'Violência contra a mulher ainda é uma triste realidade', diz Nathalia Dill

No ar como a feminista Elisabeta, atriz fala sobre igualdade de gêneros

  • Foto do(a) author(a) Laura Fernades
  • Laura Fernades

Publicado em 17 de junho de 2018 às 06:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: .

Ela pediu o namorado em casamento, perdeu a virgindade antes de consolidar o matrimônio e mergulhou no trabalho de jornalista. O perfil pode até soar comum quando se pensa na mulher do século XXI, mas estamos falando de uma figura que balançou a sociedade do início do século XX. À frente do seu tempo, a personagem Elisabeta (Nathalia Dill) se destaca na trama da novela Orgulho e Paixão por quebrar tabus e alimentar o debate feminista.

“Elisabeta, mesmo sendo de outro tempo, está tão próxima de mim”, reflete a atriz carioca Nathalia Dill, 32 anos, que dá vida à personagem empoderada da novela das seis da Globo/TV Bahia. “Sou feminista”, justifica a atriz, em entrevista ao CORREIO. No papo, Nathalia fala sobre essa mulher empoderada que saiu de casa cedo, começou a trabalhar, teve a “coragem de negar o pedido de casamento do homem que ama porque queria outras coisas” e depois voltou atrás e pediu esse mesmo amor em casamento.

Em cartaz no cinema com o filme Talvez uma História de Amor, Nathalia fala sobre a experiência de interpretar a personagem marcante que luta pela igualdade de gêneros, conversa sobre suas inspirações femininas e sobre o feminismo. “Estamos caminhando para termos mais igualdade, mas o caminho ainda é longo”, aponta. “Violência contra a mulher ainda é uma triste realidade”, cita. Confira a entrevista completa.

Você interpreta uma mulher forte que se destaca cada vez mais em Orgulho e Paixão. Como é a experiência de viver essa mulher que quebra todos os tabus? É uma experiência maravilhosa. Elisabeta, mesmo sendo de outro tempo, está tão próxima de mim, de alguns aspectos da minha realidade hoje. Assim como ela, sou uma mulher que luto por igualdade, que também busco uma transformação. Mesmo que as situações que experimentamos sejam diferentes, acho que nos aproximamos nessa inquietude, nessa vontade de mudar as coisas e de não se calar quando vê algo com que não concorda.

O que está por vir na história de Elisabeta? Eu sou surpreendida a cada vez que pego o roteiro. Fico curiosa para saber o que os autores vão fazer em seguida com Elisabeta. Ela já saiu de casa e mudou de cidade, começou a trabalhar, teve coragem de negar um pedido de casamento do homem que ama porque queria outras coisas, propôs casamento a esse mesmo homem [Darcy, interpretado por Thiago Lacerda]... Não tem como prever o que vem por aí. Só tenho certeza de que continuará sendo uma história deliciosa de contar. Elisabeta (Nathalia Dill) pediu a mão de Darcy (Thiago Lacerda) em casamento (Foto: Estevam Avellar/TV Globo) Quais foram as suas principais inspirações para interpretar Elisabeta? As mulheres são uma inspiração. Se pararmos para pensar, Elisabeta representa um pouco das mulheres que não se calam, que lutam por igualdade, que não querem mais ficar nos lugares em que querem colocá-las. Essa luta foi grande inspiração. Aliás, não só para a personagem, mas tudo isso me inspira como mulher também.

Na curiosa entrevista que você mesma fez com a personagem, você destaca que “as mulheres ganharam vários direitos”, apesar dos retrocessos. Quais são as principais dificuldades que as mulheres enfrentam nos dias de hoje? Posso começar, por exemplo, pela diferença salarial. Homens e mulheres que desempenham a mesma função nem sempre (quase nunca, na verdade) ganham o mesmo salário.Mulheres ocupam menos cargos de chefia. Violência contra a mulher ainda é uma triste realidade. Estamos caminhando para termos mais igualdade, mas o caminho ainda é longo.Você postou uma homenagem a Marielle Franco em suas redes sociais e destacou que ela era uma “mulher forte, defendia causas justas, estava sempre à frente das lutas mais importantes”. Precisamos de mais figuras femininas assim? Com certeza, precisamos. As mulheres devem ocupar os espaços públicos, os espaços de debate. Na política, infelizmente, ainda temos poucas mulheres. Precisamos de pluralidade para o debate. E não podemos esquecer que representatividade importa. Quanto mais as meninas virem mulheres como referência para si, mais elas entenderão que podem ser o que quiserem, que podem estar em qualquer lugar e fazer qualquer coisa.

Quais mulheres brasileiras você destaca? De que forma elas contribuem com o fortalecimento feminino? Djamila Ribeiro, Taís Araújo, Maria Carolina de Jesus, Elza Soares, Fernanda Montenegro, Leila Diniz, Maria Diniz, Maria Lenk, Maria Ester Bueno, Tarsila do Amaral, Pagu... Essas mulheres são inspiração para a gente continuar lutando por uma sociedade mais igualitária, elas mostram que é possível fazer a diferença.

Outra postagem sua que chamou a atenção foi a que você destacou o direito do voto feminino e pediu “por mais mulheres na política”. Por que ainda é necessário destacar isso, nos dias de hoje? Porque ainda não temos muitas mulheres na política. E ter só homens decidindo sobre pautas nacionais não é um bom indicativo, já que metade da população é composta por mulheres. O Congresso, de fato, não é um retrato da população, se pararmos para pensar. Tem muita gente que ainda acredita que à mulher cabe cuidar do privado, mas acho que já avançamos bastante e mostramos que ela pode e deve estar nos espaços públicos, discutindo, debatendo, pensando soluções.Ainda não temos muitas mulheres na política. E ter só homens decidindo sobre pautas nacionais não é um bom indicativo, já que metade da população é composta por mulheres. O Congresso, de fato, não é um retrato da populaçãoVocê se considera feminista? De que forma coloca isso em prática no seu dia a dia? Sim, eu sou feminista. Feminismo é a luta por igualdade entre homens e mulheres. Eu defendo isso. Eu coloco isso em prática no meu dia a dia lutando ao lado de outras mulheres, por exemplo, em campanhas contra o assédio, usando minha voz para trazer essas questões à tona, como estamos fazendo nessa entrevista (risos).Coloco isso em prática quando eu me uno a outras mulheres, quando não vejo uma outra mulher como inimiga ou rival. Acho sororidade uma coisa incrível porque, no geral, somos muito ensinadas a competir. Quando conseguimos quebrar com isso e passamos a nos apoiar, é algo maravilhoso!Se a mulher contemporânea fosse uma personagem, como você descreveria ela para Elisabeta? Eu diria para Elisabeta que a mulher contemporânea é uma mulher que está se descobrindo, se ouvindo mais, falando mais e se colocando cada vez mais. Que respeita seu passado de luta e olha para ele para seguir lutando e mudando as coisas, assim como Elisabeta faz no seu tempo. Amélia Rodrigues, Chiquinha Gonzaga e Nise da SIlveira foram mulheres à frente do seu tempo Conheça mulheres reais à frente do seu tempo

Amélia Rodrigues (1861-1926) Escritora, dramaturga, educadora e jornalista baiana, lutou a favor de uma educação de qualidade para as mulheres, assim como defendeu o voto feminino e a igualdade de oportunidades entre os gêneros. Nascida em Oliveiros de Campinhos, em Santo Amaro da Purificação, produziu com mais intensidade durante a primeira onda feminista que tomou conta do país, entre o final do século XIX e início do XX. Em sua atuação, fundou o Instituto Maternal, no bairro de Nazaré, escola particular cuja novidade era ser mista: para meninas e meninos.

Chiquinha Gonzaga (1847-1935) Pianista, maestrina e compositora carioca enfrentou a opressão da sociedade patriarcal e criou uma profissão inédita para a mulher. Ganhou um piano do pai aos 9 anos e compôs sua primeira música dois anos depois. Participava ativamente do movimento pela libertação dos escravos e, para arrecadar fundos para a causa, vendia suas partituras de porta em porta. Chiquinha foi expulsa de casa pelo pai ao separar-se do marido, com quem casou-se ainda criança, afinal uma mulher separada era um absurdo imperdoável para a época.

Nise da Silveira (1905-1999) Psiquiatra alagoana, combateu práticas como choques elétricos e camisas de força para “ajustar” pessoas com transtornos mentais e propôs um tratamento humanizado, que usa a arte para reabilitar os pacientes. Única mulher na turma de 157 alunos que se formou na Faculdade de Medicina da Bahia, na década de 1930, dedicou sua vida para cuidar das pessoas taxadas como “loucas”. Autodenominada “psiquiatra rebelde”, virou presa política, dividiu a cela com Olga Benário e manteve contato com o escritor Graciliano Ramos, que fez relatos sobre a médica no livro Memórias do Cárcere.