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Volta por cima seria pouco para a ginasta e campeã olímpica Simone Biles


 

  • Miro Palma

Publicado em 22/08/2018 às 05:00:00
Atualizado em 18/04/2023 às 19:19:09
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Uma volta por cima seria pouco para a ginasta e campeã olímpica Simone Biles. Digamos que ela deu muitas piruetas por cima ao ganhar o título geral no campeonato americano de ginástica, o US Gymnastics Championships, no último final de semana, em Boston. Esse foi o quinto título americano conquistado por Biles nos últimos seis anos. Ela só não levou o do ano passado, quando tirou um período sabático de quase dois anos após conquistar quatro medalhas de ouro e uma de bronze na Olimpíada do Rio de Janeiro.

Para além do retorno triunfal às competições de alto nível, descrito como “chocante” pelo coordenador da equipe feminina de ginástica dos EUA, Tom Foster, a volta da atleta marcou um novo capítulo na triste história de abuso sexual que marcou o esporte americano após o escândalo envolvendo o ex-médico da delegação americana Larry Nassar.

Simone, uma das vítimas de Nassar, usou um collant azul-turquesa em sua premiada apresentação. A cor é um símbolo da conscientização e prevenção de agressão sexual. A roupa, idealizada pela própria ginasta, serviu como uma homenagem às sobreviventes dos abusos do ex-médico.

Serviu também como um bom tapa com luva de pelica no primeiro pronunciamento da presidente da Federação Americana de Ginástica (USA Gymnastics), Kerry Perry, sobre os abusos sofridos por mais de 250 atletas e ex-atletas. Em pouco mais de 20 minutos de entrevista, Perry não falou nada realmente esclarecedor sobre a posição da federação, acusada na Justiça de conivência, em todo o escândalo. Falou das consequências dos abusos e garantiu que 86% das mais de 70 recomendações à entidade foram implementadas. No entanto, não fez sequer um tributo às vítimas de Nassar. O ex-médico segue preso após ter sido condenado a até 360 anos de detenção pelas diversas acusações de abusos e pornografia infantil.

Já aqui no Brasil, vimos outro escândalo de assédio sexual, também na ginástica, cair no velho “deixa quieto”. O ex-técnico do clube Mesc, de São Bernardo do Campo, e da seleção masculina de ginástica, Fernando de Carvalho Lopes, foi acusado, em abril deste ano, por 40 atletas e ex-atletas de praticar diversas formas de abusos sexuais e morais. Quase cinco meses depois não há sequer uma resolução sobre o caso. O ex-técnico continua sob investigação da polícia e o processo segue em segredo de Justiça.

O longo período sem respostas contribui para que aqueles que querem jogar a sujeira para debaixo do tapete comecem a questionar as vítimas. Como é o caso do coordenador da Seleção Brasileira Masculina e Feminina de Ginástica Artística e treinador do campeão olímpico Arthur Zanetti, Marcos Goto. Acusado por atletas de ser omisso aos episódios de violência, já que sabia dos casos e ainda fazia piada com os meninos que eram treinados por Fernando, Goto disse em entrevista ao Diário do Grande ABC que “até agora ninguém conseguiu provar nada” e que “não podemos julgar ninguém por boatos”.

O nome disso, meu caro, é impunidade. Talvez tenhamos todos que usar azul-turquesa como fez Biles e pintar cada centímetro de nossas cidades com essa cor para ver se, assim, conseguimos abrir os olhos para essa lastimável realidade dos que insistem em mantê-los fechados. E, enquanto aguardamos a vagarosa Justiça, precisamos nos manter vigilantes, porque, um boato, como chamou Goto, pode salvar a integridade de muitas crianças e adolescentes.

* Miro Palma é jornalista e subeditor de Esporte