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Publicado em 29 de março de 2018 às 07:05
- Atualizado há 2 anos
Uma iniciativa que surgiu com o propósito de revitalizar a Praia da Paciência, no Rio Vermelho, foi além: revelou um atacante da atual seleção brasileira de beach soccer - ou futebol de areia. O baiano Nelito, 26 anos, é fruto recente de um trabalho iniciado em 2000.>
O viés esportivo entrou na história por acaso, conta Roberto de Jesus Rosa, 44 anos. Mas é pelo apelido Beto Negão que ele é conhecido por todos na areia. “A gente entrou para fazer um trabalho ambiental aqui, montamos a ONG Paciência Viva. Mas a gente viu tanto menino...”, lembra o diretor da ONG, líder comunitário, professor e, se precisar, pai também. “A maioria deles tem os pais separados, tem conflito familiar, então a gente também atua nessa questão”.>
A escolha pelo beach soccer se deu também pelo custo. Não requer chuteira, nem meião. Um colete basta. Dezoito anos depois, a ONG fundada por Beto e pelo amigo Cláudio Deiró - ex-jogador da seleção baiana de beach soccer – dá aulas para cerca de 60 meninos de 10 a 20 anos, às terças e quintas-feiras, no local.>
Todos moradores de regiões adjacentes, como Vila Matos, Alto de Ondina e Vasco da Gama, muitos deles alunos do Colégio Estadual Evaristo da Veiga ou da Escola Municipal Ana Nery, também nas redondezas. “Os meninos saem uma hora antes para fazer a atividade”, explica Beto.>
Nelito foi um desses. Agora é jogador do Lokomotiv, da Rússia, foi campeão e eleito melhor jogador do Mundialito de Clubes realizado em dezembro do ano passado. No início deste mês, outro título: campeão da Copa América com a seleção. Virou referência para a meninada da Paciência.>
De férias, o atacante está em Salvador e assiste aos treinos dos menores na areia fofa. Quase um retorno à própria adolescência. Olha para Beto Negão e diz:“Devo metade da minha vida a ele. Meu pai foi embora de casa (quando) eu tinha 11 anos, passei um ano muito difícil porque era muito apegado, e o cara que eu achei e hoje tenho orgulho de dizer que é meu pai é Beto. Conhecendo minha situação, que eu estava aprontando, ele me trouxe para a vida dele e conversou muito comigo. Uma luta dura”.Tamanha gratidão tem explicação: as opções eram o caminho da correção ou o do crime. E o pupilo atribui ao professor-pai o fato de poder contar esta história. “Eu poderia estar vivendo outro tipo de vida. Graças a ele, não fui pra vida do crime, que foi um atrativo de muita gente aí no Alto de Ondina na minha época de adolescente. Infelizmente, alguns já morreram, outros estão presos. E ele me deu o discernimento de não viver isso, não cair na tentação do dinheiro fácil, da recompensa imediata, mas que é momentânea”. Beto e Nelito: atacante da seleção brasileira é grato pelos conselhos que ouviu do mestre (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) Nelito não exibe a marra e os adereços comuns aos atletas famosos da grama, mas conseguiu o principal: vive do salário que recebe como jogador na Rússia, algo praticamente impensável na realidade do futebol de areia no Brasil.>
“Pra mim, o mais gratificante é isso. Nelito conseguiu viver do futebol de areia. Do menino que chegou aqui na praia, não estava nem imaginando nada da vida dele, vinha mais para bagunçar. Era um menino muito difícil, mas se adaptou à disciplina. E hoje está aí, é um exemplo”, orgulha-se Beto.>
Exemplo. De Beto para Nelito e, agora, dele para a nova geração. “Eu fiz uma parceria com o Kristall (ex-time do atacante) lá na Rússia para colocar um time aí na praia. E o lema do meu time é sempre esse, deles acreditarem no sonho deles. Se não for no futebol, procurar o caminho correto de viver a vida: trabalhar, estudar, fazer uma faculdade, fazer um curso. Eu trago eles para cá não é dizendo que vão dar certo no futebol. Eles estão aqui é pra mente estar aberta pro mundo, pra vida. Para tentar dar o discernimento do caminho certo para eles”.>