Com Cláudia Abreu e Leandra Leal, Pi - Panorâmica Insana chega ao TCA

Espetáculo traça painel irônico do mundo contemporâneo e foi eleito o melhor de 2018 pela APCA

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  • Da Redação

Publicado em 17 de julho de 2019 às 06:00

- Atualizado há um ano

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Crise migratória, intolerância religiosa, notícias falsas, terrorismo, corrupção, desigualdade social. Diante da profusão de notícias ruins que afligem a humanidade, parece tentadora a oportunidade de não pensar sobre nada disso.  Nesses tempos em que a informação está ao alcance de um clique e todo mundo tem uma opinião formado sobre tudo, se alguém conseguir a proeza, uma coisa é certa: os problemas não deixarão de existir. E é sobre eles que o espetáculo Pi - Panorâmica Insana se detém.  O nome curioso e provocativo é uma referência ao número irracional “pi”, formado por uma sequência infinita de dígitos. “Pi” pode ser lido também simplesmente como uma sigla de Panorâmica Insana.  “O espetáculo é pensado como se fosse um voo sobre a Terra, é a humanidade do pontos de vista das estatísticas. Em algum momento, a gente entra no indivíduo e fala com profundidade”, explica a diretora Bia Lessa, para quem a peça se trata de um diálogo veemente sobre as questões desse mundo insano, capaz de barbaridades muitas. Drama e comédia se misturam, exigindo postura do público (Foto: João Caldas/ Divulgação) Em cena, os atores Cláudia Abreu, Leandra Leal, Luiz Henrique Nogueira e Rodrigo Pandolfo dão vida a mais de 150 personagens de diferentes nacionalidades, que traçam um painel irônico do mundo contemporâneo ao abordar temas como civilização, sexualidade, política, violência, miséria, riqueza, gênero e desejo. “Queremos provocar reflexão e, em tempos de crise, o teatro é o lugar ideal para isso”, defende Cláudia Abreu, que idealizou o espetáculo junto a Luiz Henrique Nogueira.  De início, os dois queriam focar nos “excluídos sociais”, mas a chegada de Bia Lessa ao projeto ampliou os interesses. No fundo, todos queriam falar sobre uma coisa só: “algo contemporâneo, que falasse de nós, de pessoas, de brasileiros”, resume Cláudia. A dramaturgia do espetáculo foi concebida a partir dos ensaios, e o resultado é o que eles definem como uma escritura cênica, onde o que parece um improviso, na verdade, é fruto de muito trabalho - coletivo!.  “A peça foi concebida no primeiro semestre do ano passado e vem se mostrando cada vez mais atual. É cada vez mais necessário estar em cena e para mim é um privilégio estar com essa peça”, comemora Leandra Leal, que foi convidada na mesma época que Rodrigo Pandolfo e Bia Lessa, a se juntar a Cláudia e a Luiz Henrique. Em certa medida, um reencontro, já que todos já tinham trabalhado juntos em diferentes ocasiões antes. Bia e Cláudia, por exemplo, repetem a parceria de Viagem ao Centro da Terra (1993), do francês Júlio Verne, e As Três Irmãs (1999), do russo Anton Tchekhov.“Fui trabalhar com a Bia Lessa quando eu tinha 18 anos. Tinha muita vontade de reencontrá-la e trocar experiências depois de tantos anos separadas. Ela é muito importante na minha vida artística”, destaca Cláudia. Dessa vez, as duas escolheram textos de autores contemporâneos para dar base àquilo que se queria dizer. Além de Jô Bilac e Julia Spadaccini, como André Sant’Anna (fundamental para o processo), e também Kafka, Paul Auster. Foi assim que construíram um mosaico de temas contemporâneos, de assuntos urgentes para serem debatidos e vividos em cena - não só através do teatro, mas também das artes plásticas e da dança.Muitas gentes Um dos destaques do espetáculo fica por conta do cenário, composto por centenas de peças de roupas de brechó - algo que Bia Lessa já havia investido em Formas Breves (2010) quando dispôs mais de 5 mil roupas pretas em um palco.  Cenário é composto por milhares de peças de vestuário multicoloridas; atores trocam figurino a todo instante  (Foto: João Caldas/ Divulgação) “Tenho muita atração por pessoas, adoro pessoas. Usar roupas usadas traz para cena essa ideia de que há muitas pessoas ali. Dessa vez optei pelas peças coloridas para exaltar a diversidade. Somos mais um nas estatísticas, mais um dentre tantos outros, mas cada um é diferente do outro, cada um é um, e por isso a beleza”, defende Bia, que nos ensaios pedia para cada ator levar suas dezenas de pessoas para o palco. Para Claudia, uma dificuldade, mas também um trunfo. “Começamos a ensaiar sem saber no que iria dar, sem dramaturgia previamente definida. Mas a vantagem é que descobrimos cada detalhe da peça coletivamente e é uma cumplicidade criativa que se renova a cada espetáculo”, comenta. Bia Lessa, diretora (Foto: Divulgação) Quem adaptou Grande Sertão: Veredas para o palco já demonstrou não se intimidar por tarefas grandiosas, que desafiem tanto a si mesma, quanto elenco e público. Eleito Melhor Espetáculo de 2018 pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), o espetáculo é daqueles que não deixa ninguém incólume. Por onde passa, exige da plateia posicionamento. Durante a temporada, as reações chegam a ser extremas: da plateia se ouve gritos de Ele Não, Lula Livre, e também protestos de gente que diz que não foi lá para ver aquilo e se retira da sala. Há também quem critique o espetáculo por falar de uma humanidade por vezes muito abstrata.   “Vivemos um momento caótico, trágico, mas a vida continua tendo alegrias, beleza e passagens engraçadas. Acho que as pessoas também se reconhecem, identificam alguém próximo, um vizinho, um familiar. A cada momento da peça mergulhamos radicalmente numa personagem, mas é sempre alguém comum, e quando destacamos alguém pode também ser absurdo”, explica Leandra Leal.

Leia entrevistas com as atrizes:  

Pelo que li, o espetáculo desperta uma reação bastante forte do público. Do tempo em que vocês estão em cartaz, qual postura mais chama atenção de vocês? E por que?Cláudia Abreu - A proposta da peça é provocar reflexão e, em tempos de crise, o teatro é o lugar ideal para isso. O espectador pode até ficar contrariado em algum momento, pode ter uma opinião diferente sobre algum tema abordado, mas sempre escutamos pessoas dizendo que ficam dias refletindo sobre a peça.  É sempre bom repensar suas certezas absolutas e poder fazer isso através do riso ou de algo tocante. Em certo momento o público é convidado a participar e é muito bom quando as pessoas destampam, gritam, se posicionam. Teatro vivo total!

O processo de criação do espetáculo parece ter se dado de forma bastante coletiva, até mesmo na construção do texto, que aproxima autores brasileiros contemporâneos. Quais as vantagens e dificuldades de um processo como esse?Cláudia Abreu -  Sim, é uma peça do coletivo. Tudo foi construído na sala de ensaio. O que parece improviso foi fruto de muito trabalho. Eu e o Luiz Henrique Nogueira iniciamos esse projeto há quatro anos. Chamamos a Leandra, o Pandolfo, a Bia Lessa, pessoas queridas com quem já tínhamos trabalhado antes. E chamamos também os autores, Jô Bilac e Julia Spadaccini. Durante esse tempo nós nos  reunimos para pensar no conteúdo que queríamos abordar na peça. Durante os ensaios a Bia trouxe outros autores, como André Sant’Anna (fundamental para o processo), Kafka, Paul Auster. Fizemos um mosaico de temas contemporâneos, de assuntos urgentes para serem debatidos e vividos em cena. A dificuldade do processo foi começar os ensaios sem saber no que iria dar, sem dramaturgia previamente definida. Mas a vantagem é que descobrimos cada detalhe da peça coletivamente e é uma cumplicidade criativa que se renova a cada espetáculo.

Falando nisso, como é repetir parcerias com colegas queridos, inclusive com a própria Bia Lessa? Como é esse reencontro?Cláudia Abreu - Fui trabalhar com a Bia Lessa quando eu tinha 18 anos. Foi minha primeira diretora de teatro adulto fora do Tablado. Fizemos Orlando e Viagem ao Centro da Terra. Trabalhei com ela até os 23 anos. Viajávamos pra festivais na Europa, era um trabalho intenso. Eu tinha muita vontade de reencontrá-la e trocar experiências depois de tantos anos separadas. Ela é muito importante na minha vida artística.

A peça é uma tragédia, mas também arranca risos. Que riso é esse?Leandra Leal - A peça procura fazer um panorama da vida contemporânea. Vivemos um momento caótico, trágico, mas a vida continua tendo alegrias, beleza e passagens engraçadas. Acho que as pessoas também se reconhecem, identificam alguém próximo, um vizinho, um familiar. A cada momento da peça mergulhamos radicalmente numa personagem, mas é sempre alguém comum, e quando destacamos alguém pode também ser absurdo.

O espetáculo tem mudado no decorrer de suas temporadas? Como é que vocês acrescentam camadas ainda mais atuais nesse texto? Quando chegam nesse momento de que determinado fato/questão precisa ser incorporada?Leandra Leal - A peça foi concebida no primeiro semestre do ano passado e vem se mostrando cada vez mais atual. É cada vez mais necessário estar em cena e para mim é um privilégio estar com essa peça. Acrescentamos poucas informações novas nos momentos em que citamos dados, estatísticas...  

O espetáculo foi eleito o melhor de 2018 pela APCA, e pretende ser ele mesmo uma ação. Queria deixar o espaço aberto para vocês comentarem o lugar da arte como transformação. A arte está sempre a favor disso? Ou não? E quando não está, a que "serve"?Leandra Leal - Eu particularmente faço arte para compartilhar, mas cada um tem a sua motivação, a sua razão. O artista está inserido no seu tempo, a sua criação naturalmente vai refletir os seus desejos, incômodos, sonhos. Isso tudo é muito particular e subjetivo. A arte tem a capacidade de despertar, ampliar, provocar encontros, sensibilizar.

O quê Pi - Panorâmica InsanaOnde  Sala Principal do TCAQuando Sábado, às 21h, domingo, às 19h Ingressos R$ 140 | R$ 70 (filas A a P); R$ 120 | R$ 60 (filas Q a W; R$ 80 |R$ 40 (filas X a Z4); R$ 50 | R$ 25 (filas Z5 a Z11)  - Clube Correio: 40% de desconto sobre a inteiraClassificação 16 anos