalidades negras, todas com documentários na Netflix. A primeira é Nina Simone, cantora negra que nasceu nos Estados Unidos e lutou no movimento pelosdireitos civis. A artista, que influenciou cantores de todo o espectro musical - de Bono a John Lennon, de Kanye West a Antony and the Johnsons, passando por Christina Aguilera - morreu em 21 de abril de 2003.

Outro exemplo é Quincy Jones, de 85 anos, lendário produtor musical americano que trabalhou no álbum mais vendido de Michael Jackson, Thriller, de 1982. Por fim, o episódio apresenta Dr. Dre, rapper americano que foi figura de destaque na efervescente cena cultural dos anos 1980 e 1990.

Em postagem no Facebook, Monique comentou sobre sua participação no projeto. “Sobre as dores, lembrei das vezes que cada colega que morava na minha rua falava do meu cabelo, mesmo eu pedindo para parar. Das vezes que me chamavam de metida porque ao invés de brincar de segunda à sexta na rua, estava estudando. Lembrei também do dia que errei num trabalho específico e me disseram que não adiantava nada continuar empreendendo. Ali, eu realmente parei e cheguei a duvidar do meu trabalho. Não pelo erro, porque empreender é isso também, mas como as palavras têm o poder de nos paralisar. Foi por pouco. Mas estou aqui“, afirma.

Em nota, a Netflix afirma que “Originais são aqueles que quebram estereótipos, escrevem suas próprias histórias, autênticas e inspiradoras“. 

O segundo episódio, lançado no último dia 19, traz a história de Dackson Mikael, jovem de Teresina, no Piauí, que desde de 2015 se transforma na drag queen Chandelly Kidman para alegrar crianças com câncer no Hospital São Marcos. "Eu não sei de onde veio tanta força para querer ser bicha aqui no nordeste", diz.

Cercado, desde a infância, por frases comumente disseminadas pela sociedade em que o menino é estimulado 'a ser homem', ele afirma ter uma super poder ao realizar sua performance. "Me ajuda a vencer o proconceito, me ajuda a me expressar, levar alegria para as pessoas. Para mim, é pura arte, e muito de autoafirmação."

Movido pelo amor, Chandelly Kidman ocupa um espaço que, geralmente, as pessoas não imaginam que uma drag queen pode estar. Para ela, essa transformação "foi muito importante, [para] entender que eu precisava me amar desde muito cedo. Não existe outra coisa que me mova a não ser o amor, foi o maior poder que foi direcionado a mim: poder me amar e amar outras pessoas". O episódio também apresenta outras três histórias de jovens heróis reais a serem celebrados, com produções na Netflix: Joshua: Teenager vs. Superpower, The White Helmets e Heroin(e).

O terceiro episódio da série tem previsão para estrear em janeiro.