Urnas são levadas por barco às aldeias para índios votarem na Bahia

No Extremo Sul é onde está a maior parte dos índios do estado: mais de 10 mil da etnia pataxó

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  • Mario Bitencourt

Publicado em 6 de outubro de 2018 às 15:23

- Atualizado há um ano

. Crédito: Acervo Pessoal

Às 4h deste domingo (7), enquanto muitos estiverem sonhando com as eleições, técnicos do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia (TRE-BA), em Porto Seguro, no Extremo Sul do Estado, iniciarão uma viagem que inclui travessia de barco por dois rios para garantir a chegada de urnas eletrônicas a comunidades indígenas da região.

As comunidades indígenas para onde serão levadas três urnas são a de Barra Velha e São Geraldo, distantes mais de 200 km de Porto Seguro. Para chegar lá, além da viagem por terra, é preciso atravessar os rios Buranhém (entre Porto Seguro e Arraial d’Ajuda, usando a balsa), e Caraíva (no povoado homônimo ao rio), onde só tem canoas.

O trajeto é o mais rápido para chegar às comunidades, onde estão aptos a votar pouco mais de mil índios. Em Barra Velha, além dos votos dos indígenas da própria aldeia, as urnas contabilizarão votos das comunidades Bugigão, Xandó, Pará, Campo do Boi e Porto do Boi. A de São Geraldo pegará também eleitores da aldeia de Boca da Mata.

Mas o esforço para a votação ocorrer não será somente dos técnicos do TRE-BA. Índios que não fazem parte de Barra Velha e São Geraldo terão de percorrer até 18 km – a pé ou de moto – para participar das eleições. É o caso dos 25 índios-eleitores que vivem na aldeia de Campo do Boi.“Estamos tentando ainda ver se conseguimos um ônibus escolar para fazer o transporte deles, mas não está nada garantido”, disse o cacique Sacuri Pataxó, liderança indígena de 49 anos que faz parte da organização das eleições em Barra Velha, considerada pelos pataxós como a “aldeia mãe” – nela vivem 3 mil índios.No Extremo Sul é onde está a maior parte dos índios da Bahia: são mais de 10 mil da etnia pataxó, sendo que no estado eles somam 26.240 indivíduos, distribuídos em 10 povos, espalhados por 23 territórios. Segundo lideranças indígenas, a Bahia tem mais de 5 mil índios aptos a votar – o TRE-BA não divulgou os eleitores indígenas do estado. No Brasil, segundo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) são 85 mil índios aptos a votar.  Demanda principal Em relação às políticas públicas, os indígenas da Bahia possuem como maior demanda a regularização dos territórios, pois a maior parte deles está sem regularização. Barra Velha, por exemplo, teve a demarcação realizada em 2008 pela Fundação Nacional do Índio (Funai), com 52,7 mil hectares.

Mas os índios dizem que os territórios tradicionais ocupam uma área equivalente a mais de 102 mil campos de futebol, mais que o dobro do que foi demarcado pela Funai. O processo de regularização da terra indígena ainda está em trâmite no Ministério da Justiça.“Além da demarcação, precisamos de uma ambulância no posto de saúde da aldeia, que não temos. Aqui, o único carro para transporte é um da Secretaria Especial de Saúde Indígena [Sesai, ligada ao Ministério da Saúde], que serve somente para levar pacientes para exames ou hemodiálises”, afirmou Sacuri Pataxó.“Reivindicamos também uma creche e uma escola de educação infantil. Aqui só temos uma escola de ensino médio e fundamental, que nos atende até bem. Contudo, devido ao trabalho que muitas mães precisam ter, há essa necessidade de onde deixar as crianças. Acredito que se já estivesse com a terra regularizada, estaríamos numa condição melhor de sobrevivência”, completou.

Segundo a Associação Nacional de Ação Indigenista (Anai), se todos os territórios indígenas da Bahia estivessem regularizados ocupariam no máximo 500 mil hectares. “Isso dá menos de 1% das terras do estado, e muitas estão no sertão, não são muito usadas pela agricultura”, disse o presidente da Anai José Augusto Sampaio.

Sobre eleições, Sampaio observa com entusiasmo a participação dos indígenas este ano, sobretudo nas redes sociais e grupos de aplicativo de celular. “Eles estão muito mais engajados, com discussões interessantes e se mostrando cada vez mais interessados em lutar pelos seus direitos, isso é muito bom”, comentou.  Candidatos Na Bahia, nestas eleições, há apenas dois candidatos indígenas: o cacique Aruã, de Coroa Vermelha, distrito de Santa Cruz Cabrália e que concorre ao cargo de deputado estadual pelo PCdoB; e o cacique Ramon Tupinambá (Rede), que tem área de atuação na região de Ilhéus, no Sul da Bahia.

“Queremos fazer frente com a bancada ruralista que há no Congresso e fazer valer nossos direitos. Há o avanço de uma onda muito preocupante contra as demarcações e precisamos, enquanto povos indígenas, estar unidos contra essas propostas que afetam também quilombolas e outras comunidades”, declarou o cacique Ramon. Cacique Ramon é um dos candidatos nesta eleição (Foto: Acervo Pessoal) “Nosso projeto político é baseado na construção de um conjunto de alianças entre os povos e comunidades tradicionais, às populações minorizadas e o povo consciente que luta pela garantia dos direitos coletivos e individuais de maneira igualitária e com justiça social”, declarou o cacique Aruã, que tem entre suas bandeiras de luta temas como segurança pública, agricultura familiar, turismo, meio ambiente e habitação.

No Extremo Sul, as lideranças indígenas há alguns anos já ocupam cargos ligados às causas indígenas, como na Prefeitura de Porto Seguro, onde a Superintendência de Assuntos Indígenas é comandada pela pataxó Luzia Silva Matos.

“O que recebemos mais de demanda é sobre saúde, muita reclamação, sobretudo a falta de ambulância. Estamos vendo se tem como colocarmos uma nas aldeias, mas há ainda um impasse sobre quem vai dar a manutenção e custear o combustível, se a Prefeitura ou o Ministério da Saúde”, disse a superintendente.  Alistamento facultativo Os índios, assim como os demais cidadãos brasileiros, devem votar se tiverem mais de 18 anos e forem alfabetizados em língua portuguesa. O Código Eleitoral (Lei n° 4.737/1965) veda o alistamento eleitoral daqueles não falam português. No entanto, caso os índios que vivem nas aldeias optem por não votar, essa decisão individual prevalece sobre a obrigatoriedade da lei brasileira.

O alistamento eleitoral é um dos requisitos obrigatórios para que o eleitor possa votar e ser votado, caso venha a se candidatar. A partir desse procedimento, o cidadão recebe o título de eleitor e está apto a registrar suas escolhas no dia da eleição. O índio que deseja votar deve seguir o mesmo procedimento que qualquer cidadão, respeitando certas particularidades. O indígena que não tiver os documentos oficiais exigidos deve apresentar como documento válido o registro administrativo correspondente expedido pela Funai.

No entanto, o TSE assegurou o alistamento eleitoral facultativo aos índios que, segundo o Estatuto do Índio, sejam considerados isolados e em vias de integração. Pela decisão, os índios alfabetizados devem se inscrever como eleitores, mas não estão sujeitos ao pagamento de multa pelo atraso no alistamento eleitoral. Essa orientação está prevista no artigo 16 da Resolução nº 21.538/2003 do TSE.

O indígena que se alistou e tem o título em mãos também pode ser candidato. Em 2016, foram 1.715 candidatos que se autodeclararam indígenas. A maior parte dos pedidos de registro deu-se no Norte do país – com 648 índios –, seguido pelo Nordeste (411), Centro-Oeste (284), Sudeste (208) e Sul do país, com 114 registros de candidatura. Do total de candidatos, apenas 173 índios foram eleitos. O número é pequeno quando comparado à população total no Brasil: cerca de 800 mil índios.