Vitória gastou R$ 7 milhões só com rescisões de contratos em 2017

Conselho Fiscal também aponta valor 'pouco razoável' em premiação paga a Vagner Mancini

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  • Vitor Villar

Publicado em 21 de setembro de 2018 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Arisson Marinho / CORREIO

Na análise do Conselho Fiscal rubro-negro, a gestão de Ivã de Almeida e Agenor Gordilho Neto fechou contratos “não razoáveis” com o técnico Vagner Mancini e com o diretor de futebol Cleber Giglio para salvar o time do rebaixamento no ano passado.

O CORREIO teve acesso exclusivo ao parecer, entregue à avaliação do Conselho Deliberativo em junho, quando o colegiado rejeitou as contas de 2017. O documento ainda não foi divulgado no site oficial do rubro-negro.

O principal órgão fiscalizador do clube ainda aponta a ausência de planejamento ao contratar Petkovic, que mudou de função três vezes e assinou dois contratos em 79 dias de trabalho. Com a demissão dele, em julho, o clube acabou pagando valor dez vezes maior do que o planejado – e equivalente a um ano inteiro de trabalho do sérvio.

No parecer, que se alonga por 37 páginas, ainda há detalhes de gastos com o futebol na ordem de R$ 21 milhões acima do que foi orçado para a temporada. O Leão gastou quase R$ 7 milhões apenas com rescisões contratuais, o que contribuiu para o caixa do clube ter perdido mais de R$ 23 milhões em apenas um ano.

Abaixo, o CORREIO resume os principais pontos do parecer do Conselho Fiscal: Conselho Fiscal analisou contas do período de Agenor Gordilho (à esquerda) e Ivã de Almeida (Foto: Divulgação)

Premiação 'pouco razoável' paga a Vagner Mancini

O técnico foi contratado em 25 de julho do ano passado, quando o time estava em penúltimo lugar na Série A e vinha de quatro derrotas seguidas. O presidente Ivã de Almeida tinha pedido afastamento uma semana antes, e a negociação foi conduzida pelo interino Agenor Gordilho.

Segundo o Conselho Fiscal, o contrato acertado continha valores “pouco razoáveis” em relação às premiações, como por exemplo pela permanência do clube na Série A – o que por fim ocorreu. Como parâmetro, o órgão levantou as premiações prometidas a Argel Fucks, Petkovic e Alexandre Gallo, técnicos contratados antes, naquele mesmo ano.O parecer mostra que Mancini, por ter mantido o clube na Série A em 2017, recebeu premiação 180% maior – quase três vezes mais – do que a premiação que Argel Fucks receberia caso fosse campeão brasileiro.O documento não informa o valor da premiação a Mancini, mas o CORREIO apurou à época que era em torno de R$ 1,5 milhão. O pagamento não foi realizado no fim da gestão de Agenor Gordilho por falta de caixa. Já com Ricardo David na presidência, o Vitória parcelou o pagamento ao longo de 2018, o que aconteceu, acumulando com a rescisão quando o treinador foi demitido em julho.

Em outro item, o Conselho Fiscal aponta que o termo aditivo em que eram detalhadas as premiações continha apenas a assinatura do presidente em exercício, Agenor, e do técnico. A ausência de assinaturas de representantes do setor jurídico ou de outras testemunhas representa, na visão do órgão, perigo ao clube. Premiação de Mancini foi acima do mercado, segundo Conselho Fiscal (Foto: Reprodução)

Pagamento antecipado de premiação a Cléber Giglio

À mesma época da contratação de Mancini, o Vitória acertou com Cleber Giglio para a função de diretor de futebol. O gestor também receberia premiação em caso de permanência na Série A. O contrato dele foi de quatro meses.

O Conselho Fiscal não divulgou o valor da premiação, mas citou que era de seis vezes o salário do diretor. O contrato dizia que o pagamento seria “em até 10 (dez) parcelas iguais e sucessivas, iniciando-se o cronograma em janeiro de 2018”.

Segundo o órgão, o pagamento foi feito à vista no valor integral, no dia 7 de dezembro de 2017, menos de uma semana antes da eleição de Ricardo David.O parecer ressalta que não houve desconto que justificasse o pagamento antecipado a Cleber Giglio.Um agravo é que o clube não honrou compromissos que venciam em dezembro, passando dívidas para a gestão futura. O Conselho Fiscal não detalha quais seriam as dívidas, mas, segundo apuração do CORREIO, trataram-se dos direitos de imagem de alguns atletas, que chegaram a acumular três meses de atraso.

Falta de planejamento nos contratos e funções de Petkovic

Na visão do Conselho Fiscal, a falta de decisão quanto à função de Dejan Petkovic gerou “despesas excessivas de rescisão”. O sérvio foi anunciado no dia 3 de maio de 2017 como gerente de futebol. No parecer, não há menção a este contrato.

O primeiro contrato de Petkovic, segundo o Conselho Fiscal, foi em 10 de maio, quando foi anunciado como “team manager”, acumulando funções de gerente e técnico. Este primeiro contrato seria até o final de 2017 (7 meses e 20 dias). Em 6 de junho, Petkovic foi anunciado como diretor de futebol, em substituição a Sinval Vieira.Para aceitar o cargo, o sérvio negociou um novo contrato, agora de dois anos, até junho de 2019.Em 28 de junho, ou seja, 52 dias depois, o Vitória rescindiu este último contrato e demitiu Petkovic. O acordo previa multa rescisória de 50% do valor do contrato. Como foi demitido menos de dois meses após a contratação, o sérvio recebeu o que equivalia a um ano de salário.

Segundo apuração do CORREIO, o sérvio recebeu, por 79 dias de trabalho, R$ 1 milhão como rescisão. O valor não foi pago integralmente em 2017. Petkovic recebeu dez vezes mais o planejado inicialmente (Foto: Reprodução)

Não recebimento do valor integral da Caixa Econômica

O Vitória deixou de receber mais de R$ 1,2 milhão da Caixa Econômica Federal pelo patrocínio máster de 2017. A perda se deu porque o clube não conseguiu atingir todas as metas previstas no contrato com o banco estatal. Por falta de planejamento, na visão do Conselho Fiscal.

Pelo contrato, a Caixa paga ao Vitória anualmente R$ 4,2 milhões fixos mais R$ 1,8 milhão de acordo com metas a serem atingidas pelo clube. Ao final do ano, o Leão conseguiu criar um time de futebol feminino, gerou ações de ativação com a marca do banco e investiu em projeto social, o Vitória Cidadania. Recebeu por isso R$ 540 mil.

O rubro-negro não conseguiu atingir metas de aumentar o engajamento em redes sociais, não gerou conteúdo exclusivo de publicidade em parceria com a Caixa e não ampliou a sua plataforma de negócios com o banco – como aquisição de financiamentos. Deixou de ganhar, assim, R$ 1,26 milhão. Vitória perdeu mais de R$ 1,2 milhão por falta de planejamento (Foto: Reprodução)

Gastos com o futebol acima do autorizado no orçamento

No parecer, o Conselho Fiscal demonstrou preocupação sobretudo com o custo considerado excessivo do futebol. O Vitória gastou R$ 21 milhões acima do que estava autorizado no orçamento de 2017, o que caracteriza uma violação grave ao estatuto do clube, e que pode resultar em punições aos dirigentes.

A gestão de Ivã de Almeida e Agenor Gordilho estava autorizada a gastar até R$ 49 milhões no futebol. Gastou R$ 70 milhões, ou 43% a mais.Para tentar equilibrar, diminuiu despesas administrativas, investimentos em outros setores – como aquisição de novos equipamentos – e tirou dinheiro do futebol de base.Mesmo com cortes em outros setores, o clube não conseguiu fechar o orçamento. Ao final, o Vitória gastou R$ 86 milhões, quando o autorizado era R$ 78 milhões. Apesar de ter a possibilidade, a diretoria não solicitou ao Conselho Deliberativo a alteração do orçamento durante o ano, o que configura desrespeito ao estatuto. Documento ressalta que direção não cumpriu o estatuto em 2017 (Foto: Reprodução)

Rescisões somaram quase R$ 7 milhões

Um gasto que salta aos olhos no documento do Conselho Fiscal é com rescisões de contratos, seja de atletas ou de membros da comissão técnica. O Vitória gastou R$ 6.890.480,34 para se desfazer de contratações realizadas em 2017.

O pico aconteceu entre maio e agosto. Em quatro meses, o clube consumiu R$ 4.765.756,59 do orçamento. Para efeito de comparação, a negociação de Tréllez com o São Paulo, no início deste ano, rendeu R$ 6 milhões - com variável, chegará a no mínimo R$ 8 milhões.

O período de maio a agosto coincide com as duas reformulações pelas quais o futebol do Leão passou. Primeiro, em maio, demissão de Argel Fucks e rescisão com o meia Dátolo. Em julho, demissões de Alexandre Gallo, Petkovic e de atletas como Paulinho e Pisculichi. Acima, três recortes da tabela de gastos do Vitória em 2017 (Foto: Reprodução)

Exaurimento de R$ 23 milhões do caixa do clube

O Conselho Fiscal registrou que a gestão de Ivã de Almeida e Agenor Gordilho assumiu o Vitória em dezembro de 2016 com mais de R$ 23 milhões em caixa. Ao passar a direção para Ricardo David, eleito em dezembro de 2017, o caixa estava em R$ 749 mil negativos.

Para pagar compromissos do final do ano que não podiam ser adiados, a nova direção contraiu empréstimo de R$ 1,1 milhão. E renegociou para serem pagos em 2018 outros R$ 686 mil referentes a compromissos vencidos em 2017.

Os R$ 23 milhões de saldo no início de 2017 foram, na realidade, herança e rescaldo de uma quantia maior.Segundo o Conselho Fiscal, o Vitória recebeu entre 2015 e 2016 mais de R$ 70 milhões em adiantamentos dos contratos de transmissão de seus jogos com a TV Globo.Em 2015, a gestão de Raimundo Viana assinou dois contratos. O primeiro, de cessão de direitos entre 2016 e 2018. O segundo, dos direitos de 2019 e 2020. Pelos dois, recebeu adiantamento de R$ 30 milhões. Por esse adiantamento, o clube devolverá anualmente R$ 4,5 milhões a partir do ano que vem até 2022.

Em 2016, ainda com Raimundo Viana, o Vitória negociou com a TV Globo as transmissões entre 2021 e 2024, recebendo como luvas R$ 40 milhões. Ao todo, portanto, foram R$ 70 milhões que foram exauridos de 2015 até o início de 2018. Caixa do clube apresentou valor negativo de R$ 750 mil em dezembro/17 (Foto: Reprodução)