Viúva de Adriano da Nóbrega se casou com empresário que devia para miliciano

União ocorreu apenas 8 meses após ex-Bope ser morto pela polícia na Bahia

Publicado em 7 de julho de 2021 às 16:42

- Atualizado há um ano

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Foto: Reprodução Apenas 8 meses após a morte do miliciano Adriano Magalhães de Nóbrega, ocorrida durante um cerco policial no interior da Bahia, a viúva dele, Júlia Emília Mello Lotufo, casou-se novamente. E o felizardo foi, curiosamente, um empresário que tinha dívidas com seu ex-marido, como mostra reportagem do jornal carioca Extra. 

Segundo a publicação, depois de viver perigosamente com o paramilitar e ex-capitão do Bope, inclusive o acompanhado durante a tentativa de fuga no litoral norte baiano antes da morte em Esplanada, Júlia passou a viver com o empresário Eduardo Vinícius Giraldes Silva. 

Por trás do casamento, em regime de comunhão total de bens, investigadores da Polícia Federal acreditam que exista algum tipo de negócio ilícito entre o empresário e o ex-dono da milícia de Rio das Pedras e da Muzema, na zona oeste do Rio. Como viúva, Júlia teria ficado com a herança proveniente de crimes.

Agiotagem De acordo com relatório de Inteligência sigiloso da PF, ao qual Extra e jornal O Globo tiveram acesso, Giraldes devia dinheiro a Adriano, que mantinha em seu ramo de negócios ilegais um esquema de agiotagem. O documento da PF informa que o empresário contraiu o empréstimo com o miliciano em agosto de 2018. Giraldes e Adriano teriam se aproximado, segundo os analistas federais, por intermédio de um coronel da Polícia Militar da ativa, que também era cliente do ex-capitão.

Com a morte do marido, destaca o Extra, coube à viúva cuidar do espólio de atividades ilícitas do ex-capitão. A informação consta no processo da 1ª Vara Criminal Especializada da Capital, no qual Júlia responde por organização criminosa e lavagem de dinheiro. 

Na denúncia do Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Rio (MP-RJ), consta uma planilha contábil, extraída a partir da quebra de dados telemáticos de Júlia, que revela "vultosos" valores sobre despesas e créditos a receber, totalizando uma movimentação de R$ 1.845.111,43, só no mês de maio de 2019.

O Gaeco sustenta na denúncia que a contabilidade seria uma evidência de que a viúva se responsabilizou pela gestão financeira, ainda mais porque o registro na folha de cálculo foi feito três meses após a morte de Adriano. 

Ainda segundo o Extra, a planilha apareceu numa conversa por aplicativo entre ela e o ex-marido, o PM Rodrigo Bittencourt, que segundo os promotores, também faz parte da organização criminosa. Além da foto da tabela, ela ainda comenta com o ex-marido: “To batendo aqui já olho direito” (sic). Para os investigadores, “batendo” se refere ao fato de ela estar conferindo as contas. 

Antes de ser companheira de Adriano, Júlia teve um relacionamento com Rodrigo, com quem teve uma filha. Ele teve a prisão preventiva decretada e se encontra preso.

União às pressas Giraldes seria o terceiro relacionamento mais sério de Júlia. O casal procurou o cartório para oficializar a união estável em 5 de outubro, de acordo com a escritura declaratória feita no cartório do 4º Ofício de Notas do Rio. Foi adotado, expressamente, o regime da comunhão total de bens, ou seja, tudo que foi adquirido pelos dois antes e o que for conquistado durante a união lhes pertence. 

Se não tivessem optado por esta forma, a lei prevê o regime da comunhão parcial de bens, na qual apenas os bens obtidos durante a constância do casamento seriam partilháveis. 

No documento, o casal declara estar livre e de espontânea vontade, sem estar sob coação e estado de perigo. Júlia e Giraldes também afirmam se encontrar “em pleno gozo e integridade de suas faculdades mentais”.

MP de olho Júlia é considerada pelo Gaeco peça-chave para se entender os negócios ilícitos de Adriano com a contravenção e a política. O miliciano ainda era chefe da milícia de Rio das Pedras e da Muzema e comandava um grupo de matadores de aluguel – o denominado Esquadrão da Morte. 

Como nada foi encontrado nos 13 celulares e sete chips apreendidos com Adriano, quando foi morto em fevereiro do ano passado pela polícia baiana, em Esplanada, nordeste baiano, a viúva ganhou ainda mais importância no caso. 

Denunciada Júlia foi denunciada junto com oito integrantes do bando, alvos da Operação Gárgula, desencadeada em 29 de março deste ano, por crimes de associação criminosa, agiotagem e lavagem de dinheiro proveniente do espólio do miliciano.

O juiz da 1ª Vara Criminal Especial, Bruno Rulière, decretou a prisão preventiva de Júlia, mas a defesa da acusada recorreu. Em abril, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Reynaldo Soares da Fonseca, converteu a prisão em domiciliar, determinando ainda o uso de tornozeleira eletrônica. 

‘Bebezão’ alvo de operação O casamento com o empresário Eduardo Vinícius Giraldes Silva veio à tona no pedido da defesa de Júlia para que a prisão dela fosse revogada. Os advogados incluíram a declaração da união estável do casal aos autos. 

Além de apontar os negócios com Adriano, o Relatório de Inteligência da PF informa que Giraldes foi condenado a 8 anos e 3 meses de prisão por associação criminosa, falsificação e uso de documento particular, furto mediante fraude e furto qualificado, em primeira instância. 

O empresário foi alvo na Operação Nômade II, deflagrada em 17 de janeiro de 2014, por integrar uma quadrilha que falsificava cartões de crédito. Seus apelidos, segundo os analistas federais, são “Pisca” e “Bebezão”. A defesa recorreu da decisão no STJ.

Apesar da condenação, Giraldes virou empresário, dizendo ser o dono do Azeite Royal. Desde 2018, ele investiu fortemente na publicidade do produto importado, patrocinando times de futebol cariocas (Botafogo, Flamengo, Fluminense e Vasco, que viram os contratos serem rompidos em março deste ano) e até um lutador de MMA. 

Em 14 de janeiro do ano passado, O Globo publicou reportagem citando sobre a estranha jogada de marketing sobre o azeite que era encontrado em apenas um supermercado.

Segundo processo em andamento no Tribunal Regional Federal da 2ª Região, a empresa Lecargo Comércio Importação e Exportação Eireli, também pertencente ao empresário, sofreu uma execução fiscal. Durante as investigações, descobriu-se que Giraldes estaria por trás de um grupo econômico formado por outras duas empresas, a ME RJ Importação e Distribuição Eireli e a Royal Green Comércio Importação e Exportação. Esta última, responsável pela importação do azeite. Enquanto as outras empresas se mantinham lucrativas, os débitos tributários se concentravam na Lecargo, apesar de a gestão ser única.

Por causa disso, o MPF denunciou Giraldes e outros integrantes do bando por lavagem de dinheiro e sonegação fiscal. Segundo a denúncia, o esquema adotado pelo empresário era o de se utilizar de interpostos, familiar e empregado, para ocultar dos registros públicos o fato de ser o gestor. Ele não aparece no quadro social das empresas, mas se mantém à frente com plenos poderes para movimentação das contas bancárias delas. As contas das empresas foram bloqueadas. 

Ligações políticas As relações do empresário e da sua nova esposa com políticos também são investigadas. Como a mãe e a ex-mulher de Adriano, Raimunda Veras Magalhães e Danielle Mendonça da Costa, que ocuparam cargos na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), Júlia também tinha uma lotação lá. 

As duas primeiras constavam no gabinete do então deputado estadual (atualmente senador) Flávio Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro. Raimunda aparece no quadro de funcionários do parlamentar desde junho de 2016, já Danielle teria começado em novembro de 2010. Ambas foram exoneradas a pedido no dia 13 de novembro de 2018, após a suspeita da prática da rachadinha, quando o político exige parte do salário do funcionário para ele.

O Extra destaca que Júlia pode ter se esbarrado nos corredores da Alerj com a ex-mulher de Adriano e a mãe dele, afinal, depois de trabalhar num cargo em comissão de assistente na Casa Civil, em agosto de 2012, ela foi lotada, quatro anos depois, na Subdiretoria-Geral de Recursos Humanos da Casa. Em 31 de outubro de 2019, foi citada para tomar ciência de um Processo Administrativo Disciplinar (PAD), já como ex-servidora, por ter sido exonerada em julho de 2017.

Outro lado O escritório Silveira Cruz, que defende Giraldes no processo do TRF-2, respondeu por e-mail que: “Relativamente à execução fiscal em curso, encontra-se suspensa em virtude do parcelamento da dívida. Estes dados estão disponíveis nos próprios autos processuais. Quanto à titularidade das empresas, as transferências se deram em virtude do rompimento de união estável (com Nataly Diz Ros), constando a documentação correspondente igualmente dos autos processuais. Finalmente, relativamente ao contato pessoal, tentaremos localizar o cliente”. 

Já o advogado de Júlia Lotufo, Délio Lins e Silva, não se posicionou até a publicação da reportagem. As informações são do Extra e O Globo.