Você sabe que está ficando velho quando sente saudade futebolística real

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  • Saulo Miguez

Publicado em 10 de junho de 2018 às 12:25

- Atualizado há um ano

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Você sabe que está ficando velho quando sente uma saudade futebolística de verdade. Até então, era atingido apenas pelo banzo dissimulado por não ter visto as peripécias de Garrincha, não ter sentido o êxtase do tri, ou mesmo a dor da geração de 1980, quando Zico e Cia ilimitada deixaram escapar por entre os dedos dois mundiais.

Todas essas nostalgias eram fabricadas. Produto de uma paixão pelo futebol alimentada por horas de videotape, páginas de livros e conversas com outros apaixonados pelo jogo de bola jogado com os pés.

Hoje, no entanto, posso afirmar que tenho uma saudade genuína e que certamente será passada para aqueles que vieram depois de mim e não tiveram a oportunidade de ver a Seleção Brasileira de 2002; a família Scolari, embalada pelo pagode "Deixa a Vida me Levar", cantado na voz arrastada, levemente embriagada e cheia de malandragem do mestre Zeca Pagodinho. https://bit.ly/1BY629K

Aquele time chegou ao mundial da Ásia desacreditado. A classificação foi às turras. O capitão da equipe, o volante Emerson, foi cortado a poucos dias da estreia após deslocar o ombro em um rachão. Contra tudo e todos, Romário foi preterido e Ronaldo, mesmo com joelho operado, histórico de convulsão, depressão e o que mais se possa imaginar, convocado. (Reprodução) Com tanto problema dentro e fora de campo, o time não desapegava do seu mantra. Não se desesperava e aos trancos e barrancos deixava o negócio rolar. De mansinho, batemos Turquia, China e Costa Rica na primeira fase. Quase enfartamos nas oitavas contra a Bélgica, mas ganhamos (roubado) para enfrentar a Inglaterra em um dos jogos mais impressionantes da história recente das copas.

Diante dos ingleses, que tinham Michael Owen, David Beckham, Rio Ferdinand, saímos atrás no placar. Eis que Rivaldo - último representante tupiniquim da espécie “meio-de-campus raízes” - empatou o jogo. Êxtase. Explosão. Estávamos vivos!

No segundo tempo, o mundo entendeu porque aquele time terminaria a competição com a taça nas mãos e a quinta estrela no peito. Uma falta de longe. A lógica determinava o cruzamento, mas obedecer as leis do método nunca foi o forte de quem se posicionava para cobrança. Ronaldinho Gaúcho fez que ia mandar na área, mas bateu direto. Golaço! https://bit.ly/2sQgfnC

O herói da virada foi expulso minutos depois, mas a seleção segurou o resultado e passou. Na semi, jogo duro, porém, administrável contra a surpreendente Turquia e na final aquele passeio sobre a Alemanha de Oliver Khan. O goleiro alemão, aliás, disse antes do jogo que atacante bom era o que fazia gol nele. Ronaldo fez dois.

Com a taça nas mãos, Cafu subiu no púlpito e exibiu a camisa amarela com a famosa frase “100% Jardim Irene”. Jardim Irene é o bairro na zona Sul de São Paulo onde o jogador viveu sua infância. Ao iluminar o seu berço num momento de máximo reconhecimento, o capitão do penta reforçou a identificação do país com a sua versão de chuteiras.

Sim! A família Scolari era um retrato da família tradicional brasileira. Treze (em homenagem ao Zagallo #sqn) dos 23 convocados atuavam no Brasil. A título de comparação, no escrete de Tite que está na Rússia são apenas três - nenhum titular.

Entre os filhos de Felipão haviam pretos e brancos, barqueiros, evangélicos, cachaceiros, resenheiros, gente chata pra caralho, gente que anos depois foi presa por não pagar pensão, outros flagrados com travestis. Não havia esse ode à vaidade e tatuagem era adorno de marginal. Em suma: nós brasileiros nos reconhecíamos naquela galera e isso por si só era motivo pra torcer.

Concomitantemente a toda essa empatia, tínhamos em quem confiar. Havia ali um time de adultos. Era um tempo de menos midia training na cabeça e mais birro de chuteira na canela. Todos ali (até o Anderson Polga) jogariam sem tremer contra qualquer equipe do mundo, em qualquer circunstância. Naquele grupo, as lágrimas só rolavam pela alegria da vitória ou tristeza pela derrota. Jamais por medo.

Hoje, não temos um capitão, como foi Cafu, e a braçadeira viaja de bíceps em bíceps sob um discurso de divisão de responsabilidade. Acontece que essa geração 2018 mais parece uma bandinha de baile; dessas que faz tudo ensaiadinho, mas basta alguém na plateia gritar um “toca Raul!” para o espetáculo fugir do controle. Ou, se o astro temperamental acorda rouco, não há quem encare o microfone pra assumir o protagonismo.

Não há, entretanto, como desvincular essa crise de representatividade da contenda que o futebol brasileiro se vê mergulhado. Grandes clubes volta e meia enfrentam dramas administrativos, nossos bons jogadores deixam o país cada vez mais cedo, as águias da CBF estão engaioladas, assistimos ao 7 X 1 e, de quebra, passamos pela ressignificação escrota do uniforme nº 1. Hoje, não pelo futebol e sim pela política, é motivo de vergonha usar a internacionalmente idolatrada camisa amarela. Definitivamente, o Brasil não é para amadores.

Esses e outros motivos fizeram com que 65% dos brasileiros, às vésperas do Mundial, não estejam dando a mínima para o que vai acontecer na Rússia. Não há argumento forte suficiente que sustente isso como algo bom. Afinal de contas, o desinteresse pela Copa não veio acompanhado de uma tomada de consciência política ou algo do tipo. Pelo contrário. As pesquisas mostram que não estamos nem aí também para as eleições. Para se ter uma ideia, atualmente apenas Lula supera os votos brancos e nulos https://glo.bo/2vhmBkp.

Talvez esse quadro sirva, ao menos, para mostrar àqueles que insistem em ver o futebol apenas como uma válvula de escape que este esporte no Brasil é também um eficiente termômetro capaz de aferir com precisão o teor de ânimo do seu povo.